Um cantinho especial no coração
Contei para Elena tudo que estava acontecendo. A primeiro momento ela ficou estática, sem demonstrar alguma reação, mas de repente surtou e em um impulso ameaçou arrancar à força o Neural Aceptor para tirar Hana daquela prisão, mas eu intervi.
— Não faça isso! A não ser que você queria deixar a Hana tetraplégica!
Elena se conteve ao me ouvir falar. O contador de vinte segundos não era para encher linguiça, ele servia para aos poucos desativar as funções até estar totalmente desconectado, somente então que pode ser removido, logo sair se torna possível.
Havia inúmeras consequências e avisos de segurança para não removê-lo durante o uso. Mães que não entenderam a seriedade daquilo removeram no inicio das vendas e condenaram seus filhos. Alguns perderam a sensibilidade de metade do rosto ou algum tipo de retardo, outros o controle de algum membro e, no pior dos casos, tetraplegia. Não chegava a matar alguém, mas a morte era um destino melhor do que perder o movimento de todo o corpo.
Elena no fundo sabia de todas as consequências, por isso precisava se controlar. Seu maior medo era perder aquela pequena menina que tanto gostava, era seu maior conforto. A mulher não se tornara babá à toa, por mais que tivesse seu jeito assustador de lidar com pessoas ruins ou desconhecidos, ela não se dava mais bem com isso, não desde o dia que teve que matar aquele traficante.
Estava longe de ser a primeira vida que ela retirou, mas diferente do habitual onde o alvo morre sem que ela presenciasse, foi a primeira vez que ela viu em primeira mão, ainda mais de uma forma tão violenta.
O poder letal de um único projetil 7.62 é imenso, se acertar a cabeça é fim de jogo para sempre, independente do que estiver usando. Por isso muito se temia o poder de um FAL, uma arma demoníaca, uma arma de guerra.
Elena sabia perfeitamente o poder do fuzil que carregava em suas mãos, ela foi era preparada para qualquer coisa, treinada para lidar com uma crise, estar em uma troca de tiros e ouvir a explosão da pólvora nas câmaras sem tremer de medo, mas o peso de saber que você pintou as paredes com a massa encefálica de alguém era terrível. Olhar para aquela cena, aquele corpo desfalecido no canto da parede com a maior parte da cabeça aberta, ver suas mãos e farda sujas daquela massa cinza que voou até você, ver a fumaça saindo do quebra-chamas do fuzil e ter a certeza que você fez aquela lambança, que acabou de executar alguém cuja a morte aconteceu antes mesmo de ouvir o som do disparo.
Mas Elena nunca se culpou por algo que tenha feito, principalmente pelo fato de sempre ser uma resposta a um perigo eminente. Ainda assim sua psicoterapeuta recomendou que ela se afastasse um pouco das operações por tempo indeterminado. De inicio Elena não concordou, mas aos poucos foi cedendo ao perceber a frieza que estava banhando o seu corpo. Cansara de se olhar no espelho e ver um olhar frio e sem vida. Encarar um demônio em seu reflexo e simplesmente não saber como mascará-lo.
Sem poder colocar sua farda e entrar em uma viatura, não havia muito o que poderia distrair a mente de Elena. Precisava de algo para ocupar seu tempo, então rodou pela internet procurando alguma vaga de emprego para qualquer coisa que fosse ocupar muito de seu tempo, mas no fim apenas encontrou uma vaga para babá.
Ser babá era uma de suas últimas opções possíveis, não por ter algo contra crianças, longe disso, pois ela amava aqueles serezinhos puros, mas porque crianças tinham medo dela. Muitos bebês começavam a chorar só de ser pegos no colo de Elena, os filhos de seus familiares não gostavam nem de olhar na sua face fria, mesmo que Elena se forçasse a mostrar um sorriso.
Por isso na primeira vez que pisou naquela casa ela teve muito receio, um medo grande de aquela criança que teria que cuidar entrasse em uma crise de choro por estar perto dela. Mal sabia o quão enganada estava, pois quando aquele portão se abriu pela primeira vez, e a menininha veio vê-la, não houve um grito ou um choro. Hana olhou bem em seus olhos sem vida e sorriu... sorriu com toda felicidade do mundo.
Passar os dias naquela casa se tornou maravilhoso. Hana era uma menina muito elétrica e eloquente. Conversavam muito sobre tudo, seja na sala, ou no quarto, ou em uma das "noites das meninas".
Brincavam de casinha, ou montavam historinhas com bonecos, ou até mesmo saíam correndo uma atrás da outra pela extensão da casa.
Quanto mais tempo se passava mais Elena queria estar presente na vida de Hana. Em algum momento seus sorriso forçados passaram a ser espontâneos, seus olhos sem vida voltaram a ter algum brilho e em seu reflexo já não encontrava um demônio assassino olhando de volta... apenas uma mulher querendo dar o seu melhor para cuidar de um pequeno ser querido.
E agora estava prestes a ver aquela menina que conquistou um cantinho único em seu coração podendo nunca acordar. Ela não permitiria de forma alguma isso acontecer, não deveria.
Elena segurou meus braços, forçando-os contra minhas costelas, mesmo que sem querer por causa do desespero.
— Por favor me diz que tem algo que eu possa fazer! Por favor!
Eu olhei para ela por alguns segundos, abrindo a boca na procura de algo para dizer, mas nenhuma palavra que reforçasse alguma esperança poderia sair.
— Eu não sei... não tem como você participar com uma conta de nível um, mesmo que tentássemos... você não conseguiria ficar em um campo de batalha com esse nível.
— Não tem como entrar na conta da Hana? Eu entrar no lugar dela?
Eu balancei a cabeça e isso fez Elena tapar a boca com a mão. Ela caiu de joelhos após perder a força das pernas com sua mão abafando os lamentos de desespero. Suas lágrimas caíram como uma enxurrada.
— Se ao menos houvesse outra conta... — falei baixo para mim mesmo. Não queria perder Hana de forma alguma. Ela também era meu suporte, eu precisava dela. Tentei pensar em algum jeito de conseguir alguma conta, talvez comprando... mas isso demoraria...
Depois de alguns minutos tentando raciocinar eu finamente me toquei de algo que ainda não havia percebido. Talvez houvesse uma esperança. Elena viu quando minha expressão mudou e se levantou, ainda em lágrimas, para ver o que eu iria fazer.
Já fazia muito tempo, talvez não houvesse resposta, mas eu precisava tentar. Eu peguei mais uma vez o Neural Aceptor, entrei dentro do jogo e abri a lista de amizade. Então pesquisei um nome "Chloé". A conta estava ativa, mas também não havia sido acessada há meses.
Eu fiz uma solicitação de amizade vinculada a uma mensagem "Não tenho tempo para explicar. Sou DeathKiller, você é casada com um jogador que era chamado Glave, nós sofremos uma emboscada e perdemos, Glave teve sua conta tomada e vocês nunca mais logaram. Preciso de falar com você com urgência, por favor!"
Rezei para que houvesse algum retorno e saí do jogo. Se ela aceitasse bastaria meu celular.
Eu e Elena esperamos por algumas horas até que uma mensagem chegou ao meu celular. Eu não perdi um segundo para verificar, era Chloé.
"Vá para este café, não sei o que está acontecendo, mas confio em você, DeathKiller."
Era a localização de um café. Como eu e Elena estávamos desesperados, não perdemos um segundo para ir até o local. A militar apenas pegou uma moto e me levou de garupa até o estabelecimento.
Desmontamos apressados e corremos até a frente do estabelecimento. Um local simples, havia duas ou três mesas do lado de fora. Mas em uma das mesas estava quem esperávamos. Uma mulher alta de cabelos curtos ao lado de um carrinho de bebê e um homem baixinho. Com era a única mesa ocupada e no meu celular tinha uma notificação de "estamos no local" deduzimos que eram eles.
E no momento que nos aproximamos o suficiente da mesa, Elena olhou incrédula para eles, pois os reconheceu:
— Luana e Gustavo? São vocês?
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