CAPÍTULO 17 - ENCONTRE SEU PODER
Senti meu corpo gelar e me virei rapidamente para trás, preparada para precisar matar quem fosse. Lá estava Levi atrás da mesa do escritório de frente a uma janela que dava ao bosque, numa túnica que parecia azul com estrelas douradas, sem o habitual chapéu pontudo, o que mostrada o punhado de cabelos brancos e longos, uma vela de cima da escrivaninha iluminava o lugar.
– Ah, Levi, me des...
– O que pensa que está fazendo, senhorita? – ele tornou a perguntar me interrompendo. Permaneci em silêncio – Estava espionando o rei?
– Não! – retruquei o mais baixo possível – Eu só tive uma sensação ruim.
O mago ergueu uma sobrancelha, claro que isso não o convenceu. Me aproximei e me sentei na cadeira a minha frente, eu precisava muito mais que dissimular, eu precisava ser sincera. O mago se sentou também e esperou que eu me explicasse.
– Eu percebi que Lu... o príncipe Lucas estava distante na votação presencial, o rei parecia furioso, então resolvi saber o que houve, fui até seu quarto, bati na porta e ninguém abriu, então vim até aqui...
– E você pretendia bater a porta do rei, esperar que ele abrisse e te dissesse onde estava o príncipe? – perguntou novamente me interrompendo. Abaixei a cabeça – Então estava espiando.
– Eu apenas o esperava encontrar, mas não esperava incomodar, como eu disse eu fiquei preocupada.
– E tinha razão? – Levi juntou as mãos sobre a escrivaninha.
– O rei estava batendo no príncipe – revelei.
– Selena, não devemos nos meter nos assuntos reais – disse ele calmamente.
Juntei as sobrancelhas. Isso era um absurdo.
– Você concorda com isso? – perguntei cuspindo as palavras.
– Não, mas não há muito o que fazer, não enquanto Anelin estiver no topo – respondei. Observei-o como se fosse um desconhecido. Ele estava certo para uma pessoa errada. – Sugiro que vá dormir agora. Esquecerei que esteve aqui e... cuidarei do príncipe.
Algo me dizia para confiar em Levi, no mago mais poderoso de Anelin, meu inimigo, a pedra no meu sapato, aquele que poderia me matar com a mais simples das suas magias. Acenei com a cabeça encarando seus olhos que me encaravam de volta por cima dos óculos redondos. Nada podia ser feito enquanto Anelin estivesse no topo, então tenho que tirar sua coroa.
***
Acordei de sobressalto, pela primeira vez estava atrasada. Arrumei minha cama, vesti um vestido, arrumei o cabelo em um rabo de cavalo alto e calcei as sapatilhas. Uma bandeja de torradas estava em cima da mesa de cabeceira. Provavelmente Leozinho trouxe para mim, mas esqueceu de me acordar. Comi rapidamente e segui até o quarto de Annie. Entrei me esquecendo de bater.
– Me desculpe pelo atraso, vossa alteza – fui logo dizendo.
Ela estava no quarto com um macacão azul claro e detalhes dourados, uma ota da mesma cor e tentava amarrar o cabelo volumoso.
– Tudo bem, Selena, está desculpada. Agora, me ajude a amarrar esse cabelo estúpido, sim?
Ela se sentou em frente a penteadeira e comecei a lhe pentear.
– Para que isso, alteza? – perguntei observando seu sorriso no espelho.
– Decidi treinar meus poderes – ela respondeu – Nunca se sabe quando vou ter que usá-los novamente. Creio que logo.
Sua resposta me fez lembrar de Dylan a mercê da guerra. Enquanto arrumava o cabelo da princesa, pensei em um jeito de salvá-lo.
– Vossa alteza nunca pensou em ter um guarda costas? – perguntei subitamente.
– Quer que aquele seu amigo seja meu guarda-costas? – ela disse me encarando no espelho.
Senti minhas bochechas ruborizarem.
– Só não quero que ele enfiado numa trincheira, só isso.
Fiz um rabo de cavalo como o meu. Annie sorriu e se levantou. Pegou algumas toalhas no guarda-roupa e me entregou.
– Vamos treinar!
Ela saiu decidida pelos corredores, aconteceu algo diferente, nunca agiu assim enquanto eu estava aqui. Segui logo atrás dela segurando as toalhas. Ela passava cumprimentando as criadas pelo nome. Caminhamos pelo jardim dos fundos, um dos guardas abriu as portas do galpão para nós. Todas as outras princesas estavam lá, cada um com um macacão diferente, elas olharam para a princesa caminhando até elas, umas tentavam disfarçar o sorriso esnobe, como Margot.
– Olá, meninas – disse a princesa colocando as mãos na cintura.
Elas se reverenciaram, finalmente. Lucas, ao ouvir a voz da irmã, interrompeu seu treinamento e veio até nós. Ele estava suado e seu cabelo grudada no rosto.
– Nem venha me dizer que não posso – disse Annie erguendo a mão assim que o príncipe abriu a boca.
Observei que seu rosto não tinha nenhum hematoma. Isso deve ter sido obra de Levi.
– Setor 12 – ele disse a irmã.
Apesar de estar atrás dela, consegui imaginá-la sorrindo. Não sei o que aconteceu com a antiga Annie, mas gosto mais dessa.
– Vamos, Selena! – Annie ordenou e eu a segui.
Margot me lançou um olhar congelante quando passei por ela. Será que ela já sabia sobre a princesa misteriosa? Chegamos ao setor 12, ouvi a princesa respirar fundo. Coloquei a mão em seu ombro a encorajando, depois me sentei no chão.
– O que está fazendo? – ela perguntou.
Meu pai havia me ensinado que antes de tentarmos controlar nossos poderes, primeiro era preciso nos conectarmos com eles. Mas também li livros na biblioteca sobre.
– Li num livro que através da meditação você pode se conectar com seu poder para quando for usá-lo ele não desaparecer – respondi.
Ela se sentou de frente para mim e fechou os olhos assim como eu.
– Tente relaxar e quando ver algo, me diga. Tente comandar seus pensamentos, alteza. – Repeti as mesmas palavras que um dia meu pai me dissera.
Aproveitei a concentração para espionar Margot e sua amigas através da conjuração de sombras ocultas. Consegui ouvir primeiro suas vozes, depois a imagem foi surgindo em minha mente.
– O que aquelas bobas estão fazendo? – perguntou Marie.
– Com certeza algo muito tosco – respondeu Margot. E em seguida elas riram, juntamente com Bárbara.
Consegui visualizá-las perto das lanças. Acidentalmente minhas sombras esbarraram nelas e fizeram com que caíssem em cima das três princesas. Não precisei para ouvir seus gritos e palavrões. Disfarcei um sorriso.
– Selena, estou vendo – disse a Annie de repente.
Me concentrei novamente.
– O que você vê? – perguntei.
– O mar – ela respondeu.
– Entre na água e não saia por nada ouviu? – eu a ordenei – Imagino que será difícil e angustiante, tem que se mostrar confiante mostrar que é forte o suficiente para obter tanto poder.
Ela permaneceu em silêncio e tentei ver o que acontecia dentro da sua mente. Annie caminhava até o mar, ela estava ansiosa, mas precisava se acalmar. Infelizmente eu não podia fazer nada mais para ajudá-la, qualquer interferência causaria uma catástrofe. Agora era só ela e o seu poder.
Quando a água já batia na altura da sua barriga, Annie foi puxada para dentro d'água. A princesa estava submersa e olhava de um lado para o outro, ela tentou voltar à superfície, mas a água continuou puxando-a. Seus olhos estavam muito abertos e a água entrava pela sua boca, apoderando-se de sua alma. Ela começou a se debater tentando respirar. Resista mais um pouco, princesa, resista.
Ouvimos um estrondo ao longe, seguido de outros. O poder dela começava a se descontrolar de novo, ela não estava aguentando. As princesas que estavam no treinamento chamavam-na assustadas. Só mais um pouco..., mas Annie estava gritando e bolhas saiam da sua boca. Enquanto isso, continuei ouvindo muito barulho, de um tsunami inundando tudo, carregando casas, carros e pessoas.
– Selena! – ouvi Lucas urrando o meu nome.
Senti alguém me empurrando violentamente para o lado.
– Pare já com isso sua idiota! – disse Margot.
Abri os olhos assim que meu corpo encontrou o chão. Margot tinha acordado Annie que estava suando e respirando rápido. Senti uma mão segurando meu braço e me forçando a levantar. Lucas me arrastou para fora do centro de treinamento que se encontrava totalmente molhado e com pedras de gelo espalhadas para todo canto. Ele passou a mão pelos cabelos e pude ver um curativo na sua testa.
– Está ficando louca? – ele me perguntou.
– E-eu só queria ajudar ela a controlar os poderes – respondi – ela teria conseguido se você não tivesse intervindo.
Ele me fuzilou com o olhar, incrédulo ao que eu disse.
– Se eu não tivesse intervindo, ela estaria morta, e provavelmente você, ou todos. Não se usa esse tipo de técnica há anos, ninguém mais sobrevive a uma conexão espiritual com seu poder para poder nos contar como foi. Não quero nem saber como foi que você aprendeu sobre isso – ele falou andando de um lado para o outro. Apenas observei. Também estava fraca por ter usado meus poderes, para espionar e para ajudar Annie – Os poderes de minha irmã são muito fortes, mais que os meus, e são perigosos, pois são independentes, ela não consegue controlar. Enquanto ela quase morria, água jorrou dos encanamentos e nos atacou, Alice, Despina, Camila, Eloise e eu tivemos de nos esforçar para proteger todo mundo.
Não havia como contrariar o príncipe. Consegui sentir o quanto ele se preocupava coma irmã, ela era muito importante, talvez sua única família, já que sua vivia no Palácio das Nuvens e o pai o agredia.
– Me desculpe, alteza. Isso nunca mais acontecerá, eu renego meu cargo de dama de companhia – falei.
Ele arqueou uma das sobrancelhas. E olhou para a irmã já consciente.
– Não precisa ser tão drástica, Annie não gostaria que isso acontecesse – ele disse.
– Eu quase matei sua irmã, você ficou furioso, e agora está... me impedindo de assumir as consequências do meu erro – falei.
Eu estava me sentindo culpada, quase a mesma culpa de quando matei aquele iluminado na batalha, provavelmente o rei saberá do ocorrido, terei que ir embora de um jeito ou de outro
– Darei um jeito nisso – ele afirmou decidido.
– Não há motivos para que eu fique – insisti.
– Há sim, eu não quero que você deixe o castelo – o príncipe finalizou e voltou para junto da irmã. Me deixando sozinha observando-o.
***
Depois do meu almoço na companhia de Bell e Zack passei o resto da tarde no meu quarto. Contei a eles do ocorrido no centro de treinamento, Zack ficou perplexo e me perguntou se eu estava maluca, como fez Lucas, ainda disse que vai monitorar minhas próximas leituras. Bell apenas me olhou com piedade. Estava deitada olhando para o teto quando alguém bateu a porta. Me levantei com um suspiro e abri.
– Podemos conversar?
– Claro, alteza – respondi abrindo mais a porta.
Annie entrou observando meu pequeno quarto. Ela estava com os cabelos soltos e já tinha trocado o macacão por um vestido azul de alcinhas. Me sentei na cama e a convidei para sentar também.
– E-eu já ia fazer minhas malas, me desculpe, Annie – falei me adiantando.
– Esqueça isso, Selena – ela me repreendeu – A culpa não foi sua. Eu fui fraca demais, mas você estava certa, eu senti meu poder como nunca havia sentido antes, mas também senti muita dor.
Lembrei-me de quando fazia minhas conexões aos seis anos de idade, sentia toda minha pele ardendo como se água fervente estivesse sendo despejada em mim, meu pai me encorajava a continuar. Muitas vezes eu não aguentava, desmaiava e meu pai me carregava para a cama, mas depois de dois anos, consegui. Não sabia que poderia ter morrido tentando.
– Mas eu me sinto culpada, e acho que seu pai deve estar querendo me matar.
– Ele não sabe do acontecido, mas depois de muito tempo pensando, eu tomei uma decisão. Eu acho que isso vai te ajudar já que meu pai... bem, ele não gosta muito de você – ela disse apertando os dedos. Com certeza, ela se refere a princesa misteriosa – Então te demiti do seu posto de minha dama de companhia, mas vai continuar trabalhando aqui. A dama de Eloise, Dana, pegou uma pneumonia e vai ficar em casa uns dias.
Fiquei feliz e triste com a notícia. Não sair do castelo significaria não ter que começar do zero, mas eu gostava das minhas conversas com Annie.
– E minhas aulas? – perguntei.
– Continuará tendo-as, se assim desejar. Vou contratar outra pessoa para trabalhar para mim – ela finalizou e se levantou.
– Alteza, como seu pai reagiu?
– Ele ficou satisfeito, mas não tanto quanto pensei, mas espero que seu novo posto traga menos problemas para você – ela deu um sorriso e se retirou.
***
Jantei com Bell e Zack na cozinha, assim que sai do quarto de Eloise, ela era a mais nova das candidatas, parecia muito meiga e tímida, presumi que os pais a tivesse forçado a participar, vendendo a filha como um pedaço de carne. Seu quarto parecia uma floresta, as paredes eram cobertas de musgo verde vivo e hera por todo lado, também haviam flores e plantas que eu nunca havia visto, o chão era grama macia, e ela me deixou tirar os sapatos para experimentar a sensação. E era muito boa. A vegetação deixava o quarto arejado e refrescante.
– Pelo menos Eloise é bem simples e me tratou bem – falei – Não suportaria se você ficasse doente – completei baixinho só para Bell.
Ela deu uma risadinha.
– Posso pensar em pegar um resfriado quando Dana voltar.
– Eu ainda não acredito no que você fez, a meditação é uma arte complexa – disse Zack. Dei de ombros – Para você ter uma ideia, nem todos os criadores a dominavam. Ficavam isolados nas montanhas mais altas por dias, semanas, anos. Isso se não quisessem métodos dolorosos.
Ah sim, aprendi pela dor mesmo, mas o que isso importa? Pelo menos consegui.
Estávamos sentados numa mesa de madeira num canto do refeitório dos guardas e criados comendo arroz, purê e frango que sobrou do jantar real. Fiquei imaginando o que mais de bom tinha naquela grande mesa. Será que o rei estava feliz? Será que o príncipe ainda estava chateado? E Annie, estava sentindo minha falta? Margot com certeza estava vibrando de alegria.
– Achei a decisão da princesa muito sábia, você não vai mais se encontrar tanto com o rei Carlos IV – disse Bell. Continuei comendo em silêncio.
– O que será que decidiram em relação a princesa misteriosa, hein? Zack perguntou e deu-me uma piscadinha. Argh, por que isso pareceu atraente? De repente o purê pareceu-me meio borrachudo. Mas foi bom saber que trouxe uma figura misteriosa à tona e mais problemas aos patetas da realeza. Terminei o jantar na marra.
Minutos depois Ivy entrou apressada na cozinha, veio até nós e se sentou.
– O que aconteceu? – perguntou Bell.
Ela parecia eufórica, e nos contou o que ouviu de uma das princesas a quem estava servindo o jantar, Camila.
– Eles sabem – começou ela e todos a encaramos. – A união libertadora sabe de uma princesa misteriosa que foi eleita pela maioria do povo na votação presencial e que o rei omitiu o resultado. Eles distribuíram jornais por várias cidades de todos os treze reinos. Como ficaram sabendo???
– Temos espiões no castelo – respondi.
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