Preocupação

No outro dia voltei a logar com Hana. Eu estava animado para derrotar monstros com ela. Ainda mais depois de uma noite como aquela.

Quando eu vi ela, senti meu coração acelerar mais uma vez. Aqueles lindos fios verdes balançando ao ar com os olhos de esmeralda que mexiam comigo de um jeito extraordinário, mas havia algo estranho. Ela parecia um pouco abatida, com um olhar cansado, muito diferente do alto astral que ela se encontrava normalmente.

Cheguei a perguntar se estava tudo bem, nem mesmo correndo ela estava, como fazia sempre. Ela andava em pequenas passadas ao meu lado e isso foi muito estranho, pois eu estava acostumado em vê-la disparando em minha frente enquanto ria feliz. Tudo que ela me disse era que tinha tido uma noite ruim de sono e que teria sido melhor se tivesse dormido abraçada comigo.

Eu ri e assenti, mas fiquei atento para qualquer coisa.

Hoje faremos um evento que foi adicionado recentemente. Era o confronto dos Cangurus Aprendiz. Consistia em um grande campo cheio de monstros denominados "Canguru Aprendiz". E a cada três minutos havia a chance de aparecer um "Canguru Mestre Boxeador" que era o subchefe do evento. As recompensas eram boas então valia a pena gastar algumas horas matando esses bichos.

Não deixei de manter minha atenção em Hana eu percebi que ela não estava tão focada quanto nos outros dias. Ela havia errado a maioria dos tempos das habilidades e não estava me curando no momento certo. Se fosse qualquer outra pessoa eu com certeza reclamaria pela falta de atenção, mas com Hana eu ficava mais manso, mesmo que quisesse eu não conseguia ficar genuinamente irritado com ela.

— Hana, está tudo bem mesmo? Se não estiver nós voltamos para pousada, não tem problema perder um evento — Falei após derrotar mais um Canguru Aprendiz, uma pequena vibração surgiu no solo.

— Tá tudo bem mesmo, é sério.

Eu suspirei e dei passos para me aproximar dela. Estava com as mãos unidas na frente da cintura, mantendo o cajado apoiado na dobra do braço, um pouco retraída. Minha mão tocou cobrindo parte da lateral de seu rosto e ela esfregou sua bocheca em minha mão, sentindo sua textura, de olhos fechados.

— Tô vendo que você está abatida, o que aconteceu?

— É que... — Os olhos verdes desviaram por um segundo — Eu tive problema com um ex-amigo abusivo, mas eu vou ficar bem.

Eu confirmei com a cabeça, mas não poderia continuar com a Hana daquele jeito, não estava fazendo bem para ela se forçar, dane-se o evento, eu só queria que ela ficasse bem.

— Tá bom, mas vamos voltar para pousada, ok? Não quero que você exagere, não precisava logar se estiver mal, eu entenderia.

— Não é isso, é que... — Ela levantou as mãos, deixando o cajado cair na grama e cobriu minhas bochechas com as palmas — O simples fato de eu estar com você eu já me sinto melhor, muito mais que ficar em casa sem fazer nada.

Eu sorri para ela e me virei segurando sua mão, em uma tentativa de guiá-la para casa, porém  Hana não parecia querer andar.

— Saito, não quero voltar... Eu só preciso te dizer algo.

Havia uma seriedade no olhar dela, juto a um medo que eu não compreendi.

— Pode falar.

Ela pareceu tomar coragem por alguns segundos. Fiz questão de deixá-la usar o tempo que precisasse para seja lá o que fosse dizer, mas eu tive medo também, preocupava-me o que Hana poderia dizer. E se ela tivesse se cansado de mim? Ou se dissesse que não queria mais jogar esse jogo? Não queria perder aquela companhia, seria o fim para mim.

— Saito — Eu engoli em seco ao ouvir meu nome — eu tive muito medo de te contar isso temendo como você reagiria, não quero que você mude comigo por causa disso então lá vai: eu sou...

De repente eu senti um mau pressentimento. Um subchefe não tinha uma barra de vida no topo da tela ao spawnar, isso quer dizer que só havia um outro jeito de saber que um havia aparecido: vibração. Estava tão preocupado com Hana que não dei atenção a vibração no solo, que agora se intensificou.

Em um instante eu empurrei Hana, jogando-me nela, e um canguru muito maior que o normal atravessou por cima de nós. Ele tinha luvas de boxe vermelhas nas mãos. Era o Canguru Mestre Boxeador.

Rapidamente alertei Hana a se preparar, não havia como correr daquele inimigo. Nas descrições do evento essa criatura aparecia com o maior indicie de velocidade que algum monstro já teve. Correr dele seria como disputar corrida com um leopardo. Deslogar também seria impossível, teríamos que nos mover violentamente para desviar de seus ataques, o que faria a caixa desaparecer.

Restava tentar derrotar esse monstro sem poder contar com Hana. Eu sabia que ele era muito forte para enfrentar sozinho, mas eu confiava nela, apenas não contei com a possibilidade da garota estar mal.

Eu avancei para atacar a criatura, mas no segundo passo eu vi o canguru, que estava no mínimo há dez metros de distância, agora na minha frente com o punho no meu rosto. Eu fui zunido para trás, rolando por metros de grama. Eu me levantei e vi Hana paralisada.

— Hana se mova!

Ela pareceu ter reagido a minha voz, mas não andou, estava paralisada. Morrer não seria um problema, mas a agonia de levar um soco na cara era grande e Hana já estava mal, não seria bom ela passar por isso.

Quando me levantei para tentar protegê-la, a criatura já golpeava. Não havia como eu chegar a tempo. Ainda tentei me impulsionar com o máximo possível de força para tentar cobrir essa distância, quando, de repente, o monstro desapareceu em uma animação de derrota.

Eu respirei aliviado. Um jogador muito poderoso deve ter aparecido para acabar com uma criatura dessa com um golpe. Eu corri para agradecê-lo e quando eu vi, meu mundo caiu. Aquela armadura negra, calça de pele do lobo da noite, botas do grande grifo cinza e a espada negra do vampiro imperador.

Não restava dúvidas, aquele era o DeathKiller. O maldito Ice estava usando a minha conta e zanzando com ela por alí. Se ele estava aqui provavelmente era por mim, de alguma forma ele deve ter descoberto quem era eu e queria continuar sua vingança, talvez me humilhando até desistir desse jogo.

Me irritou mais ainda aquele ser que utilizava minha conta olhar demais para Hana e não era qualquer olhar. Eu sei que ela era bonita e isso chamava atenção, mas era de um jeito diferente, um jeito que me gerou ódio.

— O que um jogador tão poderoso faz aqui? — Perguntei, tentando disfarçar o ódio que transbordava no meu ser.

— Estava apenas transitando por aqui quando vi essa jovem dama sendo ameaçada por aquele monstro.

Meus olhos semi cerrados ainda encaravam ele.

— Ei — Hana finalmente raciocinou quem estava na frente dela — Você é o Deathkiller, não é?

Ele sorriu e assentiu com a cabeça. Aquilo me deu nojo, eu jamais agiria assim com um desconhecido, muito pelo contrario, já teria saído do local há tempos!

— Meu deus eu sou muito sua fã! Nossa tenho muita coisa para falar com você! Não sei nem por onde começar, pode me disponibilizar alguns minutos, por favor?!

Não, aquilo não poderia estar acontecendo, de foram alguma. Aquele fake estava se passando por mim. Ela era muito fã minha, se acreditasse naquele cara poderia ir para longe, poderia criar uma amizade com um falso imaginado ser eu. Ele não poderia, já tomou minha conta, não poderia tomar a Hana, não a minha Hana.

Eu puxei a menina para o canto para falar melhor com ela.

— Eu não sei não, esse cara parece meio estranho.

Hana me olhou com uma certa hesitação naquele momento.

— Como assim?

— É que... o Deathkiller é muito fechado na dele, não seria legal tomar o tempo dele.

— São só alguns minutos, eu preciso falar com ele, Saito. Você não entende, eu entrei nesse jogo na esperança de algum dia encontrar ele e agora está na minha frente, o Deathkiller me salvou, Saito!

Salvei ela? Hana não poderia estar falando do canguru, era outra coisa. Mas não lembro de explicitamente salvar Hana de algo, a conta dela é recente... de fato tenho uma sensação já tê-la visto antes, mas poderia apenas estar me lembrando de qualquer outra druida desse jogo que fosse minimamente parecida com ela.

— Não acho que seria legal, Hana.

— Você tá estranho Saito, não quero brigar com você. É só alguns minutos.

Ela virou, mas eu segurei o braço dela.

— É você que não entende Hana... — Uma tristeza me encarava no olhar dela. Eu queria muito simplesmente contá-la o que aconteceu, mas como fazer isso? Ela acreditaria? — Por favor Hana... me escuta...

— Saito...

— Não vai com ele, não é o que você pensa...

— Saito... — o volume da voz dela aumentou, o que me assustou.

— É que...

— Saito! — Os olhos dela estavam marejados — Por favor, não me faça ter raiva de você.

Isso não podia estar acontecendo... por que Ice voltou na minha conta logo agora? Só para continuar sua vingança estúpida... tinha tantas druidas nesse jogo, tantas pessoas que faziam personagens com corpos impossíveis, e ele veio logo no meu pedaço do céu. Eu não queria perder ela, era o meu refugio. Não vou perdê-la!

— Eu sou o Deathkiller, Hana! — Minha voz saiu sem que eu quisesse. E naquele momento ela chorou, muitas lágrimas escorreram por aquele rosto.

— Não... por quê... — Ela puxou o braço que eu ainda segurava, desprendendo minha mão, e deu-me um tapa no rosto, deixando me incrédulo — Era só você ter esperado alguns minutos! E agora você está agindo que nem o Artur! Por que você teve que falar logo isso? Por que uma mentira dessas? Esperava mais de você Saito... mas vocês são todos iguais! Idiotas!

Meu coração se quebrou naquele momento. Eu sei que era difícil de acreditar naquilo... não, era impossível. Ninguém sabia da minha derrota, não havia como ela suspeitar que aquele cara era falso. 

Eu perdi... de novo.

Hana me deixou naquele lugar e foi embora com o falso Deathkiller. Eu desloguei em seguida e tudo que eu pude fazer foi cair em lágrimas no meu travesseiro... ela logo me deletaria da lista de amigos como fez com Chad... como eu fui tão idiota... fui quebrado novamente... eu queria aquele calor de novo, aquele cheiro... mas nunca mais terei.

Minha ansiedade atacou como uma bomba. Eu chorei até não ter mais lágrimas e me forcei a dormir, porque se eu permanecesse acordado por alguns mais alguns minutos eu com certeza me mataria.

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