CAPÍTULO 23 - A DEUSA DA LUA

Algo me incomodava, eu não conseguia dormir direito a dias, pensando no plano de meu pai, ainda parecia muito arriscado. Não que eu não confiasse nele, mas um ataque da união libertadora poderia também ferir a nós. Ultimamente mal tenho saído do quarto, exceto para as aulas que tenho que fazer obrigatoriamente. As últimas concorrentes, Margot, Camila e Despina estavam passando mais tempo com Lucas, ora conversando nos jardins, ora caminhando pela estrada do castelo, não que eu estivesse reparando, mas de certo modo, esse compromisso significava mais tempo livre para ele das obrigações do reino, então são encontros que ele realiza por pura vontade.

Batidas e gritos histéricos me acordaram de um sonho conturbado. Entreabri os olhos sonolenta e estiquei a cabeça por cima da coberta.

– Quero dormir até mais tarde – balbuciei encostando o rosto no travesseiro macio.

Ouvi passos apressados de duas pessoas.

– Já chega de dormir! – exclamou Bell puxando o cobertor.

Fiz uma careta. Ivy abriu as janelas e a brisa fresca entrou pelo quarto fazendo eu me arrepiar encolher no colchão, querendo cobrir o que a camisola de cetim rosa revelava.

Elas estavam querendo morrer para se arriscarem a me acordar desse jeito.

– Levante-se! O príncipe quer se encontrar com você hoje!

Abri um olho. Vi Ivy dobrando as cobertas enquanto Bell balançava de um lado para o outro trocando os pés.

– O que ele quer? – perguntei.

Ouvi um longo suspiro vindo de uma das duas.

– Isso é jeito de falar? – disse Bell com as mãos na cintura e ela continuou chegando mais perto – Ele nos confidenciou, só para nós, para te avisarmos. Pelo visto será um encontro as escondidas.

Reuni toda a coragem que ainda me restava e me sentei na cama. Ivy me dava um sorriso malicioso.

– Avise que não irei, prefiro dormir – falei e me deixei cair na cama.

Rapidamente Ivy e Bell me agarraram e me puxaram para fora da cama.

Leozinho continuava dormindo num sono profundo. O rei não deixou que Lucas se encontrasse comigo oficialmente, então o filho se arriscava fazendo-o mesmo assim, tentei me orgulhar do fato.

O rei não estava no castelo. As outras princesas estavam no centro de treinamento. Levi na biblioteca com Zack. Annie passeava com Dy pelo jardim, ela me deu uma piscadela ao me ver passar em direção aos estábulos. Meu cabelo estava espetado com flores de cerejeira, enquanto o vestido era de um rosa claro coberto por tule, o corset era justo e tinha borboletas desenhadas em um tom mais escuro, não era uma roupa ideal para montaria, mas Ivy se negou a me deixar usar calça e túnica, mas pelo menos estava de botas e o vestido não esbarrava no chão, e era bem prático.

Não encontrei Lucas nos estábulos, porém resolvi esperar e já arrumar a montaria no mesmo cavalo de antes. Peguei uma cenoura e lhe ofereci acariciando o rosto, puxei as rédeas e ele me acompanhou para fora, o cocheiro me deu um leve aceno com a cabeça, apesar do olhar assustado para o cavalo que eu escolhera. Esperei por Lucas enquanto o cavalo comia um pouco de capim fresco. Ele era um grande comilão.

Pouco depois ouvi os passos dele e de eu cavalo, um garanhão castanho, da cor dos cabelos de Lucas, com uma bolsa presa do lado. Ele usava uma túnica menos luxuosa, calças e botas, e dispensou a coroa. Quando ele se aproximou fiz uma reverência. Ele observou de cima a baixo o vestido, os olhos se demorando no corset. Pigarreei duas vezes e ele desviou o olhar

– Aonde vamos?

– É uma surpresa. Mas te garanto que não é para os campos de Algea – ele respondeu sorridente.

Meus olhos se arregalaram levemente. Abri a boca para explicar e fiquei parecendo um peixe fora d'água. Lucas pegou minha mão e em seguida me ajudou a montar. Então não era um encontro romântico, era para me sentenciar, aprisionar em algum lugar obscuro.

– É... como você sabe sobre... – comecei a falar.

– Por favor, eu sou o príncipe, sei de tudo o que acontece no meu reino – ele disse assim que subiu em seu cavalo. Senti seu olhar queimando minhas costas, até que ele tomou a frente e seu cavalo começou a correr devagar. Eu o acompanhei, não muito próxima – Eu tentei saber sobre Leozinho quando ele chegou no castelo, sobre alguma criança desaparecida...

Mantive meu olhar na grama verde adiante. Senti minha respiração pesada, mas ao observar Lucas de esguelha ele estava tranquilo, assoviava durante a viagem. Isso me amedrontou. Será que ele era tão frio?

– Você não está zangado – comentei.

– Você me fez um favor – ele disse.

– Mas você sabia – senti meus olhos arderem – Sabia da existência daquele lugar asqueroso e não fez nada, não é você o príncipe?!

– Eu queria que ser o príncipe me desse o direito de fazer tudo o que eu desejo Selena, mas não é assim... – Ele explicou – Algea não é de conhecimento público, me desculpe esconder isso de você...

Suspirei com o peito apertado. Cavalgamos lado a lado, mas não tive coragem de encará-lo. Não conseguia encontrar palavras para expressar minha chateação, nem sabia porque estava chateada.

– Você já deu um nome ao cavalo? – ele perguntou para quebrar o gelo. Não o encarei.

– Não – respondi, a voz um pouco rouca – Pensei que ele já tivesse um.

Continuei concentrada no horizonte. O olhar feroz.

– Ele não simpatiza com ninguém – ele disse.

Compreendo. Eu também não. Talvez por isso tenha me escolhido como simpatizante.

– O nome dele será Relâmpago – afirmei e acariciei lhe abaixo da orelha – Que tal apostarmos uma corrida? – perguntei olhando Lucas de soslaio.

– E se eu ganhar? O que me dará como prêmio? – ele me desafiou. Olhei para o céu esperando que uma resposta caísse de lá.

– Posso levar café na cama para você durante uma semana – falei.

Lucas gargalhou. Gargalhou tanto até jogar a cabeça para trás e tossir freneticamente. Permaneci quieta ouvindo aquele som tão... incomum.

– Você se acha demais, não sei se considero isso um prêmio – ele disse.

Fuzilei-o com o olhar.

– Então não queira saber o que vou pedir quando eu ganhar – retruquei.

Relâmpago começou a correr, deixando príncipe e seu garanhão para trás. Cavalguei literalmente como um relâmpago, o cabelo e a camada de tule voando. Olhei para trás e Lucas me seguia com determinação feroz, seu olhar parecia me incendiar de longe, mas meu cavalo era muito mais veloz. O céu estava azul, com poucas nuvens, ventava bastante o que indicava que mais tarde a chuva chegaria.

– Não vai me dizer aonde tenho que chegar para ganhar? – gritei por entre o vento. Ouvi apenas a risada de Lucas – Isso não é nem um pouco justo, príncipe!

Enquanto estava distraída provocando Lucas não percebi quando um esquilo cruzou o caminho de Relâmpago, ele chutou o animal para longe e se assustou. Relâmpago empinou e me agarrei as rédeas. O cavalo saiu em disparada.

– Relâmpago, pare! – gritei.

Mas ele estava muito assustado, a única coisa que eu podia fazer era não cair e tentar acalmá-lo.

– Selena – ouvi o príncipe se aproximar.

Relâmpago continuou muito rápido subindo e atravessando elevações, Lucas tentava alcança-lo. Entramos em um bosque, não muito denso, mas o suficiente para se tornar perigoso para se cavalgar em alta velocidade. Avistamos ao longe um tronco que se partiu da árvore e se escorou na árvore da frente formando uma ponte que iria de encontro ao meu pescoço. Com certeza, Relâmpago não pularia e ele não se lembrava que eu estava ali.

Lucas chegou bem perto e estendeu a mão. Olhei para ela e para o tronco a frente e a segurei. Agarrei forte o seu braço e coloquei um pé na pedaleira, depois agarrei sua outra mão e me impulsionei em sua direção. Lucas agarrou minha cintura e consegui passar para o seu cavalo, ele continuou me segurando até que eu recuperasse o equilíbrio e não caísse de costas do outro lado. Ele voltou a segurar as rédeas com as duas mãos, soltando a minha, mas continuei agarrada a seu braço, enquanto minhas costas encostavam levemente no outro.

Observamos Relâmpago passar pelo tronco e continuar a corrida diminuindo aos poucos a velocidade à medida que o terreno se tornou mais elevado. Eu conseguia ouvir as batidas do coração do príncipe de tão próximos que estávamos, também ouvi sua respiração acelerada, quando me encostei nele cada músculo meu se retesou, tentei não olhar para o seu rosto, senti a firmeza dos seus braços e como estava quente mesmo sendo um dia fresco de inverno, senti como se uma corrente elétrica estivesse atravessando meu corpo.

– Relâmpago está parando – falei. Mesmo minha voz tendo saída baixa, Lucas ouviu e cavalgamos até meu cavalo, ele pegou as rédeas dos dois cavalos e as amarrou.

– Ele ainda está assustado para que você o monte novamente – disse Lucas – Mas já estamos chegando.

Cavalgamos mais alguns metros até que começamos uma decida e comecei a ouvir um barulho, mais adiante vi algo brilhando entre as árvores, que, a medida que nos aproximamos se revelou ser um lago de água cristalina. Lucas desceu do cavalo e me ajudou, então amarrou os dois animais em árvores próximas. Tirou algumas cenouras e feno de um bolsa e deu para eles comerem.

Caminhei entre as folhas caídas no chão e olhei para de onde vinha a fonte daquele lago, uma cachoeira que percorria a extensão de uma elevação. O lago era razoavelmente grande e o volume de água que caia da cachoeira fazia com que serenasse ao redor. Bromélias e orquídeas despontavam das pedras e peixes coloridos dançavam nas águas.

– O lago da deusa Selene – falei. Também era o lugar dos meus sonhos e do quadro que eu havia pintado.

– Não sabia que você o conhecia – ele disse enfiando as mãos no bolso e suspirando admirado. Não por mim, pelo lugar.

– Por que não? – retruquei – É tão lindo...

– Bem, geralmente só os mais nobres conhecem todos os nomes de todos os lugares.

– Então acho que sou uma pobre erudita – respondi;

Lucas deu uma risada e seguiu até seu cavalo, desamarrou o saco que carregava ao lado e retirou uma cesta aparentemente pesada de dentro. Ele a colocou no chão e fui ajuda-lo. Ele me entregou uma toalha xadrez, a qual estendi bem perto do lago e fui colocando as coisas que ele me dava em cima, caixas de suco, pacotes de macarons e pão de mel, pedaços de torta de frango. Espero que tenha azeitona. Me sentei ansiosa para comer, enquanto Lucas saiu a procura de algo. Ele voltou com um arranjo de flor, colocou no centro da toalha e se sentou de frente para mim.

– Me impressiona que você tenha conseguido trazer isso tudo – falei.

– Nancy arrumou tudo com muito cuidado – ele disse.

– Quantas pessoas sabem... disso? – falei olhando em volta. – Me refiro a esse "encontro".

– Nancy, Bell, Ivy, minha irmã e o seu amigo. Para os outros estou checando a segurança dos arredores do castelo – ele abriu um suco e despejou um pouco e um copo para mim e depois para ele.

Imaginei o que Dy estaria pensando agora, lembrei da última conversa que tivemos. Não, não estava nada dando errado. Estava tudo tranquilo. Sem sentimentos.

– Pensei que estaria cansado de seus encontros – murmurei.

– E estou. De encontros, acordos políticos, de revoluções, estou cansado de me preocupar.

Lucas suspirou e olhou ao redor. Realmente parecia despreocupado, bondoso e simpático. Comia como se finalmente tivesse tempo para saborear a comida. Me lembrei de quando ouvi o rei espancá-lo e imaginei que não estava mentindo sobre estar cansado.

– Também estou – confessei.

Ele me encarou.

– Eu não sei o que estou fazendo, o que tenho que fazer. Por que tem que existir pessoas boas, pessoas ruins e pessoas que são os dois ao mesmo tempo? E eu... eu sou ruim fazendo o certo contra os bons ou boa fazendo o errado contra os ruins? – perguntei.

– Está se referindo a união libertadora... também não sei como caracterizá-los – ele disse.

Na verdade, eu estava me referindo a mim mesma, mas que bom que Lucas não percebeu. Comecei a comer também até minha barriga não aguentar mais nenhum pedaço de torta ou um pingo de suco. Ficamos deitados na grama por quase uma hora, depois ajudei Lucas a guardar tudo do jeito que estava antes. Os cavalos também se deliciaram com a comida de Nancy, enquanto Lucas terminava de trata-los observei a água cristalina. Foi aqui que Hemera batizou seu filho. O último criador. Será que a cachoeira tinha alguma pista?

Não percebi quando Lucas chegou ao meu lado e com um movimento suave de mãos fez com que um punhado de água me atingisse bem no rosto.

– Mas que merda! – gritei com os olhos fechados e tossindo água.

– Uma dama não pode xingar assim – ele falou sorrindo.

Tirei minhas botas e corri até o lago, sem me importar em molhar a barra do vestido e comecei a jogar água em Lucas.

– Tome de volta! – gritei furiosa, mas ele parou as gotas no ar com um erguer de mãos – Isso não é justo! Por que me trouxe num lugar onde seu poder pode fluir livremente e me deixa indefesa?

– Justamente por isso – ele respondeu dando uma gargalhada, a mesma de antes. Seus olhos estavam mais vivos e intensos, com um brilho de diversão, a íris cor de safira fumegava com o uso do poder. Bufei e corri até ele, agarrei-lhe pelo ombro e atirei-o na água como um saco de batatas, porém ele me agarrou pelo pulso e me arrastou consigo. Soltei um grito.

Os peixes do lago nadavam freneticamente, um entrou no meio do meu corset e Lucas riu enrubescido com a situação. Não consegui me segurar e ri também, ri não, gargalhei, não me lembro da última vez que ouvi o som sair de minhas cordas vocais, nem da primeira.

Quando percebi só eu estava rindo. Lucas apenas me encarava com um sorriso no rosto. Senti minhas bochechas enrubescerem. O mundo pareceu perder o som por um instante pude ouvir meu coração saltitando querendo sair do peito. Lucas se aproximou, água se movimentando em ondas me empurrando levemente para perto dele, até que senti novamente a eletricidade passeando entre nós, e então Lucas me beijou. Segurou minha cintura e deu-me um beijo breve, mas que pareceu durar horas e som era de fogos de artifício. Quando sua boca desgrudou da minha, eu estava prendendo a respiração. Estava com raiva, mas não do que ele fez, de eu ter gostado.

Então joguei-lhe mais água no rosto e rapidamente mergulhei, passei por debaixo da cachoeira e achei o que parecia ser uma entrada entre as rochas. Ouvi o príncipe me chamando. Precisava recuperar o fôlego e raciocinar antes que me encontrasse.

Respirei, estava quente mesmo estando encharcada. Caminhei cuidadosamente entre as pedras que estavam molhadas e escorregadias. Nas pedras do interior da caverna vi o que pareciam ser desenhos raspados nas paredes. Percorri com os dedos o que parecia ser Hemera no lago, a lua brilhando, as mãos na barriga um pouco saliente, uma coroa de raios de sol sobre a cabeça. Lucas apareceu entre a cascata enquanto eu observava as imagens.

– Me desculpe pelo bei...

– Quem poderia ter feito isso? – perguntei interrompendo-o.

Lucas colocou as mãos na cintura. Ele estava encharcado e suas roupas grudavam no corpo.

– Pequenas fadas da floresta, apesar que a maioria vive no Palácio das Nuvens junto de minha mãe.

Lucas se aproximou e avaliou o desenho.

– Minha tia Hemera – ele disse e seu olhar ficou triste – Sinto sua falta.

Com certeza ele não sabe a magia que ela fez, para que o filho de Hemera reencarnasse futuramente no corpo de outra pessoa. Com ela viva, Lucas não seria o príncipe herdeiro, mas algo me diz que ele não se importaria com isso.

– Como ela era? – perguntei.

– Era a pessoa mais bondosa que conheci. Morreu quando eu tinha três anos e antes de minha mãe ser coroada rainha. Tenho poucas lembranças dela, mas a amava como se fosse minha mãe.

Caminhei até ele e toquei de leve o seu ombro. Queria poder-lhe contar tudo o que eu havia descoberto, queria que me ajudasse a desvendar o que aconteceu com sua tia Hemera, mas temi que essa vontade repentina de compartilhar as coisas com ele viesse da pulsação acelerada e do pico de alegria que seu beijo me causou.

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