Capítulo 2 - Os Três Mosqueteiros
Ariel já estava há algum tempo olhando a tela do notebook à sua frente, mas não conseguia ler uma palavra sequer. Seus pensamentos estavam longe, pensava em seu pai e nas palavras que havia lhe dito naquele fatídico dia em que saiu de casa e não voltou mais com vida. Seu pai sempre fora seu exemplo de fé e piedade. Um temente servo do Senhor, marido piedoso e abnegado pai de família.
Ninguém estava preparado para perdê-lo, ninguém imaginaria que um homem robusto e saudável de 36 anos incorreria num acidente de trabalho que lhe ceifaria a vida. Aquele dia mudou a vida de uma família e em especial do adolescente cujo coração se abria para se aventurar em coisas proibidas. Porém, as últimas palavras do pai falecido tão repentinamente se repetiam em sua mente, causando-lhe arrependimento por ter pensado tal coisa.
— Filho, hoje pela manhã, orando por sua vida, Deus me mostrou uma palavra para que te mostrasse e só me resta obedecer. Não sei o motivo, mas Ele sabe todas as coisas.
O então adolescente olhou interrogativamente para o pai, que abriu a Bíblia e mostrou a marcação em Daniel 1.8 - "Resolveu Daniel, firmemente, não contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia; então, pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não contaminar-se".
— Não sei o que você está precisando ouvir, mas preciso dizer que as atitudes decisivas que tomamos na vida são que determinam o que mais virá. Sempre oro por você, filho, mas hoje senti que deveria orar com mais afinco. Existem caminhos que parecem bons, mas nos levam diretamente à perdição. Guarda-te na presença do Senhor, Ariel! Ele é fiel e estará com você, não se esqueça disso, porque não temos como prever o dia de amanhã, por isso repito, guarda-te na presença do Senhor!
O jovem ainda permanecia distraído com tais pensamentos, quando Matheus, seu amigo com quem dividia o apartamento, chegou rapidamente tirando-o de suas lembranças.
— Ariel, você está atrasado! Se distraiu com seus textos jurídicos? — já foi dizendo o amigo e indo em direção ao seu próprio quarto para se preparar para sair.
Matheus era um bom amigo, seu pai era dono de uma das maiores empresas de importação de leite e soja do mercado e ele trabalhava meio expediente até terminar o curso de Administração. Seu pai era um homem duro, arrogante, que não aceitava seu filho e herdeiro professar uma fé que julgava ser pertencente às classes inferiores. Sim, ele se referia às pessoas menos afortunadas como inferiores.
Depois de muita discussão, Matheus saiu da casa dos pais e foi dividir um apartamento com o amigo e irmão de fé, Ariel. O arranjo já perdurava por mais de dois anos e até então estava seguindo bem: frequentavam a mesma Universidade, apesar de cursos diferentes — o Ariel cursava Direito — e congregavam na mesma igreja.
Ariel era sempre sendo convidado a pregar em cultos de jovens e trabalhos voltados para adolescentes e frequentemente era acompanhado por Matheus que possuía uma voz linda e uma unção ao louvar que cooperava juntamente com a ministração da palavra pelo Ariel.
— Não, Matt, nem estava prestando atenção ao que lia, estava me lembrando do meu pai...
— Ah, cara. Ainda sente muita falta dele, né? Eu nem sei o que te dizer... — o amigo disse se aproximando enquanto vestia a camiseta após ter tirado a camisa social.
— Não, tudo bem... eu sinto orgulho do tempo que o tive, dos seus ensinamentos, estão todos aqui — apontou para a cabeça — e ecoam aqui — apontou para o coração.
— Orgulho é o que eu tenho por ser seu amigo... mas vamos embora que já estamos atrasados. Você vai me dar uma carona, né? Meu carro está na revisão, eu vou pegar quando sair da faculdade.
— Claro, vamos lá.
No caminho eles conversaram sobre o curso, a igreja e no desafio que teriam ao se formar dali a alguns meses.
— O Henrique já está com tudo pronto, vai trabalhar na empresa de advocacia do pai, já está se achando o dono da cidade...
Ariel revirou os olhos ao se lembrar do amigo que tinha tanta inteligência quanto vaidade. O Henrique era oriundo de uma família de juristas - o pai e os tios advogados, o avô juiz aposentado e um dos primos promotor em outro estado. A firma de advocacia de seu pai era muito bem conceituada e ele mesmo antes de se formar já se sentia o dono da cidade por isso.
Chegando na universidade, encontraram o Henrique impaciente à espera deles e despedindo-se do Matheus, foram para a única aula que teriam naquele dia. No meio da aula, tentando não entrar no radar da professora rígida que parecia um gavião a procura de quem capturar, Henrique falou com o Ariel ao seu lado:
— Encontrei a mulher da minha vida!
Uma frase apenas, mas que trouxe ao Ariel uma sensação ruim, um formigamento na nuca que não sabia explicar. Henrique era um mulherengo assumido, já havia quebrado vários corações em seus 23 anos de vida. Embora se referisse a ter encontrado a mulher de sua vida, Ariel sabia muito bem que ele queria dizer "mulher da sua vida naquele momento". Ao invés de sentir pena da pobre moça que ele pretendia iludir, ele sentiu um certo...cuidado? Uma sensação estranha pousou em sua consciência levando-o a ter tal sentimento por alguém que nem conhecia!
Deus, o que estava acontecendo? — pensou ele.
Ao fim da aula, foram para a área comum esperar por Matheus enquanto Henrique fazia suspense. Quando amigo se aproximou, Henrique começou a contar que havia visto uma moça linda numa das turmas anteriores à deles.
— Você está sempre observando as meninas, por que ainda não havia visto esta em especial, Henrique? — perguntou Matheus.
— Não sei, viu. Parece um tesouro escondido apenas esperando que eu a encontrasse...
Ariel revirou os olhos e apenas observava a interação dos amigos. Evitou fazer perguntas, porque já estava cansado da postura descompromissada de Henrique. Ouvir falar da salvação ele evitava, mas quando o assunto era mulher, era com ele mesmo.
— Duvido que ainda não a tenham visto, Matt. Ela é morena, cabelos escuros, tem uns olhos perfeitos que parecem amêndoas...
A cada explicação do Henrique, o corpo de Ariel começava a esquentar. "Será que ele falava de Rebecca? Seria muita coincidência!", pensou ele.
Acalmando seu coração agitado, ele se lembrou aliviado que a Rebecca cursava Administração em outra faculdade. Sem perceber, deu um suspiro tão alto que seus amigos se calaram e o olharam espantados.
— Ariel, está tudo bem? — perguntou Matheus preocupado.
Henrique apenas arqueou as sobrancelhas, aliás, arqueou apenas uma como lhe era comum quando queria debochar sem dizer nada.
— Não é nada, são apenas pensamentos que me ocorreram aqui...
— Isso quer dizer que você não prestou atenção à nada do que eu disse? Me sinto ofendido por sua falta de consideração! — Henrique fingiu despeito.
Os dois amigos ficaram em silêncio apenas observando a atuação tosca de indignação do Henrique por alguns momentos, até que de repente, os três explodiram em gargalhadas, até quase chorar de tanto rir, causando estranheza em alguns estudantes, enquanto a maioria já estava acostumada aos rompantes dos três mosqueteiros e apenas balançaram a cabeça.
Após alguns minutos, conseguiram se conter e o Ariel olhando rapidamente no relógio, assustou-se com a hora já avançada.
— Nossa, já está tarde! Precisamos ir ao culto hoje, Matt, será culto dos jovens...
O amigo também verificou as horas e concordou. O Henrique apenas revirou os olhos.
— Com pressa para ir à igreja? Vocês são patéticos! — debochou o amigo.
Ariel apenas sorriu.
— Patéticos? Não, apenas zelamos pelas nossas almas... e saiba que estamos orando por você, viu? — o outro arregalou os olhos, depois despistou olhando para o lado — Sim, doutor Henrique. Você está nos nossos joelhos.
Matheus riu da expressão do amigo e deu-lhe um tapa nas costas enquanto se ambos se afastaram.
Eles sabiam que o Henrique usava uma espécie de proteção em seu deboche, mas que no fundo era um rapaz sedento por libertação. E, olha só, eles serviam Àquele que era o Libertador. Ele estava em boas mãos!
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Segundo capítulo postado!
E esse trio hein, promete!
Voltamos semana que vem com a Celeste, bjs.
Produção PDC
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