Esperança

O coração pulsava intensamente quando saí do Prime Live, o irritante zumbido no ouvido não incomodava. As memórias que acabei de cultivar esquentavam meu coração.

Ajeitei-me com dificuldade para sentar na cama, tentando olhar pela janela, estava cedo. O sol nascido há poucas horas lançava seus raios alaranjados sobre a pequena fonte do lado de fora. Uma mansão tão grande, mas para mim tão pequena...

Meus olhos percorreram pelo quarto e logo repousaram-se  na prateleira com diversos troféus e medalhas. Prêmios de primeiro lugar em corridas e maratonas. Sempre ao olhá-los memorias de minhas competições banhavam a minha mente. Sempre amei correr, fazia-me sentir viva.

De repente a porta se abriu, revelando uma mulher de belos cabelos dourados trançados. Ela segurava uma bandeja de ferro com café e pão torrado. Sempre usava uma calça jeans com seu all star preto e camisa branca minimalista. Não houve uma única vez que não me intrigou o jeito que ela conseguia me dar uma surra de beleza com seu simples olhar, belos olhos azuis como a água.

Vira e mexe eu fazia uma piada sobre a beleza estonteante dela, seu rosto branco sempre ficava vermelho como uma pimenta.

Elena era tudo para mim. Agia como babá, segurança, consultora de moda, confidente, rival em qualquer que fosse o jogo e meu maior referencial de beleza, minha inspiração. Se havia uma mulher que eu queria me tornar seria alguém como ela. 

Elena sempre me contava histórias de suas aventuras militares e perseguições. Mesmo hoje eu fico encantada com seus relatos. Nós já tivemos muitas noites das meninas, e eu me orgulho em dizer que ela é minha melhor amiga.

— Hana! Finalmente você deslogou! Está há tanto tempo jogando esse jogo... Três dias seguidos entrando aqui e vendo você deitada... como se estivesse em coma. Isso me preocupa muito.

— Não é como se eu tivesse muita escolha — levei a mão para a bocheca em uma tentativa de reproduzir a sensação daquele toque maravilhoso. Meus olhos focaram um espelho ao lado da cama, ainda conseguia sentir a mão quente e grande em meu rosto... eu corei novamente apenas ao lembrar.

Elena se aproximou sem que eu percebesse e sentou-se ao meu lado, afundando um pouco a cama.

— Aconteceu algo? — Sua pergunta tirou-me de meu devaneio.

Balancei a cabeça em negação.

— Bom, sua mãe pediu para lhe avisar que outro medico irá te avaliar — ela suspirou ao ver minha feição triste — Eu sei que você não gosta, mas não podemos desistir. Você ainda é nova minha pequenina, ainda podem haver caminhos, ainda tem muitas competições para vencer.

Minhas mãos se entrelaçaram sobre coberta que tapava as pernas.

— Eu acho que não tenho muitas esperanças, mas não tem muito problema — removi o Neural Aceptor que estava em meu pescoço e o olhei bem entre minhas mãos, um sorriso bobo surgiu em meu rosto — Com essa coisinha eu já posso ir muito longe, estou satisfeita com ele.

— Mas você não pode ficar jogando para sempre Hana, você tem uma vida fora. As vezes ainda há esperança e a prova pra sargento está quase aí! Se você estudar... — Ela parou de falar ao perceber que eu não conseguia olhar nos olhos dela.

— Eu já desisti em relação a isso... — de repente minha voz baixou, de um jeito que só eu pude escutar — mas acho que encontrei algo que eu queria estudar, para poder continuar com ele...

— E espera que jogos resolverão isso?

— Não... mas vão levar minha mente para longe, longe dos problemas e me fazer pensar direito... me fazer... conhecer pessoas...

Elena suspirou.

— Chega desse assunto, essa feição triste não combina com esse rostinho lindo — ela liberou uma das mãos para tocar a ponta do meu nariz, algo que ela sempre faz para me alegrar, e novamente trouxe um pequeno sorriso para o meu rosto — Agora me diz, tem mais algo incomodando você, o que é?

— Não é nada não...

— Você não me engana não, mocinha! Fala pra titia o que te incomoda.

Eu suspirei e olhei em seus olhos.

— Você acha que eu sou bonita?

— Oxi, que pergunta é essa menina? É claro que você é! Tem alguém atormentando você?

— Não, não é isso — Respondi balançando as mãos — É que... eu me lembrei de umas pessoas na escola... elas falavam que eu sou toda fora do padrão e que nenhum garoto seria capaz de gostar de uma tabua como eu...

Elena balançou a cabeça de repente.

— Posso de dar um conselho?

— Sim.

Ela pegou nas minhas mãos e olhou bem nos meus olhos.

— Mentalize cada uma dessas pessoas, veja bem elas na sua cabeça. Após isso grite o seu mais forte e genuíno "Vão para a puta que pariu!"

Eu inclinei a cabeça, confusa.

— Como assim?

— É exatamente isso, vamos lá, tente!

Mesmo um pouco confusa eu pensei nessas pessoas e disse a frase, de forma tímida. Elena logo pediu para que eu fizesse mais alto, o máximo que eu conseguisse. E então eu gritei tão algo que até fiquei sem folego.

Nesse momento Elena me abraçou, deixando minha cabeça deitar sobre seu ombro.

— Não deixe ninguém falar que você é feia, muito pelo contrario, você linda exatamente do seu jeito. Essas pessoas que dizem isso apenas estão falando porque é o que aconteceu com elas, mas isso não se enquadra em você, entendeu?

— É que é difícil pensar isso quando uma possível miss universo está me dizendo isso.

Elena riu naquele momento.

— Cada uma de nós temos nossa beleza, você é tão linda quanto eu senão mais! E na próxima vez que alguém disser que você não é apenas mande ela se foder!

Eu ri também, sempre adorei esse jeito de Elena levar as coisas.

— Ok acho que entendi.

Ela me deu uma piscadinha e deixou a bandeja no meu colo.

— Agora come pra ficar fortinha! Sua mãe já deve estar chegando com o medico, vou descer para resolver as outras coisas.

Depois que Elena saiu eu tomei um rápido café da manhã e recebi uma notificação em meu celular. Era um aviso de um novo evento que estava por vir, um evento que era prometido desde o lançamento do jogo: "A conquista da lua de prata". Os jogadores que conseguissem dominar a lua de prata ficariam eternamente marcados no mural das lendas no lobby. O mesmo local onde o top dez jogadores ficam. Porém, diferente deste que pode mudar, aqueles que conquistassem a lua de prata ficariam imutáveis no mural.

Eu logo avisei o Saito sobre isso, ele demorou um pouco para responder. Disse que poderíamos ter alguma chance se ficássemos muito fortes em um curto espaço de tempo. Também avisou-me que sem uma guilda seria quase inviável e que teriam muitas lá. Eram três meses até a lua de prata. Talvez houvesse alguma esperança.

Da porta desta vez surgiu o doutor Carvalho. Ele estava acompanhado de minha mãe e era sua última esperança. Um dos melhores médicos do país. Minha mãe entregou todos os exames como se depositasse seu coração e alma nas mãos do medico. Ele levou alguns minutos analisando minuciosamente os laudos e, logo em seguida, meu corpo, verificando toda extensão da coluna e a sensibilidade das pernas, com um silêncio avassalador. Mas quando ele levantou-se para dar suas conclusões, aquela mesma feição que já viu milhares de vezes estava no rosto de Carvalho. 

Desta vez minha mãe pareceu ter finalmente entendido a situação, pois eu vi lágrimas rolarem em seu rosto quando o medico disse que não há o que fazer. A fratura foi grave demais, era uma surpresa eu estar viva.

Ela assentiu e agradeceu ao médico. Depois de acompanhá-lo até a porta, ela voltou ao quarto e não hesitou ao me abraçar com todas as forças.

— Desculpe por te fazer passar por isso filha, eu ainda tinha um pouco de esperança — Eu pude sentir o hálito de minha mãe, era um cheiro de álcool... ela sempre bebia para esquecer os problemas.

— Tá tudo bem mãe, tá tudo bem.

Milena limpou as lágrimas rapidamente. Por mais que estivesse desabando, tentava parecer forte, em uma tentativa de me dar suporte. Ela disse que me levaria ao jardim para me tirar daquele quarto e respirar um ar fresco, pois estava na cama há dias.

Com uma cadeira de rodas, ela me levou ao jardim.

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