CAPÍTULO 24 - O PEQUENO LEÃO

Lucas e eu cavalgamos de volta ao castelo ao entardecer admirando o pôr do sol. Relâmpago já estava manso de novo. Deixamos os cavalos no estábulo. Tomar um pouco de vento na cara foi como tomar um tapa do que acabei de deixar acontecer, a sensação delicada dos lábios do príncipe pousados gentilmente sobre os meus ainda me deixava pensativa.

– Obrigada pelo dia – agradeci com a cabeça abaixada.

Ele pegou minhas mãos e depositou um beijo suave. Outro. Forcei um sorriso.

– O prazer foi todo meu – ele disse e seguimos por caminhos diferentes.

Voltei atenta para o interior do castelo, evitando as entradas mais cheias. Meu vestido já não estava tão encharcado quanto antes, infelizmente encontrei Margot conversando animadamente com Camila, dei-lhe um breve aceno, enquanto Margot me fuzilava com o olhar, me olhou de cima a baixo e pelo visto já tirava suas próprias conclusões. Mantive a cabeça erguida e continuei andando, subi as escadas com um sorriso no rosto.

***

Após o jantar pensei em ir até a biblioteca buscar por mais alguma coisa na passagem secreta. Com um castiçal na mão, deixei Leozinho dormindo tranquilamente no quarto e segui pelos corredores até chegar a grande porta. Abri-a devagar checando os lados antes de entrar.

– O que faz aqui uma hora dessas? – perguntou Levi de repente, ele estava sentado em uma poltrona e lia um livro sob a luz de um lampião.

– Puxa vida! – falei dando um pulo para trás e levei a mão ao coração. Levi cerrou os olhos e voltou a ler – O senhor me assustou. Eu só vim pegar um livro para ler.

Me aproximei de alguma prateleira e comecei procurar fingindo interesse em algum livro.

– Então, como foi o passeio? – ele perguntou casualmente.

– Passeio? Que passeio? – perguntei dirigindo-lhe o olhar.

– Com o príncipe Lucas. Ora, eu sei de tudo o que acontece nesse castelo – seus olhos continuaram sua leitura silenciosa.

Engoli em seco. Será que sabia mesmo? Ou estava me fazendo medo?

– Foi bom – respondi somente – fomos a uma cachoeira.

– Ah, sim, eu que sugeri ao príncipe esse local, é parecido com o seu quadro – ele explicou e pousou o livro delicadamente no colo. Arqueei uma sobrancelha, esse velho estava sabendo de algo que eu não sabia. – O que está procurando para ler esta noite?

– O livro que li sobre os criadores não respondeu minhas dúvidas. Não entendo ainda por que os seres sombrios os mataram.

– Porque são maus – ele disse.

Peguei um romance antigo, cansada já de ler histórias reais e me sentei em outra poltrona em frente ao mago. É claro que era isso que qualquer iluminado responderia, mas eu esperava mais de Levi.

– Isso não explica muita coisa. Os criadores são sempre descritos como calmos e pacíficos e nem concordaram com a antiga Guerra de Sangue. Deveria existir um motivo plausível... – parei de falar ao sentir uma presença estranha no ar – Alguém está vindo...

Levi fechou seu livro e se levantou. Ele apagou o lampião com um estalar de dedos e me chamou. Eu o segui até a última das estantes. Duas pessoas encapuzadas entraram na biblioteca escura, suas vozes estavam abafadas.

– Precisamos de todas as provas possíveis, mas as cartas da rainha Hemera já não estão mais nos livros.

– O pequeno Leão disse que sabe onde elas estão. Estão procurando neste exato momento – disse uma voz de mulher.

Estreitei os olhos, pequeno Leão... eu não podia acreditar em quem estavam se referindo. Eles foram até onde estava a passagem secreta, pude ouvir a poltrona sendo arrastada e abrirem o alçapão.

Olhei para Levi com um olhar interrogativo. Ele apenas fez um gesto com a mão e saiu do esconderijo já conjurando uma rede de proteção na saída do alçapão.

– Não conte nada a ninguém sobre o que viu ou ouviu. Agora trate de achar esse tal pequeno Leão.

Sai correndo da biblioteca e fui direto ao meu quarto torcendo para que eu estivesse errada. Alguns guardas estavam caídos no corredor. Escancarei a porta e vi minhas coisas do hall bagunçadas. Segui em frente e encontrei Leozinho em pé na cama cercado por dois guardas.

– Ei! Parem agora! – gritei.

– Esse ladrãozinho estava revirando suas coisas, milady. Vamos levá-lo ao rei – respondeu um dos guardas.

– Leozinho vá para o banheiro, não olhe para trás e tranque a porta – ele permaneceu quieto assustado – AGORA! – ordenei e ele saiu correndo.

Os guardas o seguiram, ou pelo menos tentaram, eles pararam e caíram no chão quando minhas sombras agarraram meus pés. Um deles se virou para mim com olhar cheio de ódio e perguntas. Eles sacaram as espadas, cortaram as sombras e partiram para cima de mim. Desviei da espada do primeiro guarda e lancei as sombras para segurar a do segundo. Vou precisar matá-los, não que isso seja um problema para mim. Corri, subi na cama ganhando impulso e pulei dando um chute giratório no primeiro guarda, ele caiu no chão desacordado. Minhas sombras torceram o pulso do segundo que deixou cair a espada. Em seguida, ele se ajoelhou com a mão no pulso quebrado. Ele começou a chorar e a implorar para que eu tivesse piedade. Cobri-lhe a boca com a mão. Shhhhh, não vai doer nadinha. As sombras saíras de meus dedos e entraram pelo seu nariz, ouvidos e olhos. Quando eu ia me levantar, senti alguém puxar meus cabelos e me tirar do chão.

– Sua vadiazinha sombria – o homem disse ao meu ouvido.

Me contorci, senti o couro cabeludo arder. Ele pegou a espada e pressionou nas minhas costas. Reprimi um grito. Senti a espada perfurar minha pele e o sangue descer pela lombar.

De repente ouvi um grito estridente e as janelas do quarto explodiram, os cacos me arranharam, mas aproveitem que o guarda afrouxou a mão que me segurara e dei-lhe um gacho no rosto e assim que ele me saltou lancei as sombras que já haviam matado silenciosamente o primeiro. Ele se debateu envolto na escuridão até ficar imóvel e frio como gelo. Arrastei os corpos para a lareira e acendi o fogo, corri até o banheiro. Leozinho estava em posição fetal dentro da banheira.

– Leozinho! – gritei e ele me dirigiu um olhar assustado – O que você fez? – perguntei e me agachei.

– Eu sou o pequeno Leão – ele respondeu a cabeça baixa, o olhar triste nas mãozinhas trêmulas – Foram eles que me libertaram de Algea, eu e muitos outros, mas não todos.

– O que vieram fazer aqui? – perguntei – O que está acontecendo?

Ele começou a chorar.

– O rei vai me pegar... por favor, Sele... eu não quero voltar, por favor...

Enxuguei suas lágrimas colocando as duas mãos em seu rosto e fazendo-o olhar para mim.

– Eles não vão. Confie em mim – falei e o peguei no colo.

Sai do banheiro. Era uma questão de tempo até os guardas informarem no jantar que tínhamos invasores e até chegarem até aqui. Fui até a janela. Leozinho olhou ao redor, buscava os dois guardas até que olhou a lareira crepitante.

Ele sabia, ele sabia que eu estava com as cartas, só não contava que eu tivesse magia, mas Leozinho... eu não poderia matá-lo, nem seria capaz de cogitar essa ideia.

– Você é uma iluminada? – ele perguntou baixinho.

– Não – respondi. Nunca me chamaria assim. – Você se lembra de quando prometi protegê-lo? – perguntei e ele balançou a cabeça – Agora preciso que você me proteja.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top