Liberdade
10 de setembro de 2006
Como diz o velho ditado, tudo que é bom dura pouco.
Cheguei a Savannah e a cidade parecia estar mergulhada em uma calmaria, tudo tão calmo que por um segundo, desconfiei se realmente havia um demônio por aquelas bandas.
Mas logo a desconfiança fora jogada fora, quando Matilda Soares, uma mulher mexicana de meia idade veio ao meu encontro.
Ela despejava milhares de lágrimas enquanto relatava as mudanças no comportamento de seu filho.
Estava tendo atos libidinosos, olhares e toques lascivos.
Segundo ela o filho naquela manhã tinha a chamado pelo seu nome com uma voz grossa que nunca poderia pertencer à uma criança de nove anos.
Meu coração bateu mais rápido quando ela disse que Benjamin, seu filho, tinha apenas nove anos.
Que pecado uma criança dessa idade poderia ter cometido para ceder tal espaço ao espírito?
Afinal, possessões só ocorrem quando o demônio, encontra uma brecha, na maioria da vezes um pecado ou algo do tipo.
Eu a segui até sua casa, e quando chegamos na pequena residência tive que conter Matilda. Tinha sangue espalhado por todo o chão da sala e o garotinho com feições latinas, estava sentado no sofá.
Ele nos dirigia um sorriso sádico, tinha os braços abertod em nossa direção como se nos convidasse a nos aproximar, em sua pele haviam diversos cortes espalhados em suas pernas, braços e barriga, mas ele parecia não se importar.
— Mamãe trouxe ajuda?
Fora a pergunta dele em um tom grave de causar arrepios por todo o corpo.
Eu me lembro do momento em que ele arrastou a navalha por toda a extensão de seu braço, abrindo ali uma ferida que jorrava sangue.
Seus olhos estavam negros e ao me aproximar dele senti um cheiro se desprender de seu corpo, um odor terrível e insuportável, o cheiro que pertence ao mais profundo do inferno
Enxofre saia de todos os poros do garotinho que no momento cheirava a inferno.
— É muita loucura para poucas paginas. — Nora alegou em um suspiro.
— Acho que vai de mal a pior. — Carter alegou em meio a um suspiro
— Carter nos estamos vivendo uma verdadeira história de terror. — Nora arregalou levemente os olhos. — Ontem um demônio veio nos fazer uma visitinha e isso não é algo comum e nem legal.
Ela bufou se afastando do diário.
— Acredita mesmo na idéia de que um demônio possa ter vindo até nos? — Carter questionou cético.
— Alguma outra sugestão para olhos negros, força, voz grave e o fato de que ele sabia seu nome sem ao menos te conhecer... — Nora suspirou. — Ele também sabia sobre o diário. Alguma outra sugestão?
Carter suspirou passando as mãos pelos cabelos em uma tentativa de alinha-los.
— Quer parar um pouco a leitura?
— Não. — Nora sorriu de canto. — Vou buscar um café para nós, pode continuar sem mim. — Anunciou se levantando.
Ele suspirou assim que a porta se fechou. Nora e ele passaram uma noite discutindo se Carter pararia ou não a leitura, por fim, decidiram que leriam juntos.
Seus olhos se fixam nas páginas esmaecidas e ele dá continuidade a leitura.
Eu me empenhei ao máximo para tirar aquele demônio com rapidez.
Mas foram nove longos dias trancafiada na casa.
Orações de exorcismos de diversas línguas e religiões foram utilizados por mim e pelo padre George, água benta, crucifixo e mais uma centena de coisas.
No começo do décimo dia o demônio cedeu, e se retirou.
Eu corri até o corpo de Benjamin que estava estendido na cama, amarrado.
Eu senti uma parte de mim se quebrar e um imenso vazio se instalar, quando me dei conta de que teria que passar em floricultura novamente.
Tudo que é bom dura quase nada.
Carter suspirou, sentindo-se penalizado por Margareth e pelo sentimento de culpa que havia naquelas palavras.
Margareth culpava-se pelas mortes, e aquilo era tão certo como a água era líquida.
— Como terminou? — Nora adentrou na sala, com dois copos de café em mãos.
— O garoto morreu. — Carter alegou pesaroso.
— Uma pena. — Ela lhe estendeu o copo.
— Ai consta o nome completo dele? — Benjamim maneou a cabeça em confirmação.
— Benjamim Soares. — Carter diz depois de uma breve releitura.
Nora suspirou, sentando-se a mesa do computador e amarrando seus cabelos castanhos em um coque.
— Vou pesquisar sobre ele, continue lendo. — Ela ordenou.
Carter apenas obedeceu retornando a leitura dessa vez em voz alta.
11 de setembro de 2006
Hoje pela manhã, quando passei em frente a floricultura eu decidi adentrar em lanchonete e comer algo diferente.
Mas para ser sincera eu apenas estava fugindo. Procrastinando o momento de perdoar me com Matilda. Falhei com seu filho, portanto, falhei com ela.
Para minha surpresa, assim que sentei em uma mesa qualquer e fiz meu pedido, um homem se aproximou.
Ele tinha um porte elegante, os cabelos loiros estavam penteados para trás, extremamente alinhados.
Os olhos azuis me olhavam como se quisessem descobrir meus pecados mais ínfimos.
Ele me cumprimentou e o tom de voz rouco mecheu comigo, não de forma sexual, como se eu me sentisse atraída por ele.
Para ser sincera, ele despertou algo desconhecido em mim, deu me uma sensação nova.
A mesma sensação que um passarinho que passou a vida toda enjaulado sente ao ser liberto.
Eu me sentia livre.
Era como se sua presença perto de mim, tivesse despertado algo dentro de mim, algo que eu nem sábia que existia.
Conversamos pouco, já que suas palavras deixaram claro que ele sábia quem eu era e o que eu fazia.
Seus olhos que antes pareciam tentar me desvendar, em um piscar de olhos, pareciam saber tudo sobre mim.
Eu saí do estabelecimento e corri até a floricultura. O cheiro de flores frescas era extremamente deliciosa e eu peguei a que mais chamou a minha atenção.
Girassóis, combinavam tanto com a face do garotinho que eu deixei partir.
Eu fui até a casa da família Soares, minha intenção era apenas deixar as flores na porta e me retirar, porém Matilda estava sentada no gramado do jardim.
Olhar distante a encarar o céu e lágrimas a escorrer por sua face em um choro silencioso.
Eu esperava uma péssima recepção, xingamentos e culpas pela morte de seu filho, mas o que aconteceu me surpreendeu.
Matilda correu em minha direção e me abraçou como se eu fosse um anjo.
— Você me salvou, fez de tudo por meu filho. Não te culpo, culpo o demônio, então não se culpe também. Obrigada Margareth.
Suas palavras abafadas em um sussurro, foram sim capazes de tirar o peso da culpa de minhas costas.
Eu lhe entreguei as flores, dei as costas e parti sem olhar para trás.
Mais uma morte que estaria marcada em mim, eu me lembraria de Benjamim e sua mãe até os últimos dias de minha vida, porque certas coisas, são impossíveis de serem esquecidas!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top