Capítulo 26
A DOR QUE ACOMPANHA MAURÍCIO
Maurício estava sentado num dos vários bancos de madeira envernizados que existiam pelo espaço externo da universidade. Estava de fone, como de costume, escutando a mesma música pela terceira vez, totalmente alheio ao que estava acontecendo ao seu redor. Em seu pensamento era basicamente em como e onde Otávio estaria. Ele já estava prestes a passar de ano e agora, podia relaxar, já que tinha notas suficientes e não necessitava correr atrás dos professores para fazer trabalho extra. Estar ali e saber que não precisaria fazer trabalho extracurricular, já era um conforto. Resolver se focar nos estudos e agora, felizmente poderia relaxar, enfim!
Foi assim que Guto o encontrou. Sentado, em um dos bancos, abraçando seus joelhos dobrados, encostados no peito e de olhos fechados, com seus fones de ouvido de sempre.
- Vai ficar assim, até quando, Maurício? - Falou em frente ao cacheado. - Até parece que tá de luto!
- Você está impedindo que os raios do sol cheguem até mim. Com licença? - Disse, de olhos fechados.
- Para de sentir pena de si mesmo, cara! Vamos sair sábado? - Falou todo animado, sacudindo os joelhos do outro com as duas mãos.
Maurício sabia que se não respondesse, ele não o deixaria em paz. Tirou os fones, sem pressa, abriu os olhos e o encarou, com a cabeça levemente inclinada.
- Não estou sentindo pena de mim, garoto! Estou curtindo a música, minhas férias que estão chegando, minha liberdade. - Voltou a fechar os olhos.
- Uhumm... sei... - Se aproximou ainda mais dele, deixou-o na sombra que seu corpo fazia.
- Por que você insiste tanto, Augusto? - Falou, sem se afetar com o outro.
- Será porque te amo? - Abriu os braços em rendição.
Maurício abriu os olhos, soltou o ar demoradamente, procurando as palavras certas e o encarou, sério. Sabia bem que nada que dissesse, mudaria o jeito do outro. Guto não ia sair do pé dele, até que este fizesse algo. Fez uma careta, tirando os fones.
- Às vezes tenho vontade de matar você. - Guardou os fones na mochila. - Só não faço porque é bem capaz de voltar do túmulo para encher meu saco, pedindo que vá levar flores!
O outro riu, se sentando do lado dele.
- Bora tomar um sorvete? - Disse, passando o dedo em um dos cachos teimosos.
Maurício se encolheu, evitando o contato. Ele não queria mais brigar com o garoto de cabelo colorido. Se não fosse por ele, estaria, no mínimo, morando na Europa ou estudando em um internato ou até vivendo como um prisioneiro no seu próprio quarto! Mesmo assim, aquilo não era motivo para simplesmente esquecer Otávio totalmente.
- Tô pensando em como te dar um fora, mas nada vem à mente. - Disse, sem muito entusiasmo.
Já haviam se passado meses e, a única vez que soube notícias dele, foi através da sua mãe, contando que conseguiram provar a inocência do loiro. Mas, nem ele, nem Carlos tentaram entrar em contato com ele. Aquilo era o que mais o machucava. Depois de tudo, não se deram o trabalho de falar com ele e contar tudo que havia acontecido durante todo aquele tempo. No fundo, se sentia tão traído. Estava tão magoado, que não fazia ideia de continuava esperando por ele ou desistia de vez.
"Melhor assim! Será mais fácil esquecer tudo!" - Pensou, tentando se conformar.
- Que fumacinha é esta, saindo do seu ouvido, Mau?
- Nada. Só pensando em seguir minha vida e largar com esta ideia de querer ver Otávio de novo. - Mordeu a boceja, instintivamente.
- Tá tentando enganar quem, Maurício? O Otávio "otário" simplesmente não sai dos seus pensamentos! - Guto disse, se levantando, limpando o pó das calças com as mãos.
- Pela primeira vez na sua vida, você tem toda razão! - Riu.
- Eu sempre tenho! - Riu de volta. - E aí, lindão? Vai ficar calculando o peso da torre de Pisa ou vai tomar sorvete comigo?
Maurício o encarou, voltando a ficar desanimado.
- Eu só queria me deitar em posição fetal, Guto... - Segurou o queixo com as mãos.
- Olha aí! Este é um dos sintomas do "ai, ai, pobrezinho de mim". - Olhou -o sério, mudando o tom de voz. - Alguma notícia do loiro oxigenado?
- Ele não é oxigenado, Guto! E a resposta é não, infelizmente. Queria tentar ligar para o amigo dele.
- O japa-não-saio-nem-com-guindaste?
Maurício virou pra ele e não aguentou, rindo alto. Seus cachos negros sacudiam, brilhando contra os raios do sol. Tinha que concordar que, se não fosse ele, teria morrido de tédio e desespero.
- De onde você tira essas bobagens, Guto? - Rindo alto. - Vou aceitar o sorvete, só por conta do apelido novo para o Carlos, viu!
- Ah, fala sério! Ele não é mesmo um tesão? Eu pegava fácil, apesar de ser todo tiozão!
- O Carlos não é todo tiozão! - Ria, empurrando o amigo. - Ele é bonitão mesmo, mas... tiozão? - Fazendo uma careta.
- O jeito de se vestir. Parece diretor de escola coreana! - Gargalhava. - Maass... eu pegava na katana dele!
- Meu Deus, Guto! Agora nem sei como vou encarar o cara! Vou lembrar desse papo, toda vez que ele surgir! - Riu.
- Isto se ele aparecer, né? Sim, porque para encarar alguém, ela precisa estar frente a frente com a gente e....
- Afs! Cala a boca, Guto! - Cortou a frase dele. - Não me faça desistir! Até pouco tempo atrás, você odiava o sujeito e agora, acha o cara um tesão. Vai entender! - Riu, dando um empurrão no outro.
- Bora, então! Não falo mais nada! - Virou pra ele, fazendo um gesto com os dedos nos lábios, imitando um zíper.
Foram andando em direção a sorveteria, com passos apressados, rindo de outras bobagens que Guto ia contando. Maurício ria e sacudia a cabeça. Para quem os visse, pareciam dois amigos, despreocupados com os problemas que a vida impunha. Foram andando com suas mochilas nas costas e dividindo os mesmos fones, sorrindo, distraídos. Mauricio tentava disfarçar a saudade que ia aumentando cada vez mais, para não ter que dar explicação às pessoas.
Entraram na sorveteria, se sentando perto de uma das janelas que dava para a rua movimentada. Olharam os sabores, decidindo qual deles iriam pedir.
- Bom! Eu vou querer de pistache com chocolate e menta. - Disse, o de cabelo colorido. - E você, meus cachinhos de ébano?
- Afs! Não sou seus cachinhos, seu ridículo. Eu vou querer baunilha e morango. - Largou o cardápio, decidido.
- É sério isso? Baunilha e morango? Dá pra tentar ter mais criatividade? Eu, hein!
Chamou a atendente e fez o pedido. Ela anotou em seu bloquinho rosa e saiu sorridente com os cardápios na mão.
Os dois ficaram falando das últimas matérias e de como Guto estava se sentindo em repetir o último ano na faculdade.
- Não entendo você, Guto! Por que não termina logo e se safa da faculdade? Por que desistiu das duas últimas cadeiras? Vais ter que fazer ano que vem, agora!
- E deixar você sozinho, quando mais precisa de mim? Nem pensar! - Guto revirava os olhos, enquanto falava, dando um ar mais teatral às palavras.
Maurício ficou olhando para ele, sem dizer nada. Queria que tudo tivesse sido diferente. Inclusive as escolhas terríveis que Guto fez, colocando até a amizade deles em jogo.
- Eu sei bem o que estás pensando agora, Mau. Eu pisei na bola, realmente. Fui um otário, sem noção e idiota! Só que estou tentando melhorar. Se você soubesse como me arrependo das cagadas que eu já fiz... - Falou sério, olhando Maurício nos olhos.
Augusto fez uma pausa, assim que percebeu que a moça de roupa verde limão com detalhes imitando granulados coloridos, se aproximou com uma bandeja e delicadamente largou as taças de sorvete e dois copos de água gelada, que sempre acompanhava os pedidos.
- Se precisarem de mais alguma coisa, é só me chamar. Meu nome é Ana.
- Valeu, Ana. Muito obrigado. - Disse Maurício, sorrindo.
Ela retribuiu com outro sorriso, se afastando da mesa deles.
- Mas que safadinha... Você viu o sorriso que ela te deu? - Guto ainda olhava a jovem se afastar e ir atender outra mesa com quatro adolescentes.
- Para, Guto! - Disse o encaracolado, metendo a colher no sorvete. - Você não tem conserto mesmo. - Riu.
- Mas, mudando de assunto. Você teve notícias do tal Carlos ou do insuportável do Otávio? - Disse, terminando sua taça de sorvete, já derretido.
Maurício soltou a colher, dando um suspiro fundo. Queria dizer que sim. Que Carlos ligou, lhe dando boas notícias, que Otávio estava para aparecer a qualquer momento e o levaria para bem longe dali. Nem lembrava mais quantas vezes sonhou com cenas assim. Chegou a escrever um mini conto para um trabalho da faculdade, contando sobre o reencontro tão esperado. Olhou as próprias mãos, sem coragem de falar qualquer coisa. Sabia que ia acabar chorando.
- Ok! Esquece! Não vamos nos entristecer! Xô, depressão! - Falou, estalando os dedos, como para afastar os pensamentos ruins do cacheado.
- Nenhum dos dois, Guto. Pensei que, assim que Otávio saísse da cadeia, viria me ver ou tentar mandar alguma mensagem. Um sinal de fumaça, dizendo que ele estava bem, que não era para me preocupar. Mas... - Engoliu seco, tentando empurrar com a saliva o nó preso na garganta.
- Mas vamos pensar juntos. De repente, ele está tentando se arrumar, organizar a vida... - Guto disse enquanto dava um gole na água. - Ou até tentando te proteger dele. Vai saber!
- Me proteger de quê?! Não faz sentido! - Murmurou.
Guto queria tanto que o cacheado esquecesse o outro e lhe desse uma chance. Ficou olhando e pensando em como poderia fazer para arrancar o loiro do coração de Maurício.
- Te proteger dele mesmo, Mauri. - Disse finalmente.
- Me proteger dele mesmo? - Repetiu, franzindo a testa.
- Olha só, Maurício. Ele deve estar tentando evitar de te trazer mais dores de cabeça. - Agitou os braços, impaciente. - Ele quer que você o esqueça. Pronto, falei!
Os olhos arregalados de Maurício, foi de total surpresa a uma completa confusão. As órbitas agitavam-se de um lado para o outro, tentando compreender as palavras ditas com a situação atual em que ele se encontrava. No fundo, ele desconfiava realmente disso, mas não queria acreditar.
"Não... Otávio não faria isto. Não ele!" - Pensou.
Rapidamente seus pensamentos foram de uma inércia de saudades, para uma dor dilacerante no peito. Não queria acreditar naquilo. Mas, fazia muito sentido e não podia culpá-lo.
- Se eu não tivesse tido aquela ideia ridícula, se eu não tivesse convencido ele... - Sussurrou, segurando as lágrimas. - Ele não teria passado por tudo aquilo.
Augusto se calou. Plantou a semente da dúvida no coração do encaracolado e agora, só precisava regar aos poucos, até que o amor morresse. Era só uma questão de tempo.
- Vamos embora? - Disse, controlando a vontade de rir.
Maurício, que olhava seu sorvete derretendo na taça, não falou nada. Se tentasse, provavelmente sua voz saiu trêmula e a última coisa que desejava era mostrar para o de cabelo azul o quanto sabia que ele estava certo.
- Preciso ir pra casa e terminar um trabalho. - O encarou. - Mas, valeu pelo sorvete, Guto! - Dos seus lábios, surgiu um arremedo de sorriso, na vã tentativa de esconder o turbilhão de emoções.
Mas Augusto, no fundo, sabia bem. Retribuiu com outro sorriso. Só que mais largo, carregado de satisfação.
"Logo, logo, ele esquece aquele loiro insuportável!" - Pensou, se levantando e indo até o caixa, pagar os sorvetes.
Em alguns minutos, os dois rapazes estavam andando pela calçada, em direção a um shopping. Augusto deu uma desculpa para comprar uma calça jeans e convenceu o outro a acompanhá-lo.
Ele ia contando as mudanças radicais que fizera no apartamento e em como pretende mudar suas atitudes. Maurício só ia concordando, sem prestar muita atenção naquilo tudo.
Guto percebeu, mas não se importou. Na verdade, até gostou de saber que as suas ponderações tinham peso dentro do outro. Ele só não contou que Carlos entrou em contato com ele, pedindo o número novo de Maurício e dando notícias sobre como Otávio estava e como poderiam combinar um dia para que estes pudessem se falar, mesmo que rapidamente.
Logo lembrou da ligação de Carlos, no meio da noite, há dez dias atrás.
- Alô, Augusto? Tudo bem, cara? Eu não vou me estender muito e ser direto. Você teria como dar um recado para o Maurício? Avisa ele que Otávio está bem e com saudades.
- Carlos? Ah! Oi!
- Oi... Dá o recado para ele e daqui alguns dias eu volto a te ligar, pra saber mais sobre ele e quando e onde eles poderão se encontrar. Tudo bem?
- Então! Olha só, cara. O Maurício está em período de provas finais e tem ainda a marcação cerrada dos pais. Mas, assim que der, dou seu recado e te aviso, ok? Beijo, lindão! Até mais!
- Hum... Certo. Entendi. Não tem problema, garoto. Apenas não esquece de dar o recado.
- Não vou, não.
Desligou, sem esperar a resposta. Se conseguisse manter Otávio bem longe das vistas do Maurício, poderia, aos poucos, conquistá-lo. Decidiu que era a vez de ele fazer o cacheado muito feliz, coisa que o loiro não conseguiu.
- E este sorriso, hein? - Perguntou, Maurício.
Ele se virou para o amigo, abrindo ainda mais o sorriso, jogando o braço por sobre o ombro deste.
- Não é nada, não! Só uma bobagem que me lembrei, aqui! Bora comprar uma calça nova! Quer ver eu experimentando? - Piscou.
- Nem a pau! - Riu, se desvencilhando do abraço do amigo.
Entraram os dois numa loja de departamento, onde havia vários modelos de jeans e camisetas. Todas do estilo que Augusto gostava.
Sem perceberem que um par de olhos negros os seguia de longe...
(2298 palavras)
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