CAPÍTULO 18 - O QUARTETO PERFEITO

Demorei a dormir na noite passada pensando em quem seria o espião da união libertadora infiltrado no castelo, certamente alguém insignificante o suficiente para passar despercebido. Infelizmente eu não tinha ninguém em mente e essa pessoa poderia atrasar meus planos.

Num piscar de olhos já era dia, meu trabalho não permitia mais atrasos ou familiaridades. Segui até o quarto de Eloise, lhe servi o café e a ajudei a fazer a cama, assim que terminei, alguém bateu a porta. Abri e avistei Ivy.

– Bom dia, Selena, me desculpe incomodar o seu trabalho, mas o rei pediu para avisar que você ficará responsável pela limpeza do centro de treinamento hoje.

– Ah, tudo bem. Já estou indo.

Bufei e fechei a porta.

– Desculpe, ouvi sua conversa, não há problema para mim você ir – disse Eloise com a voz doce.

– Como ele pode querer que eu faça dois trabalhos ao mesmo tempo? – perguntei com as mãos na cintura.

– Bem, você fez uma tremenda bagunça lá ontem – ela observou. Era verdade. É claro que ele queria que eu limpasse. – Eu irei estudar um pouco agora, estou tentando fabricar remédios com minhas plantas.

Me reverenciei e sai do quarto. Fui até a dispensa pegar o que eu precisava, caminhei com meu balde, a vassoura e um pano jogado nos ombros. Ao chegar, observei as armas de batalhas, arcos, bastões, lanças, espadas, punhais, martelos e outras que eu nem sabia o nome. Comecei a limpar tudo. Nos vestiários lavei as toalhas e coloquei-as para secar. Estava uma bagunça por ali também, nem parecia que as princesas tinham tido aulas de etiqueta na vida. Por sorte estava frio, o que diminuía o meu cansaço. Meu avental havia molhado um pouco. Limpei apenas os blocos mais usados e organizei e amolei todas as armas, varri, lavei e sequei o chão, segui para os bancos quando comecei a ouvir vozes. Margot entrou no meu caminho.

– Ora, ora, voltou ao seu verdadeiro posto – disse ela.

Usava um batom vermelho combinando com o macacão e os cabelos estavam soltos e ondulados, seu olhar frio me fuzilava. Revirei os olhos. Como ela conseguia ser tão insuportável? Outras princesas chegavam e observavam à cena. As acompanhantes como Bell, também.

– O que foi? Está com medo de me retrucar? – ela perguntou sorrindo.

Soltei uma risada presunçosa.

– Eu? Com medo? De você? Nunca!

Ela chegou mais perto e me encarou. Era poucos centímetros mais alta que eu.

– Por que você não volta para junto dos pobres já que eles gostam tanto de você? Por que não volta para o seu chiqueiro ao invés de ficar sujando nosso castelo de lama?

Senti meu punhos se cerrarem e minhas unhas adentrarem a palma da minha mão, não pensei duas vezes antes de bater com o balde em seu rosto com toda força, mas algo aconteceu, o balde parou no ar. Marie controlou o balde pela sua alça de metal e fez com que ele parasse e fosse em direção a sua mão antes de acertar o rosto da amiga.

– Peguem ela. – o comando de Margot foi uma ordem direta e feroz.

– Margot, pare já com isso – disse a princesa glacial, Despina – Vamos treinar.

Me admirei por elas não estarem tentando matar umas as outras.

– Eu disse peguem ela! – repetiu Margot pausadamente e com mais fervor.

Três princesas começaram a caminhar até mim, Débora, Marie e Bárbara, com uma expressão vitoriosa nos rostos. Margot se afastou, larguei a vassoura e o pano e comecei a correr. Senti lâminas de metal passando por mim, corri para as armas e peguei um escudo. Que ótimo nunca tinha usado isso antes, tão pouco sabia como lutar e se proteger com um escuro material. Elas continuaram caminhando com uma suavidade letal em minha direção, elas não pareciam ser boas em batalha corporal, então vamos lá, vou derrotar uma por uma, mas sem estragar demais seus rostos reais.

Bárbara era a mais idiota, possui um poder que muitos consideram o mais perigoso, mas com o bloqueio certo não serve para nada, e por sorte meu pai me ensinou a bloquear totalmente minha mente envolta de sombra e escuridão. Ela nada podia fazer se não entrar na minha mente e se deparar com o breu, com isso já era carta fora do baralho. Posicionei meu escudo, tomei impulso e corri até ela.

– Entre na mente dela agora! – gritou Margot.

Bárbara concentrava seu olhar em mim, mas minha mente estava sã e protegida, obscura pelas mais densas sombras.

– Não consigo – ouvi ela dizer antes de me jogar contra ela com o escudo.

Ela caiu no chão. Me levantei rapidamente e joguei o objeto em Marie, ela o desviou, pois continha metal e o escudo se chocou contra algumas armas que eu havia acabado de arrumar. Não posso usar o arco pois Débora pode controlar as flechas, fui até as armas caídas.

– Oh, olhem o que vocês me fizeram, eu acabei de arrumar isso – falei em um tom sarcástico.

Peguei um bastão e corri até a telepática. Ela parecia estar disposta a me testar, nunca a vi acompanhando Margot. Ela puxou o bastão para si com seu poder, hm, péssima escolha querida. Parti com tudo junto com o bastão, ela não esperava por isso, quando o bastão chegou até ela e o agarrou, acertei um chute em sua barriga ao usá-la como impulso para trás. Esse é o ponto fraco dos iluminados reais acham que se possuem poder, possuem tudo. Estão errados, completamente errados. Coloquei mais força no punho com esses pensamentos tão egocêntricos e puxei o bastão comigo. Débora caiu de bunda no chão.

Imediatamente me virei e lancei o bastão em Marie, que fez surgir uma lâmina que partiu o bastão em dois. Certo, vejamos o que posso fazer com um... arco e flecha de madeira petrificada. Dy era melhor nisso do que eu. Lamentei não poder usar nenhum metal, pois queria experimentar uma espada. Marie preparou mais de suas lâminas, então retirei da aljava vária flechas de acordo com o número de lâminas e posicionei no arco. Marie parecia imponente, mas só parecia mesmo, eu só precisava ajeitar a postura e mirar. Ela me desafiava, queria ver se eu acertaria em cheio suas lâminas e as lançou. Soltei as flechas e elas voaram num assobio rápido, se chocaram, se fundiram com as lâminas e caíram no chão, Marie continuou lançando, eu tirava uma flecha da aljava e a soltava, num ritmo constante, à medida que me aproximava dela, pude ver que já estava cansada e irritada, aproveitei a chance e lhe dei um golpe no queixo com a palheta superior do arco. E ela caiu com as mãos espalmada no chão. Bingo!

– Muito bem, quem é a próxima? – perguntei de frente para todos.

Todas me olhavam, Camila e Alice sorriam disfarçadamente, Débora estava impressionada assim como Bell e Ivy, Morgana havia acabado de chegar e tentava entender o que aconteceu. Margot estava furiosa, claro, e quase deixava transparecer. Alguém ao longe bateu palmas, todas se viraram e fizeram uma reverência. Lucas caminhava até nós com uma expressão satisfeita no rosto.

– Precisa treinar melhor suas princesas, alteza – falei encarando-lhe.

– Realmente, não sou um bom professor – admitiu ele – eu adoraria ficar vendo você lutar com as outras, mas acho que precisamos treinar.

Coloquei o cabelo atrás da orelha e enxuguei o rosto com a manga do vestido.

– Mas é claro, alteza – falei e me reverenciei – Vou arrumar essa bagunça. Já me diverti o suficiente por hoje.

Lucas reuniu as princesas. Margot o seguiu com a expressão séria, mas mantinha os punhos cerrados. Marie e Bárbara se levantaram e a seguiram. Coloquei as armas caídas de volta no lugar e juntei os cacos de madeira do chão. Durante a tarde, Eloise apareceu no centro de treinamento e a acompanhei. Aproveitei e levei um lanche para Bell e Eloise, se ela quisesse. Me sentei junto a elas, enquanto Eloise se juntava ao treinamento. Peguei um sanduíche de frango e mordi.

– Estou exausta – falei – e faminta.

– Você teve uma manhã... agitada. Margot vai querer se vingar – disse Bell.

– Cão que ladra não morde – expliquei e as duas riram e eu as acompanhei após brindarmos nossos sanduíches.

Fazia tempo que eu não me sentia eu mesma, sem me importar com a minha missão e a realeza, fazendo o que meu instinto mandava e ele me dizia que aquelas pessoas não podiam fazer com os outros o que bem entenderem. Quando terminei de comer, vi Leozinho correndo até mim, quando chegou me deu um abraço forte, inspirei o cheiro de seu cabelo... cheiro de terra molhada e brisa da manhã.

– O que foi querido? – eu perguntei, pois ele parecia eufórico.

– Tio Dy está aqui – respondeu ele baixinho.

Senti meu coração disparar. Perguntei se ele tinha certeza e ele afirmou balançando a cabeça freneticamente.

– Ele é o novo guarda da tia Annie, mas me disse que ninguém pode saber que somos amigos – explicou ele tentando verificar se foi isso mesmo que ele ouviu. Leozinho olhou para o sanduíche inacabado de Bell e ela lhe deu. Observei que as princesas estavam entretidas com a conversa com Lucas.

– Você acha que a mudança súbita nas atitudes da princesa foi por causa de Dylan? – perguntou Bell.

– Não – respondi – ela já estava diferente antes de eu mencionar a situação de Dylan, foi depois daquele primeiro ataque. Mas confesso que não estou preocupada com isso. Annie me fez um favor que eu não imaginaria que faria. Eu já nem lamento mais de ter perdido meu posto.

Como era arriscado nos encontrarmos, cochichei no ouvido de Leozinho uma mensagem para Dy.

***

Enquanto todos dormiam fui para a biblioteca com um roupão, minha bolsa de ombro e os pés descalços para não fazer barulho. Quando cheguei abri lentamente a porta e a tranquei depois. Uma luz incandescente vinha dos fundos da biblioteca, na última fileira, me segurei para não correr, caminhei até lá. Avistei Dy encostado contra a parede, me contive para não o abraçar e o impedir de fazer o mesmo. Ele me questionou o porque e tirei duas garrafas de vinho e quatro taças de dentro da minha bolsa e coloquei na pequena mesa diante nós.

– Você pirou, Selena? – sussurrou Zack.

Bell riu a expressão atordoada que ele fez.

Então abracei Dy sem rodeios, feliz por ele estar a salvo do seu destino terrível. Foi um abraço diferente dos outros, não foi abraço de despedida, nem de saudade. Foi um abraço de alívio, pois ele estava seguro agora, não iria passar fome nem frio e o mais importante, ele estava perto de mim. Era como se agora tudo tivesse ficado mais fácil. Quando me olhou nos olhos, suas mãos tocaram meu rosto como se tivesse verificando se eu estava mesmo ali. Zack deu uma tossida fingida para lembrar que ele e Bell estavam ali também.

– Você não desiste mesmo – falou Dy.

– É bom ver você também – disse dando-lhe um soco no braço.

Ele riu e nos sentamos com os outros.

– Eu achei que devíamos comemorar – comecei explicando.

– Comemorar o que? Estamos a beira de uma guerra – retrucou Zack.

Bell balançou a cabeça. Não aguentávamos o pessimismo lógico de Zack. Fui logo abrindo uma garrafa de vinho e servi a todos. Bebemos a primeira rodada.

– Melhor? – perguntei a Zack. Ele balançou a cabeça – Bem, hoje eu derrubei três iluminadas de uma vez só, não foi Bell?

– Você deve ter bebido uma garrafa dessa sozinha escondida no seu quarto – comentou Dylan sorrindo. Ele duvidava de mim.

– Não, ela fala sério – concordou Bell – foi brilhante.

Então esse feito merecia mais uma rodada de vinho. Dessa vez Dy nos serviu.

– Dylan está trabalhando no castelo, apesar que não sei porque a princesa decidiu contratá-lo, mas agora ele está longe de guerra – falei.

Todos concordamos que isso merecia mais vinho.

– Dylan pode nos manter informados do que acontece na realeza e eu também – lembrou Bell – isso também é motivo para comemorar.

Então ela abriu a outra garrafa e nos serviu mais vinho.

O clima na biblioteca estava super agradável, pouca luz e silencioso, o ambiente perfeito para estar com os amigos. Todos olhamos para Zack. Era a vez dele.

– Bem, – ele começou – como esperto que sou vou fazer o possível para desvendar os segredos da união libertadora – ele foi nos servindo e continuou – nada passará despercebido pelo nosso quarteto perfeito.

E viramos mais uma taça.

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