Capítulo 2

O CUBO DE ACRÍLICO


     Na manhã seguinte, Otávio já estava na mesa posta para o café da manhã quando a família Dutra apareceu.

- Bom dia. - Sorriu, educado.

- Bom dia.... - Maurício murmurou.

Tinha o rosto ainda um pouco inchado do sono, o deixando ainda mais adorável.

- Seu cabelo tá todo bagunçado! - Letícia tentou arrumar os cachos do filho, que fez uma careta.

- Deixa o garoto, Letícia! - Roberto sentou na mesa.

- Bom dia a todos! - Cecília apareceu sorrindo grande. - Hoje o dia será mais livre para conhecerem um pouco do local e da pousada. Se quiserem podem visitar a cidade também. - Enquanto explicava, colocava algumas geleias caseiras em cima da mesa.

- Posso levar quem quiser visitar a cidade. É só me pedir. - Amada se dispôs olhando os moradores temporários.

- O que vocês acham? - Maurício disse olhando seus pais.

- Melhor do que ficar sem nada para se fazer. - Sua mãe ponderou.

- Acho uma boa ideia. - Roberto concordou.

- Que ótimo! Fico feliz que eles estão animados para conhecerem essa cidade! - A garota sorriu grande. - Vocês vão querer ir? - Olhou o casal.

- Nós vamos nos aventurar um pouco sozinhos. - A mulher disse simpática.

- Otávio, vai querer nos acompanhar?

- Ah... eu prefiro ficar. - Sorriu pequeno. Não queria ver outras pessoas.

- Bom! Se mudar de ideia, tenho um telefone de táxi no balcão. - Cecília disse o olhando. - Sempre a disposição a todos na verdade.

Todos conversavam um pouco sobre cada coisa, sobre suas origens e gostos bobos.

Otávio precisava admitir para si mesmo que acabava mais prestando atenção em Maurício do que no resto. O jeito empolgado e até, de certa forma, ingênuo dele parecia um imã para seus olhos.

Também precisava admitir que fazia perguntas sobre opiniões bobas como "Qual sua estação favorita do ano?" Ou "Por que sua cor favorita é verde?" Apenas para ouvi-lo divagando. Era uma voz boa de ouvir, aveludada e que o distraía de seus próprios pensamentos.

Quando o café da manhã terminou, os hóspedes subiram para fazerem suas higienes e quem fosse sair, se arrumasse para enfrentar o dia que teriam.

Otávio suspirou ao fechar a porta e encontrar-se sozinho. Talvez ele devesse ter aceitado ir visitar a cidade. Conversar com os dois jovens, talvez descobrir alguns costumes que não conhecia, mas seu mecanismo de defesa foi mais rápido ao negar. Agora, não tinha coragem para descer e dizer que mudou de ideia.

Sentou na cama e não sabia dizer quanto tempo ficou daquela forma, pois ouviu a porta da frente abrir e algumas vozes abafadas serem ouvidas, pareciam falar sobre alguma rota que fariam.

O loiro passou a mão no rosto e puxou o próprio cabelo para trás. Deitou na cama e encarou o teto, pensando que talvez ficar sozinho fosse seu destino, depois de tudo que fez.

A família Dutra e Amada esperavam o táxi que chamaram para aparecer.

- Tenho certeza que vão gostar do local. - Disse animada.

- Não nego que tô super curioso pra saber se a comida é boa. - Maurício riu.

- Devo dizer que sim, mas a da vó é bem melhor! - Riu

Os dois ficaram conversando até o veículo aparecer. O motorista já era um conhecido de Cecília e consequentemente de Amada, que o cumprimentou ao entrar no carro.

Os adultos conversavam com o homem junto a garota para verem onde pararam.

Maurício olhou para cima, vendo que Otávio estava na janela, encostado no parapeito e observando a paisagem. Corou ao ser pego encarando. Desviando o olhar rapidamente, sendo salvo pelo carro saindo do local.

O quarteto desceu na praça da pequena cidade, alguns bancos para sentar, árvores e uma feira ao lado.

- Venham, quero que conheçam a nossa feira. Tem muito artesanato. - A garota sorria grande, pois amava aquele lugar.

Depois de umas duas horas, na pousada, Otávio bufou levantando da cama e descendo as escadas.

Estava com uma bermuda jeans desbotada e uma camisa lisa. Além de óculos escuros pendurados na peça.

"É ridículo eu sair de casa para ficar em outra cama! Preciso acordar pra vida!" - Pensou, enfim.

- Dona Cecília? A senhora tem o número do táxi, por favor? - Perguntou ao se aproximar do balcão.

- Claro, meu filho! - Sorriu. - Deixa que eu ligo, tem desconto. - Riu pegando o telefone fixo e discando o número. - Oi, preciso de um carro, por gentileza? Obrigada!

Depois de alguns minutos de conversa, a senhora desligou o telefone.

- Já vai chegar, logo. - Disse o olhando. - Vais sozinho?

- Ah sim! Eu prefiro assim. - Deu de ombros. - Se me encontrar com o pessoal por lá, vai ser mais divertido.

- Espero que goste daqui querido. - Sorriu.

Assim que o carro chegou, Otávio entrou, o cumprimentando.

- Pra onde, rapaz?

- Não sei, pra ser honesto. - Franziu a testa. - Centro da cidade, talvez?

- Vou deixá-lo na praça. Está tendo uma feira muito boa. - Começou a dirigir.

Ao chegarem, Otávio o entregou o dinheiro, olhando para a movimentação na tal praça.

- Seu troco, moço.

- Pode ficar. - Sorriu, educado.

Saiu do carro, colocando os óculos e olhando em volta, em dúvida qual caminho tomar.

Se aproximou da feira, vendo algumas bancas que tinham no local. O barulho eram pessoas conversando, tentando vender seus produtos, cachorros latindo e crianças chorando ou rindo. Nada fora do normal para uma feira.

Olhava alguns artesanatos quando ouviu a voz de Amada. Olhou para trás procurando e viu a garota junto a família.

Estavam andando e comendo sorvete, menos Letícia que tomava água.

Otavio suspirou pesadamente, pensando se deveria se aproximar ou não. Aquela pergunta foi respondida por Maurício que o olhou e sorriu o cumprimentando.

Se aproximou da família e com seu sorriso educado que dava a todos, os cumprimentou.

- Resolveu vir conhecer aqui, afinal? - Amada perguntou.

- Sim. Melhor do que ficar mofando na cama. - Riu baixo.

- Como nosso filho! - Roberto disse rindo. - Maurício passa todo tempo no quarto, não sai pra nada!

- Eu fico jogando.... É diferente. - Murmurou.

- Joga o que? - Otávio nunca se interessou por essas coisas, nunca teve tempo para ser um adolescente comum. Mas novamente, fazendo perguntas para o ouvir falar.

- Ahn, online, sabe? - Balançou a mão livre tentando explicar.

Por algum motivo, se sentia nervoso perto do mais velho. Talvez por ter visto o que não devia. E ele com aqueles óculos escondendo seus olhos piorava tudo. - Vários deles na verdade.

- Deveria sair e ir para umas festas, garoto! - Letícia revirou os olhos. - Me dá agonia vê-lo no quarto todo dia!

- A gente pode parar de falar como eu não tivesse vida social? - Maurício cerrou os olhos.

- Melhor ficar em casa do que se metendo com gente errada. - Amada disse despreocupada.

- Ela tá certa. - Otávio tirou os óculos. - Vocês já viram muita coisa? Eu nem sei por onde começar. - Riu.

- Íamos ver o mercadão, onde tem vários comércios, de vários tipos. - Amada respondeu. - Não quer sorvete? Para se refrescar?

- Não, obrigado. Não tô muito afim. - Balançou a cabeça.

- Então, vamos lá, pessoal! - A garota disse começando a andar.

Ao entrarem no local, viram algumas lojas de temperos, outras de roupas, artesanatos e assim variava entre artigos para turista e vestuário.

- Vamos passar em uma loja de uma amiga, já podem ver se gostam de algo. - Sorriu, dobrando um corredor.

Se aproximaram de uma loja que era bem variada e colorida.

- Oi, Clarinha! - Abraçou uma adolescente de cabelos pretos e lisos.

- Olá! São os novos hóspedes da pousada? - Sorriu para eles.

- Sim! - Maurício devolveu o sorriso. - Meus pais. - Apontou para o casal. - E aquele é um cara que conta coisas. - Riu apontando para Otávio.

- Alguns conhecem como Otávio. - O loiro disse, apontando pra si mesmo.

Amada e a jovem riram da cena.

- Prazer em conhecê-los! Fiquem à vontade, sim? Podem olhar a loja e qualquer coisa, estou à disposição. - Olhou o loiro se afastar.

- Nem pensa muito! Desista, porque ali não vai rolar! - Amada balançou a cabeça em negação.

- Sério?! - Baixou os ombros. - Poxa...

- Exatamente o que tá pensando! - Riu.

Maurício olhava uma das estantes, distraído. Pegou um pequeno cubo de acrílico com um trevo de quatro folhas dentro. Girou o objeto em mãos, pensando em como a folha foi colocada lá dentro.

- Bonito.

Pulou ao ouvir a voz de Otávio atrás dele. Estava tão imerso nos próprios pensamentos que esqueceu as pessoas em volta.

- O que disse? - O olhou.

- Bonito. Muito bonito. - Se aproximou dele. - Esse cubo, é muito bonito. - Sorriu.

- Ahn... Também achei. - Voltou a encarar o objeto. - Tava pensando em como colocaram o trevo dentro.

- Acho que é aqueles líquidos que endurecem. Resina liquida, sabe? - Juntou as sobrancelhas. - Faz sentido pra você?

- Não sei.... Acho que sim! - Riu. - Que vontade de quebrar pra ver por dentro!

- Depois que quebrar e matar a curiosidade, só vai ter um cubo quebrado. Sem conserto. Já pensou que às vezes é assim que a vida funciona?

- Otávio, o filósofo.... - Riu

O outro o olhava, com um sorriso enigmático.

- Vou morrer sem saber como é! - Suspirou colocando de volta na estante.

- Ou você pode levar. E quando achar que é a hora certa, quebre-o. Vou levar um pra mim! - Pegou dois cubos da estante.

- A mãe não vai deixar eu comprar algo só pra quebrar. - Olhou a mulher que fazia uma cara de nojo para um chapéu.

- Tive uma ideia. Eu compro o que você vai quebrar e eu, fico com o inteiro. - Deu de ombros.

- É uma ideia tentadora. - Brincou. - Vamos fazer isso! - Disse animado, indo para o caixa. - Esqueci que preciso do cartão dela. - Deu meia volta.

Otávio riu do jeito afobado do mais novo, se aproximando com calma até onde as duas adolescentes estavam.

- Eu vou levar os dois cubos, por favor. - Sorriu, educado.

- Tudo bem. - Clara pegou o dinheiro no momento que Maurício apareceu. - Ele já pagou. - Riu.

- Não era esse o combinado, Otávio! - Olhou o loiro, franzindo a testa.

- Eu minto bastante. - Encarando-o com seus olhos verdes.

- Então... tá! - Corou.

- Já comprou aquele troço estranho? - Letícia disse ao se aproximar.

- Ahn... Otávio pagou por ele. - Murmurou, olhando para sua mãe.

- Pagou? - Olhou o homem. - Quantos anos tem, Otávio? - Disse o nome com desdém.

- Tenho vinte e oito.

- Oh! - Levantou as sobrancelhas. - E o que faz da vida? - Perguntou, pensando que diria algo como viajante ou desempregado.

- Sou gerente contábil em uma empresa financeira. - Deu de ombros. - Mas, pode-se dizer que sou um contador.

- Eu era gerente geral em uma multinacional, antes de me casar. - Disse com ar de superioridade.

- Legal! Parabéns! - Sorriu educado, virando-se para o mais novo. - Quer quebrar agora ou chegar na pousada? - Sorria de verdade agora.

- Vamos ver, agora! - Pegou um dos cubos e jogou no chão com força.

- Acho que não quebrou. - Riu alto.

- Acho que precisa de mais força, Maurício. - Amada brincou.

- Tenta você? - Entregou a Otávio.

Por alguns segundos, as pontas de seus dedos se roçaram.

- A gente faz isso na pousada. - Girou o cubo nos dedos. - Vamos para outro lugar agora? - Olhou a morena.

A garota olhou Maurício que parecia ter travado na frase do loiro e então respondeu à pergunta.

- Vou mostrar uma pequena praia que temos. Dá para ir a pé daqui. - Sorriu pequeno.

- A praia tem areia, me dá alergia! - Letícia disse.

Roberto também se aproximou com um livro de bolso em mãos.

- Acho que vocês dois precisam sair do caixa. - Clara riu.

Otávio se desencostou do local, indo para frente da loja.

- Vou ser honesta. Você é estranho, Otávio! - Amada disse. - Um estranho gentil, mas estranho. - Riu.

- Ahn... Obrigado? - Arqueou a sobrancelha.

- De nada. - Deu de ombros, rindo. - Vamos lá? - Olhou a família.

- Tem algum banheiro por aqui? - Otávio olhou para Amada, que concordou.

- Só andar aqui reto e dobrar a direita, vai ter uma porta escrito "homens". - Explicou.

- Já volto! - Andou até onde foi indicado, achando sem dificuldades.

Entrou e parou na frente do espelho, suspirando pesadamente. Parece que esconder metade da própria vida e personalidade era mais difícil do que pensava. Estava se sentindo totalmente deslocado.

Lavou o rosto e então se encarou novamente. Por algum milagre, aquele banheiro estava vazio, coisa que não durou até que um homem de pele e cabelos oleosos entrou usando uma bengala.

Revirou os olhos para si mesmo. Apenas queria um local sozinho e deixar que as lembranças fossem se dissipando.

Saiu de lá, batendo de frente com Maurício.

- Opa! - Murmurou. - Eu ia lavar minhas mãos. - Mostrou elas empoeiradas.

- Como isso aconteceu? - Riu.

- Me encostei em uma parede. - Fez uma careta. - Não vou demorar. Me espera? - Entrou no banheiro, sem esperar uma resposta.

Otávio, ao lembrar do homem, com a aparência pouco agradável, entrou junto.

O garoto abriu a primeira torneira, não saindo nenhuma água. Praguejou baixinho.

- Aquela lá, funciona. - O mais velho apontou para uma que estava ao centro.

Maurício se aproximou da torneira, ao abrir e ver água, sorriu.

Lavava as mãos distraído, quando o homem abriu a porta de uma das cabines com força, o fazendo se assustar.

Otávio suspirou pesadamente. Pressentia que algo poderia acontecer, encostando-se em uma das pias com os braços cruzados.

- Você tá na torneira que funciona! Sai! - O homem disse para o loiro.

- Tem mais ali. - Apontou com a cabeça não muito preocupado.

- Vamos? - Maurício o olhou, assustado.

- Sim, vamos. - Se afastou da pia e saíram juntos de lá.

Se fosse antigamente, não teria aquela paciência e teria socado a cara do homem contra a parede.

- Acho tão ridículo um homem que aparece só pra procurar briga! E por qualquer coisa! Afs! - O mais novo revirou os olhos.

- É. Eu também.

- Você viu aquilo?

- Sim, eu vi. - Balançou a cabeça fracamente. - Um horror, não é mesmo? Que coisa horrível! - Riu irônico.

Maurício lhe deu soquinhos no braço, contrariado.

Se aproximaram do trio que os esperavam.

- Vamos lá? - Amada disse sorrindo.

Começaram a andar em direção à praia que ela indicou.

- Otávio?

- Sim? - Olhou Maurício.

Os dois andavam mais para trás do resto.

- Você não ia brigar com aquele cara, ia? - Fez uma careta.

- Não, claro que não. - Voltou a olhar para frente.

- Eu nunca vi uma briga de perto. - Começou a divagar. - Nem de colégio. Acho que só em filmes, mesmo.

- Não é algo bonito de se ver.

- Você já viu?

Otávio engoliu a seco ao perceber estar falando mais do que deveria.

- Já, uma vez. Talvez duas. - Falou sem emoção alguma. - Mas, nem na escola?

- Ah sim. Eu tinha um colega que sempre entrava em brigas, foi expulso do colégio por isso. Ele me convidava pra ver, mas sempre recusei.

- Fez o certo. - Bagunçou seus cachos, rindo ao vê-lo reclamar corando.

- Otávio? -Perguntou algum tempo depois.

- Hum?

- Você brigaria com ele, se fosse para me defender? - Franziu a testa.

- E o que leva você a pensar que ele o atacaria?

Maurício achou melhor não responder e apressou o passo, deixando um Otávio sem entender.

Ao chegarem no local, viram alguns moradores na areia e outros na água, principalmente crianças.

- É aqui! - Amada abriu os braços. - Eu amo a paisagem daqui! - Voltou a olhar o local.

- É bem bonito! Lindo! - Maurício sorriu.

- Preciso concordar, filho. - Roberto disse. - É bom sair do escritório e daquele estresse da justiça.

Otávio juntou as sobrancelhas confusamente, piscando os olhos.

- O pai é promotor de justiça. - Maurício respondeu sua pergunta não dita.

- Claro que é.... - Riu sem humor.

"Era só o que me faltava..." - Pensou.

Óbvio que ele passaria uma semana com um promotor. E era "óbvio" que o homem seria pai do garoto que ele achou interessante!

"Tem como piorar?" - Pensou, encarando o homem de costas, que conversava animado com a esposa.

Já estava cogitando a possibilidade de ir embora na manhã seguinte. Ele sabia bem que lá, não teria espaço suficiente pra ele e um promotor. Soltou um longo suspiro, arrependido de ter feito a viagem.

O dia estava ensolarado e festivo. Porém, dentro do loiro, nuvens negras iam se formando...

(2740 palavras)

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