Presente de Natal
Elaine
Enfiei os cadernos na mochila e puxei o fecho com ligeres, fechando-a rapidamente, estava atrasada e minha carona logo chegaria. A chuva lá fora havia engrossado, me fazendo trocar meus calçados. Joguei a mochila no chão ao lado do banquinho e sentei-me ali, arranquei os tênis ALL Star dos meus pés e peguei minha única bota destinada para dias chuvosos da sapateira. Abri o zíper e enfiei meu pé direito ali, por sorte o fecho não enganchou na meia quando o fechei como das outras vezes.
— Vai se atrasar filha, já pediu o Uber? — minha mãe, dona Vera, perguntou, sua cabeça entrando primeiro em meu quarto, enquanto ela se abraçava na tentativa de se aquecer do frio que a chuva trouxe para espantar o calor do dia anterior. — Nessa chuva vai estar o zóio da cara. Quer que eu te empreste dinheiro?
— Não vai precisar mãe, eu vou de carona — levantei do banquinho estofado com as botas nos pés, que me deixam mais alta pelo seu salto grande, adoro a sensação que isso me causa. Peguei meu celular da penteadeira e deixei no bolso da calça.
— Carona com quem? — ela seguiu atrás de mim assim que peguei minhas coisas e andei apressada até a sala, jogando a bolsa no sofá.
— Um amigo, ele disse que viria me buscar hoje — expliquei ao vestir a jaqueta marrom, pronta para enfrentar a chuva que caía do lado de fora.
— Qual? O Pedro ou o Lucas? E a Patrícia, ela te traz de carona às vezes.
— A Paty tá viajando, mãe, e o Lucas não tem carro — passei novamente por ela e voltei ao quarto, pois havia esquecido meu hidratante labial ali.
— A Patrícia tá viajando de novo? Essa menina tá faltando bastante — ela veio atrás de mim. Se eu não estivesse atrasada teria tirado sarro dela por isso, pois é sempre eu quem tem que ficar atrás dela pela casa para conversar, porque essa mulher não para quieta num canto.
— É, mas depois ela faz a reposição de aula durante a semana, mãe - voltei para a sala, passando o hidratante labial de qualquer jeito, é incolor mesmo, ninguém vai reparar. Não é como se alguém reparasse.
— Pra quem tem dinheiro é bom, a reposição de aula é cara — tive de concordar com ela, e se minha carona não chegasse logo eu iria me atrasar muito mais do que o permitido para entrar na sala de aula. E eu não tenho o dinheiro para pagar a reposição, tanto que nem de Uber tô indo mais.
Eu iria de ônibus hoje, mas acordar às cinco da manhã e ficar no ponto de ônibus, sozinha, não era uma boa ideia. Foi comentando isso com meu amigo que ele se dispôs a me dar carona. Abençoado seja o Pedro, meu salvador.
Minha mãe caminhou até a janela e com a mão levou a cortina para o lado, olhando para o que lhe chamou a atenção.
— Acho que sua carona chegou, filha — guardei meu hidratante labial no bolso da jaqueta e peguei minha mochila, passando a alça pelo meu ombro esquerdo. — Que carro bonito.
Peguei minha sombrinha e a deixei presa pela cordinha no meu pulso. Quando senti o celular vibrar no bolso da calça, indicando que havia chegado uma notificação, eu o peguei e desbloqueei com minha digital.
— O Pedro trocou de carro, Elaine? — ouvi dona Vera perguntar, enquanto entrava na conversa com Pedro no aplicativo.
Sua mensagem era curta, "Tua carona chegou. Me agradeça depois" junto do emoji de um olho piscando.
"Como assim? O que vc tá aprontando?" enviei para ele que foi visto imediatamente. "Vai logo ou vc vai se atrasar Elaine!", revirei os olhos para a resposta dele e guardei o celular novamente no bolso da calça.
— Tô indo mãe — beijei sua bochecha e peguei as chaves de cima do pratinho de porcelana que fica sob a cômoda perto da porta.
-— Vai com Deus meu amor, se cuide e boa aula — pude ouvi-la dizer enquanto fechava a porta.
— Obrigada mãe, você também.
Abri a sombrinha, mas mesmo assim ergui o capuz da jaqueta e deixei-o cobrindo minha cabeça. Andei às pressas até o portão, evitei correr para não cair com essa bota numa poça de água e me molhar toda. Também porque não queria virar o pé, isso já aconteceu antes e eu fiquei uma semana inteira com minha canela doendo pra caramba.
Dei um tchau para minha mãe ao fechar o cadeado do portão e me virei para o carro, caminhei até a janela do motorista que logo foi abaixada para que eu pudesse ver quem estava ali.
Um homem negro de terno e gravata azul marinho olhou para mim e eu congelei no lugar.
— Bom dia, senhorita Alvares? — ele perguntou e tudo o que consegui responder foi "aham". — Combinei com seu amigo Pedro que levaria você para o curso hoje.
— Ele não me disse nada — comentei, confusa.
— Até onde sei, era para ser surpresa.
A indecisão tomou conta de mim, não o conhecia, mas Pedro me mandou mensagem bem a tempo dizendo que aquela era a minha carona. Eu confio no meu amigo, sei que ele nunca faria nada de ruim para mim.
— Bem que ele disse que você é desconfiada — sorriu para mim. — Eu sou Marcos, trabalho como motorista particular.
— Motorista particular de quem? — Pedro é rico, mas não tanto, pelo menos o suficiente para que sobre um pouco de dinheiro após pagar as contas e as compras do mês.
— De uma empresa que cuida da hospedagem de famosos quando vêm ao Brasil — estou começando a entender um pouco, Pedro faz estágio numa empresa dessas, nunca me lembro do nome.
— E por que vai me levar para o curso?
— Estou fazendo um favor ao Pedro. Olha, ele me disse que a aula começa às oito, e agora são — Marcos levantou o braço direito e olhou seu relógio de ponto. — sete e quarenta, é melhor irmos agora ou você irá chegar atrasada.
Respirei fundo e olhei mais uma vez para a minha casa, parada na janela estava a minha mãe, ainda abraçando seu corpo. Dessa vez as cortinas claras estavam abertas, assim como a janela.
Fui para a porta do passageiro e fechei a sombrinha, dei mais um tchau desajeitado para minha mãe, que retribuiu, e abri a porta do carro, logo entrando e a fechando num baque.
Sentei-me no banco enquanto tirava uma sacola do supermercado de dentro do bolso lateral da mochila para guardar a sombrinha molhada.
O carro começou a andar e eu me pus a colocar o cinto de segurança. Puxei ele com a mão esquerda e quando me virei para fechar o cinto foi que vi que mais alguém estava naquele carro.
Tirei o capuz da minha cara e meu olhos não acreditaram no que viram. Em minha mente, vários palavrões eram ditos em tom de surpresa e alegria, mas no meu rosto apenas permanecia os olhos arregalados e a boca aberta, revelando meus dentes branquinhos recém libertados do aparelho que me torturou por dois anos e meio.
— Olá Elaine — aquela grave voz disse o meu nome, sendo seguida por um sorriso belíssimo que se apossou daqueles lábios.
— Puta que pariu! — foi o que eu retribuí com minha cara de paspalha e meu coração acelerado.
Somente esse puta que pariu teve tantos significados...
Puta que pariu! Ele estava no Brasil. Puta que pariu! Ele estava no mesmo carro que eu. Puta que pariu! Ele estava sorrindo para mim. E puta que pariu! Ele falou o meu nome e com aquele sotaque maravilhoso.
— Você está bem? — eu não fazia ideia que ele falava português, mas estava adorando ouvir sua voz, ainda mais sendo direcionada para mim.
Ele descruzou os braços e virou seu corpo um pouco para o lado, ficando o mais permitido, que o espaço do carro deixava, de frente para mim. Aquele terno azul estava incrível nele, com a gravata frouxa ainda... ele estava lindo pra caralho.
— Elaine? — ergueu uma sobrancelha para mim, o sorriso desaparecendo, dando lugar para que seus lábios ficassem numa linha fina que conclui ser de preocupação.
Ele estava preocupado comigo? Por quê?
— Eu tô sonhando, só posso tá sonhando — larguei o cinto de segurança, que voltou rapidamente para o seu lugar, e encostei as costas no estofado do assento, olhando para o vidro à minha frente, que separava o motorista dos passageiros, dando privacidade para todos.
— Por que acha isso?
— Porque você está aqui e está falando em português — apontei o óbvio.
— Assim como você, eu fiz um curso de línguas estrangeiras — ele começou a explicar, com óbvio divertimento em seu tom de voz. — Quando vim para o Brasil pela primeira vez, eu gostei muito dessa língua e resolvi aprender. Afinal, quero passar algumas de minhas férias por aqui.
Olhei surpresa para ele.
— Tá, uma parte tá explicado, mas e a outra? O que tá fazendo aqui? Nesse carro? Comigo?
— Fiquei sabendo que você é uma grande fã minha — foi a vez dele se ajeitar no assento e voltar com as costas no estofado preto do carro.
— Tem muita gente que é fã de você — comentei, pensativamente.
— Está dizendo que eu não deveria estar aqui? Com você? — ele pontuou as duas últimas palavras com lentidão.
— Não foi isso que eu quis dizer — soltei um riso anasalado, desviando o olhar. — É só que, porquê eu?
— Estou fazendo um favor a um amigo — ele deu de ombros.
— Que amigo? O Pedro? — franzi as sobrancelhas, completamente confusa.
Meu cérebro começou a tentar entender como isso poderia ser possível. Pedro conhecia Alan Rickman, como? Tipo, o Pedro? Eu sei que ele é estagiário na tal da empresa que é responsável pela hospedagem de famosos, mas tipo, são famosos do Brasil mesmo, não estrangeiros.
E quando Alan Rickman veio para o Brasil antes? Talvez para algum filme que eu ainda não tenha assistido, preciso pesquisar para saber melhor sobre isso e adicionar na minha lista.
A risada desse homem sentado ao meu lado me tirou dos meus pensamentos, me fazendo olhar para ele. Puta que pariu, que risada gostosa de ouvir.
— Eu poderia dizer que estamos em um programa de tv onde sorteamos os fãs e um deles tem o direito de passar algumas horas com seu ídolo — ele olhou para mim, sorrindo. — e fazer o que quiser — completou.
— Eu acreditaria nisso — confessei.
— Eu imagino que sim - riu novamente. — Mas e então? O que quer fazer?
— Bem, — olhei para fora da janela. — de acordo com onde estamos agora, temos no máximo cinco minutos até o curso.
-— E o que você quer fazer? — perguntou novamente.
Mordi o lábio inferior, ponderando minhas opções. Tem tanta coisa que gostaria de fazer com ele. Tipo, cara, é o Alan Rickman, sou apaixonada por esse homem há tempos, e ele está aqui, no auge dos seus quarenta anos me perguntando o que eu quero fazer.... e é nesse momento que eu queria que o curso estivesse a mais de duas horas de distância - de carro - e não a cinco minutos ou menos, como está agora.
Soltei o ar pelo nariz, decidindo tornar realidade uma fantasia que sempre tive.
Deixei a mochila e a sacolinha com minha sombrinha no assento perto da porta e deslizei para mais perto dele. Segurei sua mão esquerda na minha e levantei ela, erguendo junto o seu braço e passando-o por cima da minha cabeça. Me aconcheguei no seu peito e descansei minha cabeça ali, sentindo o braço dele descansar sob minhas costas.
— Só isso? — havia confusão e surpresa em seu tom de voz.
— Eu imaginei isso, mas de uma forma diferente, tipo numa biblioteca particular, nós dois assim num sofá e você lendo um livro para mim — confessei, ouvindo o coração dele batendo em meu ouvido.
Senti o peito dele tremer com uma risada soprada que ele soltou. Isso me fez sorrir também, embora ele não pudesse ver.
— Você tem uma fantasia muito fofa com relação a mim — disse, apertando a força do seu abraço em mim. Aquilo estava sendo incrível, a melhor manhã da minha vida.
— Esperava que eu me atirasse pra cima de você? — perguntei com óbvio divertimento em minha voz.
— Uma outra fã minha faria isso, tenho quase certeza — ele respondeu, também rindo.
— Aposto que sim — inspirei o aroma de seu perfume. Eu tinha total razão quando imaginava que ele cheirava bem. Na verdade, muito mais que bem.
— Posso saber porquê você é diferente?
— Vergonha — sussurrei, com meu coração batendo rápido em meu peito, ao contrário das batidas rítmicas vinda do coração dele. Eu poderia facilmente dormir ouvindo isso.
— Então a sua vergonha te impede de se atirar pra cima de mim? — ele estava se divertindo com isso, não havia dúvidas. Mas percebi também que havia curiosidade em sua voz.
— É tipo isso. O fato de eu ser mais nova também influencia. Fora que eu provavelmente iria estragar essa carona.
— Até onde eu sei, você é maior de idade — comentou.
— Não foi isso que eu quis dizer. É que sou mais nova que a maioria dos seus fãs. Eu posso até ser um pouco mais velha que alguns.
— Eu acho que entendi o seu ponto — ele disse após um tempo em silêncio. Soltei um leve sorriso, contente e satisfeita por ele me entender.
A nova onda de silêncio que se instalou naquele carro foi bem-vinda, e eu aproveitei para observar a paisagem do lado de fora do carro. Já estávamos chegando, conhecia bem aquela parte da cidade.
Afundei o meu rosto no peito dele, respirando seu perfume, apertando o meu braço ao seu redor, aproveitando o quanto podia daquele momento que bem podia ser um sonho. Um sonho maravilhoso.
Ele correspondeu ao meu aperto e descansou seu queixo no topo da minha cabeça. Aquilo era realmente um sonho. E se eu pudesse escolher, não acordaria.
Quando o carro parou, indicando estar estacionado, eu ergui minha cabeça e olhei para ele, e seus olhos castanhos fizeram o mesmo comigo. Gravei cada parte de seu rosto, cada detalhe mínimo, pronta para me despedir desse sonho perfeito e acordar para a realidade onde ele nem sabe que eu existo.
— Vai se atrasar para sua aula — me avisou, levando uma mecha do meu cabelo para trás da orelha.
— É nessa parte que você beija a minha testa — eu disse, sentindo minhas bochechas esquentarem somente com esse pedido. Imagina se eu o pedisse para me beijar na boca?
E ele o fez.
Ele se aproximou e deixou um selar carinhoso na minha testa, fazendo meu corpo todo arrepiar com esse gesto.
— Tenha uma boa aula, senhorita Elaine Alvares — desejou, devolvendo o capuz de minha jaqueta para cima de minha cabeça.
— Obrigada, por tudo isso — peguei minhas coisas e abri a porta.
Eu ainda sentia ele me abraçando quando sai do carro. Não me importei em como a chuva estava me molhando. Apenas fiquei ali, sorrindo feito boba, observando o carro dar ré, virar para o lado e ir para longe.
Foi somente quando o perdi de vista que forcei meus pés a andarem em direção a entrada do curso.
Aquilo não era um sonho.
Aquilo era real.
Aquilo foi real. E foi perfeito.
Cumprimentei a recepcionista do curso como de costume, falando em inglês com ela, como é exigido após entramos pela porta, para praticarmos a língua que foi escolhida para cursarmos.
Caminhei, ainda nas nuvens, até a minha sala, desejando bom dia para todos ali presentes e pedindo desculpa pelo atraso de poucos minutos. Sentei-me na minha cadeira de costume e tirei minhas coisas de dentro da mochila. Na maior parte do tempo eu não prestei atenção na aula. Não conseguia. Minha mente ficava voltando para o carro. Para ele.
— E aí? Gostou da surpresa? — Pedro sentou ao meu lado no banco, durante o intervalo.
Eu estava observando a chuva caindo do lado de fora, a lembrança do que houve antes ainda estava vivida em minha mente, como o cheiro dele.
— Foi incrível, eu amei — dei um largo sorriso. — Mas como você conseguiu fazer aquilo? — olhei para o meu amigo.
— Lembra daquele favor que meu patrão tava me devendo? — acenei em concordância. Algo sobre Pedro ajudá-lo a recuperar alguns documentos importantes no notebook, que havia tido um piripaque. Pedro entende e muito de tecnologias.
— Aham — soltei, esperando que ele continuasse sua explicação.
— Bem, de primeira, quando eu vi que o seu amor estava na empresa, eu tentei falar com ele, mas meu inglês travou e eu não consegui falar muita coisa — ele riu. — Só paguei vergonha. Enfim, eu só entreguei um papel e uma caneta pra ele, que me deu um autógrafo. Pensei em te dar isso no teu aniversário.
— Só isso eu já teria beijado os teus pés — confessei, rindo.
— Ainda posso fazer você fazer isso, hein — Pedro fez uma cara séria pra mim.
Me fudi. Ele riu mais da minha expressão.
— Enfim, resolvi cobrar o favor que meu patrão tava me devendo, já que ele conversa diretamente com os famosos, né? — apenas concordei com ele, eu não fazia ideia disso. — Depois de uma reunião com o Alan, ele me mandou passar o teu endereço e o do curso certinho pro Marcos, que vai ser o motorista fixo do Alan durante a estadia dele por aqui.
— Você é o melhor amigo do mundo — pulei nele, abraçando-o com força. — Obrigada. Obrigada. Obrigada.
— Eu sei — se gabou. — Bem, parte do teu presente de aniversário já foi entregue, o autógrafo te entrego daqui a dois meses.
— Agora eu tô lascada com o presente do teu aniversário — confessei. — Eu não vou conseguir fazer nada parecido com isso.
— A nova versão do meu jogo favorito vai ser lançada semana que vem — ele disse, me olhando com uma sobrancelha erguida.
— Tá bem, vou ver o que posso fazer — ele merece depois do que fez para mim.
— Enquanto o intervalo não acaba, você pode me contar tudinho — Pedro enganchou seu braço no meu, ajeitando nossas posturas no banco. — Me conte o que aconteceu. Como foi. Tudo.
Alguns anos mais tarde
Alan
Foi uma estreia perfeita, com um elenco incrível carregado de nomes importantes. Desci as escadas com rapidez, após sair da sala do cinema conversei com alguns colegas de trabalho e dei algumas entrevistas para os repórteres que me pararam para realizar perguntas rotineiras após a estreia de um filme.
Pisei no último degrau e meus olhos já focaram na multidão que estava do lado de fora, os atores posando para fotos carregadas de flashes, outros dando autógrafos para os fãs que gritavam enlouquecidos por seus nomes. Todos embaixo da neve que caía lentamente do céu.
Passei pela porta da frente, com um dos seguranças do evento destinados a proteger os famosos atrás de mim, e logo fui chamado para posar para algumas fotos. Fiz o que pediram, concedendo-lhes um sorriso sem mostrar os dentes, como sempre costumo fazer. Tudo estava na rotina, até que olhei para o lado e a vi, no meio da multidão, recebendo um autógrafo de um de meus colegas atores.
Aquele rosto não havia mudado muito, um pouco mais maduro pelo tempo que passou, mas ainda era ela, com aquele mesmo sorriso delicado. Foram seis? Sete? Oito anos? Quase uma década desde que nos conhecemos naquele carro.
Voltei a andar e passei atrás do ator, que lhe concedeu o autógrafo, e estava fazendo o mesmo para os outros fãs. Ela não me viu, pois deu as costas para todos nós e sumiu em meio a multidão.
Eu queria ir atrás dela, mas algumas pessoas me chamaram para autografar fotos minhas e alguns cadernos. Após vários autógrafos e fotos tiradas por seus celulares, eu segui em direção ao carro, que se pôs a seguir reto pela rua, de acordo com a rota para minha casa. Seria uma viagem longa, devido as ruas movimentadas pela noite.
Eu estava pensando nela, na garota do Brasil, em como me senti confortável em sua presença naquele dia, como há tempos não me sentia assim com ninguém, como ansiava por conversar com ela novamente e quando olhei para fora da janela eu a vi andando na rua. A calça jeans clara e o casaco com lã exposta na gola não a esquentariam muito nessa noite que iria esfriar mais por conta da neve. Mas ela não parecia se importar com isso visto que andava a passos lentos.
— Jonah, pare ao lado daquela moça, por favor — pedi ao motorista que logo atendeu ao meu pedido.
O carro se aproximou da calçada, um pouco a frente dela, e parou. Ela passou bem ao lado e eu abaixei o vidro da janela.
— Aceita uma carona, senhorita? — perguntei em português e ela parou de andar, como se o frio da noite a tivesse congelado ali. Quando ela virou seu rosto para o lado e me viu, ela sorriu.
— Oi — ela disse em inglês, se aproximando do carro, com as mãos nos bolsos do casaco.
— Oi — retribui ao seu belo sorriso. — E então? Parece que vai nevar mais, e eu não acho que você deva ficar resfriada — abri a porta do carro para ela que inclinou seu corpo um pouco para frente.
— Eu não quero te desviar do seu caminho, senhor Rickman, mas obrigada — ela deu um passo para trás, ajeitando a postura, pronta para se afastar.
— Não é problema algum para mim — saí do carro e andei até ficar na sua frente, ela é mais baixa do que eu, mesmo com as botas de salto alto. Eu estendi a mão para que ela aceitasse. Ela pareceu cogitar minha proposta, mordendo o lábio inferior. — Vamos, será um prazer levá-la até onde está hospedada.
Ainda hesitante, ela tirou sua mão do bolso do casaco e a deu para mim, aceitando entrar no carro comigo.
— Pode dizer o endereço ao Jonah — fechei a porta atrás de mim, enquanto ouvia ela fazer o que eu disse. — Eu não esperava encontrá-la por aqui — confessei. — Pela forma como está falando fluentemente o inglês, vejo que conseguiu concluir o curso.
— Sim, eu terminei. Na verdade fiz mais um, agora sei falar em três línguas — ela tirou a bolsa no ombro e a deixou sob as pernas.
— Que maravilha. E o que você fez nesses anos? Me conte — pedi, deixando meu corpo de lado no assento do carro, apoiando meu queixo em minha mão, que estava com o cotovelo apoiado no outro braço cruzado em frente ao meu corpo. Eu realmente estava interessado em sua vida.
— Eu terminei os cursos, fiz faculdade também, arranjei um emprego onde recebi a oferta de um estágio de cinco anos aqui.
— E está aqui há quanto tempo?
— Há quase três anos — seu sorriso desapareceu com essa frase.
— O que houve? Não gosta daqui? Ou o trabalho não é bom? — baixei minha mão e deixei meus braços cruzados. Eu queria abraçá-la e confortá-la.
— O trabalho é perfeito e a cidade é incrível — deu um sorriso sem graça.
— Mas?
— Eu sinto falta da minha família — ela olhou brevemente para mim, antes de voltar sua atenção para suas mãos.
— Posso saber porquê não está com eles agora, no Natal?
— Meu voo foi cancelado por conta da neve. É o primeiro Natal que passo longe deles — sua voz se tornou triste. — Fizemos uma chamada de vídeo, mas não é a mesma coisa.
— Não, não é — concordei, observando-a sentada ao meu lado. Seus cabelos estavam presos por uma grande presilha, mas ainda assim podia se ver as ondas de seus cachos. Em sua orelha haviam alguns piercings e um brinco pequeno com uma pedra brilhosa. Ela quase não usava maquiagem, somente um rímel nos cílios e um batom brilhoso nos lábios.
— Mas e você, senhor Rickman, o que fez nesses anos? — seus olhos vieram ao meu encontro.
— Alan, por favor — pedi com um sorriso. — Se me permitir chamá-la pelo primeiro nome também.
— É claro... Alan, se é que se lembra do meu nome, você é um homem muito ocupado.
— Um homem com uma boa memória, Elaine — respondi a ela, que sorriu largamente para mim. Aí está o sorriso que adornou alguns de meus sonhos. — Acredito que como minha fã deva ter acompanhado os trabalhos que tenho feito.
— Culpada — ela disse com as mãos estendidas no ar. — Mas gostaria de saber de algo que não foi parar nas redes sociais.
— Justo — pensei por um momento na resposta, olhando para as luzes voando apressadas do outro lado da janela do carro. — Eu não consigo pensar em uma resposta para essa pergunta — ela riu junto a mim. — Tudo que faço vai parar na tv, e o que não faço seria a rotina diária de acordar ou ir dormir.
— Então me conte sobre sua rotina — Elaine pediu, encostando suas costas no estofado do carro, puxando rapidamente sua cabeça para frente quando algo a incomodou.
— Eu acordo, vou ao banheiro, escovo os meus dentes no banho — soltei um riso soprado com essa confissão. — escolho uma roupa confortável, leio minhas falas durante o café da manhã, depois saio para o set de gravação, onde fico até tarde lá. Às vezes volto para casa mais cedo. Antes de dormir eu leio algumas páginas de um livro, quando não estou muito cansado e durmo imediatamente.
— Seus dias são muito ocupados — ela comentou, tentando deixar sua cabeça encostada no assento do carro novamente, mas falhando como da outra vez que tentou isso.
— Você nem imagina — soltei um suspiro cansado. — Mas agora que as gravações do filme já acabaram e ele já estreou, terei alguns meses de descanso. Talvez algumas entrevistas em programas estejam previstas nesses meses. Mas não acho que sejam muitas.
— Até suas férias são ocupadas dessa forma — ela comentou, rindo. Eu ri com ela.
— É, são um pouco — levei a mão para a gravata e a puxei, afrouxando-a um pouco. — E eventos como hoje são cansativos.
— Falando nisso, tem algum spoiler do filme para me contar? — ela pediu com as sobrancelhas erguidas e um sorriso engraçado no rosto.
— Vai ter que esperar para assistir — fiz uma cara séria para Elaine que riu.
— Ah, você é mau, Alan — ela protestou, encostando a cabeça para trás, mas puxando-a rapidamente para frente, devido ao impacto e a dor que sentiu.
— Aqui — levei minha mão para a presilha em seu cabelo e a tirei dali, soltando seus cachos que caíram em suas costas. Eu os ajeitei para que ficassem bem soltos e prendi uma mecha dos seus cachos atrás de sua orelha. Não resisti a vontade de acariciar sua bochecha, vendo-a prender a respiração e me encarar de uma forma diferente, surpresa.
— Obrigada — sussurrou para mim, me fazendo voltar a realidade e sair dos seus olhos. Devolvi sua presilha para ela, que abriu a bolsa e a jogou ali dentro.
— Você fica mais bonita de cabelo solto — ela deu um sorriso envergonhada.
Olhei para sua bolsa e deu para ver a foto do ator que ela pediu o autógrafo antes.
— Confesso que estou com ciúmes, você não me pediu um autógrafo quando te dei aquela carona e nem agora — com isso, Elaine voltou a me olhar nos olhos.
— É porque eu já tenho um autógrafo seu — uni as sobrancelhas, confuso. — O meu amigo Pedro pegou um autógrafo seu e deu para mim, no meu aniversário.
— O mesmo que conseguiu com que eu te desse aquela carona? — ela concordou com a cabeça. — Ele é um ótimo amigo.
— É, ele é sim. E hoje eu peguei dois autógrafos de dois dos atores favoritos dele. Vou entregar a ele quando eu voltar para o Brasil.
— Você continua adorável — comentei, vendo-a sorrir envergonhada novamente. — Eu senti falta de você — admiti.
— De mim? — Elaine estava incrédula com minha confissão. — Alan Rickman sentiu minha falta? Não acredito nisso.
— Por que não?
— Porque você é um homem muito ocupado para lembrar de uma simples fã sua.
— Uma fã ao qual eu me simpatizei e muito. Uma mulher que me conquistou com seu jeito sincero e doce. Uma mulher a qual eu ansiava rever.
— Está me bajulando demais, Alan, se continuar assim vou pensar que está apaixonado por mim — ela brincou, rindo.
— Me responda uma pergunta, Elaine, você tem namorado? — ela parou de rir e me encarou, surpresa, com a boca aberta.
— E-Eu — ela gaguejou, piscando várias vezes. — ... não. Eu não tenho namorado.
— Como isso é possível? — perguntei, me aproximando dela.
Elaine não respondeu minha pergunta, ela na verdade estava ocupada respirando de uma forma ofegante, enquanto trocava o olhar entre meus olhos e minha boca, que estava cada vez mais perto da sua.
— Quero deixar claro aqui, Alan — ela sussurrou, quando eu estava muito perto dela. — que eu não estou me atirando pra cima de você.
— Anotado — sussurrei em resposta, enfim selando meus lábios nos dela em um beijo lento.
Os lábios dela, tão convidativos, eram tão macios e saborosos, como imaginei que fossem. Quando me afastei dela, e a olhei em seus olhos, senti sua mão em minha nuca, Elaine me puxou para mais um beijo e dessa vez ela o aprofundou, pedindo passagem com a língua, que eu logo deixei adentrar minha boca.
O beijo começou lento, ambos aproveitando para apreciar o sabor da boca do outro. Ela tinha gosto de algo doce, não tenho certeza se era do batom que usou ou se foi algo que comeu, mas sei que estava uma delícia explorar sua boca com minha língua.
Eu a puxei pela cintura para mais perto de mim, e foi quando o beijo se tornou algo rápido e faminto, nos deixando sem ar. Ao nos afastarmos ela mordeu meu lábio inferior, puxando-o e soltando-o logo em seguida, e aquilo me deixou com vontade de beijá-la mais.
— Passa o Natal comigo — pedi, segurando seu rosto na mão, acariciando com o dedo a sua bochecha tão delicada e macia.
— Alan..
— Por favor — olhei em seus olhos. — Eu tenho uma biblioteca particular, com um sofá aconchegante, vários livros para ler e uma lareira para nos deixar bem aquecidos — Notei a surpresa em seu rosto quando fiz essa oferta. Eu a beijei novamente. — Por favor, fique comigo.
Se fosse necessário implorar, eu o faria.
— Eu me lembro que essa era a sua fantasia comigo — disse e ela sorriu para mim. — E então, você aceita?
— Como eu poderia recusar um convite desses, ainda mais vindo de você, Alan? — sorri largamente para ela e lhe roubei mais um beijo.
— Você me faz um homem muito feliz, Elaine — virei meu rosto para o motorista. — Mudança de planos, Jonah, vamos para minha casa.
— Sim, senhor — ele respondeu, já ligando a seta do carro para virar na próxima curva.
Eu puxei Elaine para os meus braços, a abraçando como daquela vez. Essa será uma viagem longa e eu vou aproveitá-la ao máximo.
— Esse é o melhor presente de Natal que já ganhei na vida — ouvi ela comentar, enquanto eu acariciava os seus cabelos.
— Eu concordo com você — beijei-lhe o topo da cabeça, sentindo ela me abraçar com força. — Feliz Natal, Elaine — entrelacei os dedos de nossas mãos.
— Feliz Natal, Alan — ouvi-la suspirar, contente e confortável aqui comigo, em meus braços.
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