Capítulo 13
REVELANDO O PASSADO
- Estou esperando, Otávio.
- Bom, eu cresci em um orfanato, onde eu conheci Carlos e a Jeniffer. – Engoliu a seco. – Ficamos próximos, como irmãos, eu e Carlos fizemos 18 anos e precisávamos sair de lá, Jennifer resolveu vir com a gente. Então eu era responsável legal por ela.
- Eu imaginei que você era de orfanato, depois daquilo que aconteceu no acampamento.
- Desculpa ter sido grosso. – Encolheu os ombros.
- Isso já faz quase um ano. – Riu. – Continua sua história, por favor.
- Vamos sentar ali? – Apontou para um dos bancos da faculdade.
Se dirigiram até os bancos de concreto da faculdade, que ficavam embaixo de uma das marquises.
- Bem, como você deve saber, ninguém quer abrigar três órfãos; dois sendo maior de idade e ninguém quer contratar pessoas que nem casa tem! – Desviou o olhar ao lembrar da época. – Precisávamos achar uma solução e descobrimos que Carlos tinha uma memória fotográfica e eu consigo ter a mão bem leve quando quero. – Riu em nervosismo.
- Continua, por favor?
- Conseguimos documentos, fizemos faculdade, nós nos formamos, emprego, casa. Ficamos nisso e acabamos evoluindo sem controle. Tínhamos uma casa só nossa e um carro do ano. Jeniffer começou a participar também. – Baixou os olhos, na direção das próprias mãos.
Deu uma pausa, olhando Carlos, que de longe, ocupava Augusto. Ele estava visivelmente nervoso e relembrar tudo para Maurício, não ajudava em nada.
Continuou:
-Em um dia, eu consegui pegar as chaves de uma joalheria e foi tão fácil que eu fiquei empolgado. Carlos tentou avisar que tinha algo estranho e ele tinha razão, era uma armadilha.
- Oh meu Deus... – Sussurrou, franzindo as sobrancelhas.
- Eu e Jennifer acabamos precisando fugir, por estarmos sendo perseguidos pelo dono. Fiquei com tanto medo que de alguma forma pegassem ela, que acabei batendo contra um outro carro. – Suspirou, longamente.
- Estou ouvindo. – Murmurou, sem tirar os olhos dele.
- Eu só lembro de acordar no galpão de um amigo nosso que era médico. Já com a cicatriz e sem Jeniffer.
Ficaram um tempo em silêncio. Maurício precisava absorver toda aquela informação. E Otávio, recuperar o fôlego.
- Não fazia ideia que sua vida tinha sido tão... agitada. – Franziu a testa. – Deixando claro, uma dúvida. Vocês roubavam o comércio?
- Geralmente em bairros nobres ou casas de gente muito rica. E a gente não era violento. Bem... só quando precisava.
- Quando precisava?! – Arregalou os olhos.
- Só aconteceu uma única vez. – Fez uma careta. – Ninguém morreu.
- Que tipo de violência, Otávio? Me conta tudo!
- Amordaçamos um segurança e o deixamos num estacionamento. – Murmurou, envergonhado.
- Que alívio, não? – Disse irônico, se levantando.
- Era isso que eu tinha medo. De você reagir assim. Eu entendo, na verdade. –Levantou-se também.
- Vocês.... Vocês continuam nisso? – O encarou, sério.
- Não! Claro que não! Depois que perdemos a Jennifer, que foi enterrada como indigente, não tínhamos mais razão para nada. Aquilo doeu tanto que eu não tinha forças para voltar à ativa. Eu não queria perder Carlos também. – Olhou o amigo encostado no carro de Augusto, com este lá dentro, bufando. – Como tínhamos dinheiro e algumas coisas pra vender, fiz outra faculdade, aprendi outro idioma e comecei a trabalhar em uma empresa como contador. Carlos fez parecido, mas em outro estado e ele até que se deu muito bem!
- Nossa... Eu não sei o que falar. É muita coisa pra digerir– Suspirou. – Você sabe que meu pai é....
- Eu sei e fiquei apavorado ao vê-lo lá. Tenho medo dele me reconhecer, pois alguns roubos ainda estão sendo investigados.
- Ok... – Balançou a cabeça fracamente. – Eu esperava que você fosse falar que era órfão e, sei lá, foi maltratado lá. Não isso tudo! – Mordeu o dedo demonstrando ansiedade. – Não que ser maltratado seja melhor. – Tentou explicar.
- Maurício, eu imaginei que você reagiria assim. É um anjo, não combina com um ladrão. – Riu, tristemente.
- Você não é um ladrão. É um contador.
- É, agora eu sou. Mas você precisa saber que eu vou andar com medo na rua. Tem lugares que eu não piso mais pra não ser reconhecido. Não gosto de festas pelo mesmo motivo. – Suspirou tão profundamente, que fez Maurício alisar seu rosto
- A viagem para a pousada foi uma ideia do Carlos, pra ver se eu melhorava da culpa que carregava e pra sumir um pouco da cidade. – Continuou.
- Eu não sei o que dizer sobre isso. Me desculpa. – Encolheu os ombros.
Otávio engoliu a seco, dando um passo para trás, pensando que o melhor seria ir embora e deixar Maurício em paz. Não podia entrar na vida dele, com um passado tão obscuro. Era egoísmo demais.
- O número... – O olhou. – O número que você me mandou mensagem, é seu?
- Não. É do Carlos. O que eu te liguei e o emo azulado atendeu não consigo mandar nada.
- Eu disse para ele não bloquear! – Bufou e tirou o celular do bolso, indo direto para os números bloqueados. – É esse, não? – Mostrou.
- É sim! – Riu. – Parece que seu amigo realmente não me quer por perto. – Olharam o carro vendo Augusto falar no telefone com alguém. – Uma pergunta rápida, ele tem o número do seu pai?
- Não. Meu pai o odeia. – Riu.
Arregalou os olhos ao lembrar de algo, correndo até o carro do Guto:
- Ei! Espera! O que houve? – Gritou, vendo-o sair em disparada.
– Mas ele tem o da mãe! Abre! Abre essa porta, Guto! – Apontou para a porta.
- Tô falando com a Dona Letícia. Um assunto importante. – Levantou o indicador.
- Eu vou bater nesse azulzinho de merda! – Otávio passou a mão no rosto, olhando a cena de longe.
- Ela tá vindo aqui e parecia bem irritada. – Sorriu.
- O que você falou pra ela, Guto? – Maurício perguntou assustado.
- Que você estava se encontrando com dois caras mais velhos, na faculdade. – Deu de ombros.
- Qual seu problema?! Se eles descobrirem que eu sou gay agora, não poderia ficar nem com você, seu imbecil! Seu desgraçado, filho de cadela!!
Otávio levantou as sobrancelhas, olhando para Carlos. Maurício irritado era algo curioso de se ver.
- E você ficaria comigo? – Arqueou a sobrancelha.
- Agora que você arruinou tudo, não, idiota!
Otávio fez um gesto para Carlos, que riu já entendendo o que precisava fazer. Foi até seu carro. Entrou, acelerando e sumindo de lá.
Otávio voltou para frente da faculdade, trazendo Maurício consigo, pelo braço.
- Você, vem. Fica comigo!
- Por que? Para onde, Otávio? – Maurício parecia bem assustado com a dinâmica da situação.
- Apenas, confie em mim, ok? – Falou, segurando seus ombros, carinhosamente.
Não demorou para um carro de luxo parar e Letícia descer dele.
- Você me fez perder a aula de tênis, sabia? O que quer comigo, Augusto? – Disse.
- Olha lá! – O rapaz apontou para onde os dois estavam.
- Otávio, aqui!? – Arqueou a sobrancelha.
A mulher apressou o passo, até onde eles dois estavam, totalmente confusa com a cena.
- Letícia? Não esperava te encontrar aqui! – Sorriu grande.
Foi ao encontro dela, aproximando e abraçando-a:
- Quem é seu amigo de cabelo colorido?
- Você sabe quem eu sou, idiota! – Guto, que não perdeu tempo, foi com ela, esperando ver Otávio ser escorraçado.
- Não. Não faço ideia de quem é você. De onde você me conhece mesmo?
Guto não falou nada, se engasgando com a própria saliva.
- Eu só vim encontrar Maurício pois ele queria fazer uma surpresa para a Amada. – Disse despreocupado, se virando para Letícia. – Você lembra dela, não?
- Claro! A garota que Maurício teve um casinho amoroso, naquela pousada. – Pousando os olhos nos braços do loiro.
- Sendo completamente honesto, fiquei meio decepcionado quando ele apareceu sozinho aqui, imaginei que viria com você. – Cruzou os braços, ressaltando os bíceps.
- Você deve ser ótima com surpresas! – Arqueou a sobrancelha, sorrindo.
- Ah, eu sou, realmente! – Riu.
Maurício abriu a boca surpreso. "Otávio estava dando em cima da minha mãe, diante dos meus olhos?" – Pensou.
- Filho, por que não me contou que ia surpreender aquela menina?
- Ahn... Então.... – Fez uma careta. – Ainda tô incerto de como fazer. Por isso chamei o Otávio, já que ele a conhece também! – Sorriu, sarcástico.
- A pousada era bonita, a comida muito boa, mas andar no mato, não é minha praia. Eu odeio natureza.
- Eu também! – Letícia riu.
- Notei que eras uma mulher requintada. – Sorriu.
- Fico lisonjeada, Otávio! Está tudo certo aqui, foi perca de tempo ter vindo!
- Foi perca de tempo me ver? – O loiro colocou a mão no peito. – Esperava mais de você.
- Desculpa! Não quis ofendê-lo! Quis dizer que foi perca de tempo ter escutado este drogado que meu filho anda!
- Eu não sou um drogado, dona Letícia! – Bufou.
- Complicado a má influência.... Eu não deixaria meu filho dormir na casa de alguém que persegue ele. – Olhou bem nos olhos de Augusto, ameaçador.
- Tens razão. Isso não é saudável. – Olhou o encaracolado. – Já sabe o que eu vou falar, não? Nada de Guto pra cá ou pra lá. Estamos entendidos?
- Tudo bem, mãe... – Murmurou.
- Ótimo! – Sorriu. – Foi bom te ver Otávio. Aparece lá em casa qualquer dia desses.
- Estou aqui, ainda! –Guto gesticulava, nervoso, por ser ignorado.
- Sabe que eu vou aparecer. – Piscou para a mulher que corou.
Letícia se despediu dele, indo na direção do carro novamente, saindo de lá.
- Na próxima vez, tenta algo melhor, pirralho! Não brinque com quem tem anos de sabotagem! – Disse, olhando Augusto.
- Só pode ser brincadeira.... Vais ficar tudo ok, com ele dando em cima da sua própria mãe? É isto mesmo, Maurício? – Falou Guto.
- Pelo menos ele não me jogou na frente do ônibus. – O olhou irritado. – O pior agora, é que vou precisar conviver com você por conta daquela cadeira! Você mentiu pra mim, Guto! Não precisava ter feito metade das merdas que fizeste!
- Pois é, azulzinho. Você conseguiu estragar tudo pra si. – Otávio riu. – Poderia ser amigo do Maurício, tentar se aproximar de forma sincera e conquistar o coração dele, mas você preferiu ser egoísta, de novo.
- Maurício! Você vai deixar este cara dissimulado, te enganar de novo? Ele não gosta de você, como eu gosto! - Gritava.
-Guto! Chega! Isto está sendo ridículo! Quem é você pra chamar ele de dissimulado? Você me enganou!
- Eu quis te proteger, Maurício! Estive do seu lado todo este tempo!
- Cara, você pisou na bola e não está sabendo perder. – Disse, Otávio.
- Eu vou só esperar você desaparecer novamente! – Se virou para o outro. - Maurício? Vou estar te esperando de braços abertos, ok? Eu amo você! Ele só quer te enganar! – Choramingou.
- Chega disto tudo. Cadê seu amigo? Quero ir embora daqui... – Maurício murmurou.
- Quer ir embora... comigo?! – Perguntou surpreso.
- Você me deve um encontro, não? – O olhou. – E por favor, não dê mais em cima da minha mãe.
- Vou tentar! – Brincou. – Vem! Ele deve ter ficado na esquina, o barulho do carro parou do nada. - Entrelaçou as mãos com o mais novo, sentindo a pele arrepiar pelo contato.
- Tchau, emo! – Começou a andar com Maurício do lado.
- Maurício! Não vá com este idiota! – Gritava, em vão.
Foram se afastando, de mãos dadas. Cada um sentindo a textura da pele de cada um e as emoções já há muito, ressurgindo aos poucos.
- Desculpa, Otávio. Eu ainda não digeri muito bem sobre seu passado. – Disse enquanto andavam, juntos.
- Te dou todo tempo do mundo, anjo. Só não me dê esperanças, se não vai ficar comigo, ok? – Sorriu.
- Podemos sair como amigos, então? Até que eu consiga compreender tudo, sem deixar vestígio do passado.
- É... Eu estava esperando mesmo receber um tapão na cara. Isto até é melhor do que esperava! – Sorriu - Será que emo vai superar?
- O Augusto? Claro que vai! Ele não é mais problema meu. Ele mentiu pra mim, no final das contas.
Dobraram a esquina, vendo Carlos dentro do carro, jogado pra trás, escutando música, com os vidros baixos.
- Você não muda mesmo, Carlos! - Sorriu Otávio.
- O garoto veio? – Levantou as sobrancelhas. – Achei que ele ia te bater e ir embora com o emo histérico azulado! – Gargalhou.
- Meu Deus! Vocês gostaram mesmo de chamar ele de emo, hein! – Maurício riu.
Depois de conversarem um pouco, entraram no carro, Otávio optou por ficar no banco de trás com o mais novo.
- Eu realmente quis bater nele, Carlos. Mas seria maldade, já que tá doentinho.
- Não se preocupe! Quando ele melhorar, eu te aviso! – Carlos brincou.
- Obrigado! Eu vou cobrar! – Encostou a cabeça no ombro do mais velho.
- Otávio?
- Fala, meu anjo.
- Só pra te avisar, que eu gosto de encontros ao ar livre. – Murmurou.
- Tudo bem, vou lembrar. – Sorriu e beijou a testa do encaracolado.
- Você está com o mesmo cheiro que tinha na pousada. Eu gosto...
- Sua voz tão perto, já me cura de toda dor, Maurício.
Ao olhar o retrovisor, percebeu o sorriso sincero do amigo para ele, retribuindo em silêncio um grande obrigado.
(2215 palavras)
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