Capítulo 35 - "Uma lembrança em específico"
A última vez que Nix fora pega de surpresa daquela forma, foi quando Willk a seguiu num de seus escassos dias de folga, quatro anos atrás. Ela havia saído da Fortaleza da Irmandade de forma sorrateira para encontrar um rapaz na Vila no Cervo Galhado, onde passou o dia e parte da noite. Visitaram a taverna local, onde se empanturraram de cerveja preta e, depois, passaram um longo tempo aproveitando o corpo um do outro. Aquela foi a primeira vez dela com um homem e Nix fez aquilo de forma planejada e premeditada, o total contrário da maneira impulsiva e apaixonada que se entregou à Thomas.
Crescer rodeada de homens vis e maldosos a fez perceber que o sexo feminino era considerado fraco, e que alguns achavam que as mulheres existiam apenas para satisfazer o desejo masculino. Ela sabia muito bem que nem todos pensavam assim, e seu mestre era um dos que pensavam diferente pois, afinal de contas, a colocou numa posição de prestígio em sua preciosa Irmandade. A questão é que Nix compreendeu bem jovem que seu sexo era uma fraqueza, e também aprendeu que deveria exterminar todas as suas fraquezas se quisesse ser realmente forte. Ela não poderia tornar-se homem de maneira mágica, mas poderia acabar com uma de suas fraquezas: sua virgindade.
Aquela inocência era algo que, no mundo cruel em que vivia, poderia lhe ser tirada à qualquer momento, então preferiu ela mesma entregá-la ao primeiro rapaz gentil que conheceu. Não foi nada espetacular, na verdade ficou um pouco decepcionada pois esperava que fosse mais especial e significativo. Agora, quatro anos depois, ela percebeu que o que fazia daquilo um ato marcante não era apenas o desejo, mas sim outras dezenas de sentimentos que vinham antes dele. Na ocasião, depois de despedir-se do rapaz que nunca mais tornou a ver, ela seguiu até seu cavalo pensando que sexo era algo superestimado e que o furor ao redor do assunto era excessivo. Foi por estar perdida em divagações que Willk conseguiu surpreendê-la. Ele chegou por trás e prendeu seu pescoço numa chave de braço que ela ainda não tinha habilidades para se livrar.
-- Que merda você fez, garota? -- ele rosnou em seu ouvido.
-- Mestre! -- ela ficou apavorada e seu medo estava evidente em sua voz.
-- Responda! -- gritou -- O que aconteceu entre você e aquele homem?
-- Acho que o senhor sabe o que aconteceu.
Ele a soltou e a virou para encará-lo, mantendo as mãos em seus ombros num aperto raivoso. Os olhos azuis dele, gélidos e furiosos, a perfuravam, e seus cabelos louro claro brilhavam quase acobreados na luz da lua cheia.
-- Ele se forçou sobre você? -- perguntou ainda a mantendo cativa -- Diga logo que eu irei esquartejá-lo imediatamente se...
-- É claro que não! -- o interrompeu -- Eu me entreguei à ele, Willk.
-- Maldição, Nix! Que droga pensou que estava fazendo? Perdeu o juízo, garota?
-- Eu só segui suas ordens, mestre. -- explicou -- Agora tenho uma coisa a menos para ser roubada de mim.
As mãos dele em seus ombros suavizaram o aperto, e a agressividade em sua carranca tornou-se abatida.
-- Não foi isso que eu quis dizer em nossas aulas sobre fraquezas! Não era isso que eu tinha planejado para você, Nix! Onde estava com a cabeça?
-- Como assim planejado para mim? -- perguntou confusa.
-- Acha que não tenho planos para você quando eu recuperar o que é meu? -- a soltou e passou as mãos pelos cabelos, exasperado -- Mas o que está feito, feito está. Eu entendo suas motivações e estou disposto à esquecer isso. Só espero que não esteja carregando um bastardo.
-- Não estou. Ao contrário do que pensa, eu me planejei para isso, mestre. Rosene me disse como evitar um bebê.
-- Rosene sabia o que iria fazer? -- rosnou irado -- Maldita cozinheira!
-- Ela não sabia, Willk. Por favor não a castigue!
-- Não me peça isso, pois ainda estou tentando não castigar você! Garota insolente!
-- Pode me castigar, se quiser. Mas Rosene não teve culpa.
Ela baixou os olhos para o chão para evitar irritá-lo ainda mais. O silêncio reinou por alguns instantes enquanto esperava que Willk o quebrasse. A serva obediente às vontades de seu mestre.
-- Não, eu não posso. -- ela levantou os olhos até ele -- A vida é sua, afinal de contas. E eu preciso aceitar que não é mais a menininha esfomeada que tentou roubar as moedas do meu bolso anos atrás. Você é uma mulher. Quantos anos tem, mesmo? Vinte?
-- Sim, mestre.
-- Eu também tinha vinte quando meu pai me deserdou. Aquele velho maldito! -- cruzou os braços e relaxou a postura -- Bem, suponho que seja a idade das mudanças. Sente-se diferente?
-- Não.
-- É por que não está, garota! Mas seu maior erro esta noite foi ficar desatenta enquanto passeava por aí, certamente pensando na sua aventura desta noite. O que eu lhe disse sobre emoções, Nix?
-- Que são fraquezas que atrapalham os sentidos.
-- Sim, e você deve trabalhar mais em contê-las antes de de ficar se deitando por aí com outro homem qualquer. Entendido?
-- Sim, mestre. -- agora que tudo estava resolvido, não conseguiu conter sua curiosidade -- Mas, e se eu quiser me deitar com uma mulher qualquer?
-- Bem, pelo menos isso me tiraria a preocupação de que você gere um bastardo à qualquer momento.
Ela sorriu para Willk. E ele retribuiu. Não com um sorriso nos lábios, mas no olhar. Era assim que seu mestre sorria e poucos eram capazes de perceber. Nix admirava seu controle, sua perspicácia, sua sabedoria e sua força. Quando ela não tinha nada, ele apareceu e assumiu um papel importantíssimo em sua vida. O de pai. Ele nunca lhe dissera que a considerava uma filha, mas Nix sentiu aquilo com surpreendente clareza naquela noite.
-- Agora vamos comer alguma coisa, eu estou faminto já que perdi o jantar para seguir você.
Eles seguiram até a taverna e comeram e beberam. Não conversaram muito, já haviam dito o suficiente um ao outro. Mas foi bom. Confortável. Ela duvidava que seu mestre fizesse aquilo com frequência com qualquer um dos Irmãos e se sentiu especial por aquilo. Nix ja era extremamente leal à Willk na época, mas naquela noite aquilo se intensificou. Ela se empenhou em nunca mais decepcioná-lo, em ser exatamente quem ele queria que ela fosse, em merecer o que ele havia planejado para ela. Claro que, na situação atual, o que ele tinha planejado para Nix era tortura até a morte devido à sua traição.
Mas Willk não teria esse prazer, disso ela tinha certeza. Pauline a encarava com um olhar mortal que não deixava dúvidas sobre a sua intenção de matá-la com requintes de crueldade. Não sabia exatamente a razão de, dentre tantas lembranças, sua mente escolher justamente aquela em específico. Talvez fosse sua maneira de se despedir do que Willk um dia foi para ela, já que seus outros pais estavam mortos e ela logo se juntaria à eles. Apenas esperava ser forte o suficiente para salvar Thomas antes de morrer nas mãos de Pauline.
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