CAPÍTULO 4 - O PRÍNCIPE
Hoje não trabalhei tanto, continuo me acostumando com o ambiente, com as pessoas da cozinha também, mas não terei problemas com o tempo e as variadas tarefas que se acumulam se você tiver agilidade, e eu era a pessoa mais ágil que eu conhecia. A essas horas, na casa de Cindy e Johnny eu já estaria na cama, mas mal saí da cozinha e ainda sinto a fumaça no rosto e o suor nas costas. Graças às minhas Sombras, a maioria dos cozinheiros e empregados já tomaram banho, então o banheiro mais próximo estava vazio.
Após o banho vesti minha roupa de dormir, uma camisola branca de alças e uma sandália gladiadora, sequei meu cabelo. No quarto guardei meu uniforme e deixei sobre a cadeira em frente a escrivaninha. Fiquei pensando no que fazer a noite sem meu pai, apesar de não ter muito o que conversar com ele, sentia falta de alguém para falar sobre frivolidades, era nesses momentos que queria que minha mãe ainda estivesse viva. Meu pai disse que os iluminados a mataram em um dia quando ela se arriscou sair da Cova. Na verdade, isso parecia muito com o jeito dela, querer viver o mundo e conhecer lugares, sinto que só uma parte dela eu conhecia naquele lugar escuro.
Mas enfim, preciso bolar um plano, porém senti medo só de me aproximar de Levi, blá blá blá, o mago mais poderoso de todos, ele acabaria comigo antes mesmo que eu conseguisse sair do castelo com o livro. Abri a janela, estava uma noite clara e a lua cheia brilhava no céu estrelado. Essa era a única luz da Cova, de duas as densas nuvens cobriam a ilha inteira impedindo a passagem da luz do sol, mas a noite a luz conseguia um pouco de espaço, lá era sempre noite. Mas aqui, o céu é imenso e infinito.
Resolvi sair um pouco, peguei o doce que Dy me deu. Fui descalça para fazer menos barulho, segui pelos corredores e caminhei até a fonte. A grama estava fria e macia, causando uma sensação boa nos meus pés. Sentei-me na margem da fonte e abri a caixinha dourada com cuidado, havia um bolinho com casca de chocolate. Mordi, senti a casca se quebrar num barulho satisfatório. O bolo era fofinho, tinha gosto de canela e era recheado com mel. Suspirei de tão delicioso que era, nunca havia provado algo tão gostoso assim. Devem ter sido caros, mas com o dinheiro que vou ganhar, também posso comprar algo para Dy.
Após a última e longa mordida, olhei a caixinha novamente. Havia um papel dobrado. Pegue-o, desdobrei e li a caligrafia escarranchada de Dy.
Segurei aquele pedaço de Dy junto ao coração, olhei novamente suas letrinhas pequenas por causa do espaço e guardei de volta na caixinha que ainda tinha o cheiro doce. Eu também nunca me esqueceria dos poucos amigos que fiz, que me acolheram sem nem se perguntar quem eu era de verdade. Olhei para a lua linda e brilhante murmurando uma oração para que os deuses sempre os protegessem.
Ouvi alguns passos e olhei para trás, em frente uma porta grande, uma que saia de uma das salas de estar estava alguém que vinha até mim, a sombra se revelou aos poucos. Cabelos castanhos, olhos intensos e um pijama azul-escuro de veludo e cetim.
- Me desculpe, não queria te atrapalhar. O plano era eu voltar e você nem perceber que estava aqui.
O príncipe se aproximou. Ao pisar na grama percebi que ele também estava descalço. Ele olhou meus pés pendurados e balançando e sorriu. Permaneci séria.
- Não está atrapalhando - falei e ele assentiu - Dando uma escapada do seu quarto real?
- Acho que posso dizer que sim, precisava andar um pouco e de ar puro.
Então ele se aproximou mais e se sentou perto de mim. Encarei suas mãos pressionadas contra o concreto e as veias que transpareciam pelo seu braço forte. E me lembrei mentalmente de quem ele era. O príncipe, futuro rei Castro V, e eu simplesmente não posso tratá-lo com o desdém que sempre sinto com relação aos iluminados, principalmente a realeza. Mas não conseguirei, não com alguém que é meu inimigo declarado.
Ele me observava disfarçadamente, ora ora, parece que o príncipe estava me dando mole. Quase ri com a possibilidade.
- O que é tão engraçado? - ele perguntou.
Abaixei a cabeça.
- Nada importante.
- Queria que me contasse, estou precisando rir ultimamente.
- E eu lá tenho cara de boba da corte para te entreter, alteza? - perguntei.
Ele riu baixinho e balançou a cabeça. Pensei que iria embora, mas continuou ali sentado ao meu lado. Com os olhos atentos em algum ponto no chão, preocupado com algo que se passava em sua cabeça.
- Você não vai dormir? - perguntei.
- Por enquanto não, estou sem sono. Você está me dispensando? - ele disse.
Cruzei os pés que estavam balançando, enquanto eu olhava brevemente para o príncipe para fazer perguntas. Quanto mais eu souber, melhor.
- Você sempre sai para esses passeios noturnos pelo castelo?
- Na maioria das vezes, sim, mas é que a chegada da competição da Coroa tem me tirado o sono.
Ele também cruzou os pés e começou a balançá-los em sincronia com os meus. Revirei os olhos antes de dizer:
- Esse castelo vai se encher de princesas loucas por você.
Ele riu.
- Você gosta tanto de falar, mas ainda não se apresentou.
Permaneci imóvel enquanto ele esperava.
- Meu nome é Selena, Selena Ayla Di Lune.
Ele estendeu o braço.
- Prazer, sou Lucas Castro VI, acho.
O fato dele usar seu título de futuro rei me causou náuseas, olhei para a mão estendida, mas não consegui reunir coragem para apertá-la. Ele abaixou, decepcionado.
- Como foi seu primeiro dia? - ele perguntou.
- Muito bom, Notei que a maioria dos trabalhadores do Castelo são das vilas mais pobres. Por quê?
- Pensei que seria uma boa oportunidade, aqui eles têm um lugar confortável para dormir, segurança e comida vontade.
- É uma atitude muito nobre. Às vezes me esqueço que as grandes famílias não realizam esse tipo de serviço.
Lucas permaneceu em silêncio, ele percebeu o quão crítico foi o meu comentário, que era a realidade, os ricos de Anelin não cuidavam do trabalho pesado.
- Realmente a desigualdade no reino ainda é grande - o príncipe assumiu.
- Você poderia unificar as moedas ou coisa do tipo - opinei. - Reforça a desigualdade e distribui as moedas de pouquíssimo valor para os que mais precisam, nem faz sentido, na verdade. Poderia existir apenas uma, de valor médio.
- Você tem boas ideias - ele sorriu - Posso te tornar minha conselheira quando for rei.
Recusei veemente. A realeza iluminada não era onde eu queria estar, não mesmo. Suspirei fundo.
- Um príncipe tem mais obrigações do que você imagina - ele desabafou - Eu tenho que fazer de tudo pelo meu povo e, ao mesmo tempo, cuidar do castelo, negócios com outros reinos e minha família.
Ele se levantou parecendo ir embora. Mas ele deu um passo próximo a mim.
- Me desculpe por não entender isso, alteza - falei.
Seu olhar se suavizou. O clima parecia estar mais quente do que antes, e a grama mais aconchegante sob os pés do príncipe.
- Tenha um bom dia de trabalho amanhã - ele falou e seguiu para a mesma porta a qual ele tinha saído.
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