OXIGÊNIO 01

Seus pés eram movimentados conforme o homem que depositava a mão firme em sua cintura conduzia. A sensação de que o oxigênio não está chegando o suficiente para que sua respiração se normalize era comum quando se estava nos braços de seu predador.

— Deveria me deixar conduzi-la sempre, querida. — a voz rouco do loiro soou em seus ouvidos. — Parece que quando está com outra pessoa, não consegue dançar como uma bailarina. — apertou a mão na cintura da ruiva.

Julieta Mancini, estava presa nas suas garras, como um animal tentando desesperadamente fugir da cadeia alimentar, para não ser o próximo a ser morto. Mas as suas respostas ácidas simplesmente não poderiam ser aplicadas naquele ambiente, em especial nessa noite, quando seu pai estava subindo a acessão novamente.

— Está certo, ninguém pode me fazer bailar como Agripina Yakovlevna Vaganova, a não ser você, Luigi Ferrari. — sorriu falsamente, enquanto sentia a mão quente do homem desenhando a maçã do seu rosto.

— Venero quando cita nomes complicados, minha bela. — ele sorriu.

A sensação de pânico voltou novamente, porque Luigi Ferrari estava longe de ser o cidadão de que ela mais sentia prazer em deslizar sobre o mármore de quartzito da Vinci, ainda mais quando não possuía o mínimo de conhecimento sobre cultura. E era detestável como o apelido que seu avô lhe dera saia da boca do homem, repugnante, a palavra correta para descrever a emoção.

Observou os passos lentos e requintado de Tommaso Mancini, com o terno Valentino feito especialmente para ele, imitando a farda da marinha, branco leitoso e enormes botões de ouro na frente, os seus ombros largos juntamente com a elegância da postura, trazia o ar de superioridade que ele tanto almejou. Ao seu lado, como um troféu de ouro, estava Giorgia Mancini, vestida à altura de pertencer à elite, com brilhos prateados ofuscantes por toda a extensão do vestido preto, jamais perdendo a formosura, ainda mais quando estava ao lado de seu pai.

Suspirou fundo quando Luigi a soltou do aperto, e voltou a sua atenção ao palco quando a música parou, a mulher caminhou dez passos de distância dele para que pudesse se recuperar de toda aquela negatividade.

Os passos firmes ecoavam por todo o salão, e olhares estavam sobre eles, a maioria presente ali possuíam o sentimento de emulação, mas no meio de toda a elite quem está no alto da pirâmide sempre é almejado por todos, principalmente quando era a segunda vez.

— Boa noite, senhores e senhoras. — o sorriso perfeito surgiu. — É com muita alegria que anuncio que mais uma vez conclui a candidatura com êxito, Milão sempre será a cidade que inflar o orgulho de Itália, bons cidadãos que buscam a melhoria. — passou a mão pelo cabelo como forma de enxergar as gotículas de suor que escorriam pela sua testa. — Com isso quero agradecer a cada um que depositou o seu voto ao meu favor, novamente prefeito.

As palmas explodiram depois daquela fala, Julieta aplaudia apenas para manter a boa aparência, com um sorriso falso e elegante no rosto, mas seus únicos pensamentos eram como ele havia conseguido ganhar? Porque não conseguia tirar da mente o papel branco com o levantamento das pesquisas sobre os candidatos que estava posto sobre a mesa no escritório de seu pai, Pasquale Bianchi liderava, por mais que as notícias que saíram no jornais fossem ao contrário, ela se encontrava no meio de impasse, porque sabia que não poderia confiar em quase ninguém que estava ali, apenas em Andrea Romano, seu único amigo.

— Você precisa disfarçar mais, sorria abertamente, minha doce abóbora. — a voz grossa sussurrou em seu ouvido.

A Mancini não precisava nem virar para saber exatamente quem era, o homem negro de olhos azuis.

— Estou tentando, meu querido. — Virou para encarar o homem que estava próximo ao seu corpo, como um escudo protetor com seu enorme corpo musculoso. — mas parece que estou mergulhando profundamente em um abismo.

— Se eu pudesse tirá-la desse lugar, faria agora mesmo, mas sabemos que teremos consequências severas com esse ato. — Bebeu um gole de espumante.

— Talvez seja uma bela noite em que o álcool possa me ajudar. — pegou uma taça de vinho branco, assim que o garçom passou lhe oferecendo e o virou o líquido em sua boca.

— Precisa ir com calma, a delicadeza de uma dama está no modo em como ela se comporta nos lugares, e nós dois sabemos como uma aristocrata que não pode agir assim. — ironizou, enquanto deslizava a mão sobre o pulso da ruiva.

— É notório achar que nasci no ambiente errado? — encarou os pais acenarem com majestade para o público.

— Deveríamos estar nos divertindo igualmente os outros jovens de Milão, mas ao invés disso estamos assistindo seu pai ser coroado. — resmungou enquanto ajeitava seu terno desenhado perfeitamente para si.

— Ah! Meu amado, Andrea. Vamos nos afundar juntamente com todos eles, esse é o nosso destino. — disse amarga.

A atenção da jovem se prendeu em Luigi que caminhava em passos duros na direção dos dois, com uma carranca que expressava exatamente o que ela mais detestava, ciúmes.

— Julieta, não deveria tocar alguma de suas belas músicas em homenagem a esse grande momento para os seus pais? — Luigi sugeriu com a voz calma, mas ela sabia que ele estava se controlando.

A mulher sabia que não era apenas uma sugestão, mas como um ato de afastá-la de seu melhor amigo.

— Está certíssimo, é uma ótima maneira para terminar essa maravilhosa noite. — e mais uma vez teve que sorrir forçadamente.

— Posso lhe acompanhar? — ele ofereceu a mão e encarou friamente Andrea.

Estava farta de ser tratada como um objeto nas mãos de seus pais e principalmente de Luigi, ainda mais quando demonstrava o poço de fuligens que ele era, ao ser racista e sempre deixar isso tão claro, que fazia o Romano se enfurecer toda vez que o homem estava presente.

— Infelizmente esta vez não, Andrea tem ensaiado comigo a alguns dias uma música para essa ocasião, ele irá me acompanhar. — entrelaçou sua mão na de seu amigo que esboçava um sorriso desdenhado.

— Insisto para que eu lhe acompanhe, afinal temos um timbre que combina. — tentou novamente.

— Meu caro, devemos deixar para outro momento, neste prefiro que Andrea esteja ao meu lado. — disse por fim.

Não esperou para escutar mais uma de suas objeções, a noite estava quase findando e não pudera ter um momento de alegria.

— Minha doce abóbora, adorei sua performance, mas estou preocupado porque não ensaiamos nenhuma vez juntos desde de quando éramos crianças. — apertou forte sua mão.

— Confie em mim, sairemos bem, afinal somos uma dupla desde sempre. — Piscou.

Julieta Mancini e Andrea Romano deslizavam como um casal naquele ambiente, o vestido longo dourado que se destacava porque combinava perfeitamente com as pilastras de ouro postas no cantos do salão, trazendo sobre si uma luz exuberante e entravam em contraste com a roupa preta do homem.

O piano estava posto em cima do palco, onde seus pais estavam ainda recebendo a fama que eles sempre desejaram.

— Minha amada filha, Julieta Esposito Mancini. — Apresentou o homem assim que a mulher deu o primeiro passo na escada. — Sempre esboçando sua lealdade comigo. — abriu o sorriso radiante no rosto.

"Lealdade", determinava que ela era fiel a ele, o que fez com que a garota sentisse algo preso dentro de sua garganta, naqueles dois últimos anos, a única palavra que não definia era ser leal, provavelmente submissa era a correta.

Encarou os olhos verdes que penetravam o seu rosto, logo notou a aprovação que ele enviava atrás do olhar, ele adorava quando Julieta se comportava como a herdeira de linhagem política de sucesso.

— Querido, pai. — O abraçou delicadamente. — Fico tão orgulhosa pela sua conquista, Milão terá novamente um prefeito que se importe com essa cidade. — Pronunciou alto para que todos ouvissem.

A quantos anos ela vem se tornando uma boa mentirosa? A resposta certa era no momento em que tinha apenas oito anos, Tommaso Mancini perguntou se ela havia brincado na hora do intervalo na escola ou foi a biblioteca estudar como ele ordenara, e " a biblioteca, querido papai" escapou tão rápido de seus lábios, que sentiu o nervosismos de mentir depois. Ele acreditou ou pelo menos fingiu que acreditou, porque naquela noite, seu pai a levou para comer gelato.

— Com sua permissão, Andrea Romano e eu, gostaríamos de homenageá-lo com uma música. — puxou o amigo mais para si e entrelaçou a sua mão sobre o braço dele.

— É claro, meus prezados. — deu passagem para que eles prosseguissem. — Desde crianças formando uma admirável dupla, assim como eu, o prefeito e Pietro Romano, vice prefeito. — apontou para o homem negro que estava perto do palco ao lado de sua esposa, Lina Romano.

Encarou os olhar vago de seu amigo ao encarar os pais, compartilhavam da mesma dor, foram criados para serem robôs, como sempre diziam " precisam ser perfeitos em tudo que forem fazer."

— O sole mio de Eduardo di Capua. — sussurrou no ouvido de Andrea.

— Bela dama, irá me fazer cantar uma música tão piegas assim? — resmungou carrancudo.

— Meu pai adora, não há nada melhor que terminar essa noite com ele satisfeito com a boa filha que ele possui. — retrucou.

As primeiras notas iam surgindo quando apertava as teclas do piano, a sensação de alívio tomou conta de si, fechou os olhos deixando que a música invadisse os seus pensamentos. Andrea cantava com ternura, sua voz era suave e aveludada, realmente era um desperdício não escutá-lo todos os dias.

A parte do refrão se iniciou, Julieta abriu os olhos e notou que os pais já não estavam mais no palco, procurou através de seus olhos azuis pela multidão, ao encontro da cabeleira loira do homem, e o observou no canto direito conversando com o vice prefeito, o olhar de preocupação era nítido em Pietro Romano, o que despertou a curiosidade sobre a mulher.

Percorreu o olhar por todo o caminho que eles faziam até o final do corredor, o toque da música ficou mais alto, fazendo com que seus dedos afundassem nas teclas, mas permanecia seus olhos fixamente na escada branca onde subiam os dois homens e logo atrás Alessandro Moretti, apoiador da campanha. Tinha algo de errado, e Julieta sentia isso, porque Tommaso Mancini nunca deixaria de aproveitar a noite em que todos os encheria de elogios, ele era narcisista demais para deixar isso passar.

Observou as veias do pescoço de Andrea saltarem quando entoava as últimas linhas da música, e desejou que terminasse o mais rápido possível, porque precisa saber o que estava acontecendo, não poderia conter sua curiosidade, principalmente agora que ela descobriu sobre uma possível fraude nessa campanha.

Levantou-se do banco de madeira que estava sentada para tocar o piano, rapidamente, os saltos que está usando colidiram com o chão, causando um impacto e a quase fazendo cair, se não fosse por Andrea que a segurou firmemente nas costas, conduzindo-a para fora do palco.

Romana Mancini passou por eles abrindo um sorriso falso, como todos que ela ofereceu a Julieta em toda a sua vida, quando era criança não compreendia sobre isso, até perceber que sua tia, lhe detestava, mas nunca foi capaz de saber o motivo, e resolveu agir da mesma forma em que todos da elite se comportavam, fingindo.

— Precisamos subir, nossos pais parecem estarem preocupados com algo. — sussurrou no ouvido do amigo.

— Julieta, não faça isso. Precisa deixar esses assuntos de lado. — Segurou firme em suas costas.

— Realmente desejava isso, mas não posso negar meus impulsos. — Desvencilhou de seus braços fortes.

Passou a mão forte sobre o vestido, caminhou em passos firmes e largos para a escada. Atravessou no espaço onde as pessoas prestavam atenção nas falas de Romana Mancini engrandecendo o irmão.

— Prima! — a voz grossa de Francesco atingiu seus ouvidos, a fazendo virar-se para si, assim que chegou no primeiro degrau. — Parece que Luigi Ferrari está convocando sua presença.

— Ah! Diga a ele que preciso ir ao toalete. — respondeu.

— Acho que seria melhor que fosse ao seu encontro, ele pareceu um tanto desesperado para lhe encontrar. Irei te acompanhar até lá. — ofereceu o braço esquerdo.

— Está certo, melhor resolver esse assunto tão urgente. — segurou em seu braço e olhou para cima, mas não tinha nenhum sinal dos homens.

Estava frustrada porque sua ida para o andar de cima havia falhado, mas também irada com Luigi, em todos os eventos estava se comportando dessa maneira, eles não tinham nenhum tipo de relacionamento, na verdade não eram amigos, porque Julieta tinha uma aversão ao homem, mesmo que os pais de ambos forçaram para que eles gozassem da companhia deles sozinhos.

— Tenho notado que este homem está sempre à sua procura. — Francesco pronunciou.

— Não diga tal coisa, estou enfadada com essa situação. — comentou revirando os olhos.

— Querida, prima. Lembre-se dos dizeres de nossa família, sentimentos são para tolos, os Mancini não se apaixonam. — disse em um tom baixo. — Sabe muito bem sobre os amores que tivera com outros rapazes, nunca lhe trouxe benefício, aliás apenas sofrimento para si.

Julieta Mancini nunca se teria sequer uma admiração por Luigi Ferrari, mas as palavras de seu primo estavam corretas, em nenhum momento as paixões que sentiu lhe trouxeram ações boas e ela sabia muito bem que não poderia amar, mesmo que um dia chegasse a casar, porque os Mancini não poderiam ser governados por sentimentos, são estratégicos e racionais.

Os fracos são dominados, enquanto nós crescemos e afundamos qualquer um que apareça para subtrair nossa grandeza.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top