Capítulo 10

O DESENCONTRO

     Otávio estava hospedado no hotel já fazia alguns dias, até que Carlos achou um apartamento que o agradou de primeira, fazendo a mudança mais rápido do que imaginava.

O tempo passou e parecia que não iria se acostumar em tomar café da manhã ou almoçar sem o encaracolado sorrindo para ele de forma discreta. Do nada, via-lhe a imagem de Maurício à mente. Sempre se pegava sorrindo, nestes momentos.

"Ai, Anjo Ligado no 220... Saudade tem nome e rosto." - Pensava, sozinho.

Ele poderia pesquisar na internet se era possível um apego assim, tão rápido. Não conseguia tirar o sorriso do garoto da cabeça, por mais que se esforçasse.

Não muito longe dali, Maurício não estava tão diferente. Ele encarava o cubo em sua cabeceira, todos os dias que acordava e sussurrava o nome de Otávio.

Tinha um pressentimento de que nunca mais veria Otávio e isso era mais doloroso do que planejava. Foi necessário apenas uma semana para fazer aquele estrago em seu coração. Ele mal conseguia dormir, sem acabar sonhando com os beijos do loiro.

Se sentia ainda mais ansioso, agora que seu aniversário chegou. Ele finalmente tinha dezenove anos. Queria poder ligar para Otávio e dizer que agora ele poderia dizer ter dezenove, mas não tinha nem como! Isto o tirava de órbita!

Na faculdade, fez amizade com alguns jovens, principalmente um rapaz dois anos mais velho. Chamava-se Augusto e tinha cabelos pintados em um azul turquesa, que combinava com seus olhos e uma pequena tatuagem de um triângulo, no pulso.

Com o passar dos dias, se tornaram grandes amigos ao ponto de Maurício contar muitos segredos, inclusive tudo sobre a pousada e Guto, como todos o chamavam, não gostava muito de ouvir a forma com ele se referia ao homem misterioso da pousada. Sempre dizia a ele para não criar expectativas, que Otávio era um adulto e não confiável, como todos os homens naquela idade.

- Maurício, você deve pensar que se ele aparecer e se aparecer, ótimo! Mas se ele não aparecer, que é bem provável, você precisa estar preparado. É de se esperar que possa acontecer, por isso não tenha tantas expectativas.

- Você é ou não meu amigo, Guto? Eu hein!

- Só quero que esteja preparado, para não sofrer demais! E saiba que vou tá do seu lado! - Ergueu os braços em rendição.

Aquele conselho começou um processo de sabotagem em Maurício de tentar esquecer o loiro, a todo custo, mesmo que as fotos em seu celular e o cubo fizessem o trabalho inverso e o puxasse de volta, para aquela semana na pousada.

Sempre que chegava da faculdade, ia para seu quarto, se jogava na cama e logo pegava o cubo. Ficava com ele entre as mãos, sentindo a textura lisa e fria da resina de acrílico. Esticava a mão com ele entre os dedos em direção a janela, contra os raios do sol, fazendo um prisma de cores surgir em seu rosto.

Sempre sorria com este efeito...

"Nosso dia se aproxima, Otávio. Me prometa que não irá faltar..."

E assim, quando faltava apenas um dia para se encontrarem, a cidade estava há uma semana com uma chuva forte. Parecia que o mundo ia desabar a qualquer momento. Augusto estava com Maurício, chegando a faculdade, reclamava a cada cinco minutos do mal tempo.

- Que merda de tempo! Esta chuva mão vai dar uma trégua, não?

- Pare de reclamar tanto, Guto. Parece meu pai!

- Maurício, você vai esperar mesmo assim? - Mudou de assunto.

- Esperar o quê, Guto? - Desconversou.

- Não finge! Não se faça de idiota! Ficar esperando-o amanhã? - Perguntou Augusto, que segurava o guarda-chuva para os dois.

- Eu não sei ainda.... Acho que sim. - Suspirou. - Não vai me custar nada!

- Só um resfriado! Uma pneumonia, talvez? - Riu. - Vem logo! Vamos entrar!

- Só espero que ele lembre. - Fez um muxoxo com a boca. - Eu nem sei o que faria se ele simplesmente inventasse de não ir ao encontro.

Guto apenas o encarou em silêncio, sem dizer nada.

Entraram juntos no prédio da faculdade, mudando o rumo da conversa e se focando cada um, em assuntos mais amenos.

No dia seguinte, não muito longe dali, Otávio resmungava todos os palavrões conhecidos e não conhecidos, enquanto chutava a porta do seu carro por não estar funcionando. Se ele tivesse ouvido Carlos meses antes e levado o carro no mecânico, não estaria naquela situação.

Passou a mão pelos cabelos recém lavados, totalmente desconsolado.

Entrou em seu apartamento novamente e sentou no sofá, derrotado, pensando no que poderia fazer. Virou a cabeça para trás, encostando no encosto do sofá, encarando o teto branco, na tentativa de achar alguma saída. A chuva estava torrencial e Carlos já tinha voltado a sua cidade. Portanto, não havia outro jeito que não fosse pedir um táxi.

"Por que ainda estou tentando ir até lá? Prometi a mim mesmo que não iria mais! Ele deve estar levando sua vida na faculdade, com novos amigos e até quem sabe, gostando de alguém.... Eram águas passadas. Preciso me convencer disto!" - Pensava, encarando um ponto qualquer no teto de gesso.

Levantou-se, indo até a janela. Ficou olhando as gordas gotas que batiam no vidro, deixando tudo embaçado com a proximidade da rua respiração.

"Mas que droga... Será um aviso da natureza para ele abortar aquela ideia?" - Pensou, soltando um longo suspiro.

Enquanto isso, Maurício estava dentro do prédio com Augusto, esperando dar a hora para ir até a frente da faculdade. Se sentia totalmente ansioso e agitado. Mal conseguia prestar atenção nas aulas, só pensando na possibilidade de Otávio acabar não indo. O mal tempo também estava conspirando contra ele.

Ele olhava o céu a cada minuto, já ansioso. Tentava disfarçar, mas era visível sua impaciência.

- Gostei do moletom. - Augusto sorriu, piscando para ele.

- Oi? Mas é seu! - Riu alto. - Eu sempre faço isso, né? Penso que me agasalhei o suficiente e quando vejo, já tô batendo os dentes e roubando algo seu! - Riu, envergonhado.

- Só falei do moletom, pra te fazer rir E sendo honesto, acho que você não tá com frio e isto é pelo nervosismo, mesmo! - O olhou, carrancudo. - Olha o tempo, cara! Tá chovendo para um cara***! Nem o Papa iria aparecer, se você fosse Jesus! Aceita que dói menos!

- Quer saber? Se eu fosse Jesus, já teria transformado essa porcaria de chuva em vinho! Tava lá agora, bebendo até explodir! - Bufou. - Vamos esperar uma hora depois do combinado? Por favor?

- Ai, cara.... Tem certeza? Odeio ver você assim... -Murmurou.

- Assim, como?

-Assim! - Mostrando com o indicador, ele, todo agitado.

- Pelo amor, Guto! Como você mesmo disse! Tá chovendo muito e é difícil ser pontual numa situação como esta!

- Afs! Tudo bem! Que seja! - Disse, erguendo as mãos em rendição. - Mas se ele não aparecer, eu vou te levar pro meu apartamento, vamos fazer aquele seu trabalho dos infernos e, de recompensa, comer bolo de chocolate! Topa?

- Topo! Gostei do plano! - Sorriu, pra amenizar o desespero que ia crescendo no peito.

Os dois foram para frente do prédio, ao dar a hora exata, esperando qualquer sinal de Otávio.

Augusto sabia como o mais velho se parecia fisicamente, por Maurício ter mostrado algumas fotos tiradas no acampamento. Uma delas era os dois deitados no colchão de ar, Maurício sorria grande e Otávio estava sério. Tinha que concordar que o loiro era bem atraente e isso o incomodou intimamente, mas não deixou que Maurício percebesse. Estava decidido em não ajudar e sim, tentar abortar aquele relacionamento. Intimamente desejava que Maurício esquecesse o loiro e o notasse uma vez na vida.

Estavam sentados em um dos degraus internos do prédio, olhando os carros que iam e vinham, sem nem sinal do outro. Ao passar meia hora do horário combinado, Maurício encostou-se no rapaz de cabelo azul, sentindo o peso da realidade o atingir, se sentindo péssimo. Soltava um suspiro atrás do outro e, não queria acreditar, mas tudo indicava que Otávio não iria mesmo aparecer.

- Ele esqueceu de mim... - Balbuciou, quase chorando.

- Mais meia hora? Ele ainda pode chegar, não? - Tentou animar o encaracolado, mesmo que nem ele acreditasse no que dizia. Mas, não queria frustrá-lo ainda mais.

- Tudo bem.... Acho que você tinha razão, Guto...- Murmurou, choroso

Os pensamentos de Maurício estavam todos voltados para uma só pessoa. Queria ter o poder de congelar o tempo e assim, dar mais tempo para o loiro. Talvez voltar no tempo seria o ideal, pois assim, ele poderia insistir mais em querer o número de Otávio e agora, poderia ligar pra ele.

Passada uma hora, todos aqueles pensamentos pareciam ridículos. Era óbvio que Otávio não iria aparecer, ele nunca quis ter nada sério mesmo. A promessa do encontro era apenas uma desculpa esfarrapada, para ele parar de insistir naquilo. Havia tantos sinais de que o loiro não queria nada sério, mas ele se deixou levar pela ilusão de alguém gostar dele.

"Como pude ser tão idiota?" - Pensou, segurando as lágrimas.

Maurício estava magoado e irritado ao mesmo tempo.

Foi abraçado pelo amigo. Percebeu que as lágrimas desciam abundantes

- Eu pensei que ele sentia algo por mim, Guto...

- Você fez tudo que podia. - Murmurou, carinhoso. - Vamos? Hum? - Sorriu pequeno.

- Vamos, sim. - Concordou. - Obrigado por esperar nessa chuva comigo.

- Amigos servem pra isso! Para levar bolo junto! Se não for pra pisar na jaca com as parcerias, nem vou! - Riu, abraçando-o de novo.

Levantaram dali, começando a correr na direção do carro de Augusto, que estava estacionado quase em frente a faculdade. Augusto, segurava o guarda-chuva e abraçava o amigo, contra ele, para protegê-lo da chuva.

-Eita que este tempo tá "diluvante"! - Gritou.

- "Diluvante", Guto? Da onde você tirou isso, cara? - Ria.

Naquele mesmo instante, Otávio corria, tentando chegar a tempo. Ele tinha ido a pé até o local por não conseguir nenhum carro de aplicativo que não cancelasse a corrida. Não pensou duas vezes. Saiu do apartamento e, em disparada, saiu correndo na direção da faculdade. Ele tinha conciencia de que a faculdade não era tão perto e que com aquela chuva toda, seus passos não seriam tão ágeis. Mas, sabia que seu anjo estaria esperando por ele. Sabia que estaria praticamente em desespero e chorando.

Precisava correr mais. Apressar o passo, acelerar o mais que podia.

Estava todo encharcado, com a garganta queimando e o peito arfando. Mas mesmo assim, não desistia. Parou, ao ver o encaracolado ao longe. Seu coração acelerou e começou a acenar e a gritar o mais alto que conseguia.

- Maurício! Me espera, por favor! Maurício!! - Gritava, mas sem sucesso. O barulho da chuva e do trânsito não colaborava. Pôde vê-lo entrando num carro estranho.

Sentia seus pulmões queimarem, pelo esforço. Inclinou o corpo, segurando os joelhos e tentou puxar o ar, sem sucesso. Sua visão ficou embaçada por alguns instantes e teve a sensação de que tudo girava.

- Espera! Você ouviu alguém me chamar? - Murmurou, olhando em volta.

- Não, não. Tá ouvindo coisa, cara! - Tapou Otávio da visão do Maurício. - Entra logo? Vamos acabar morrendo de pneumonia se a gente não sair deste aguaceiro! - Sorriu, fazendo-o entrar

- Tá bom. Obrigado, por se preocupar comigo, Guto. - Entrou, se ajeitando no banco.

-És meu amigo, não? - Falou, fechando a porta do carona. - Faria tudo por você, Maurício.

Augusto deu a volta no carro e encarou o loiro sorrindo maliciosamente, que o olhou de volta. Seus olhos se cruzaram por alguns segundos e Otávio percebeu que não estava lidando apenas com um amigo comum. Aquele garoto sabia quem era ele e sabia que Maurício estava o esperando.

Ele percebeu pelo olhar e aquele sorriso.

Augusto entrou no carro rapidamente, não demorando a sair de lá, acelerando. Queria tirar Maurício dali o mais rápido possível, antes que o cacheado olhasse pra trás e visse um Otávio cambaleante. Decidiu que não ia facilitar as coisas para aquele loiro metido.

Otávio olhava o carro sumir ao longe, através da chuva intensa. Baixou a cabeça, puxando o ar com dificuldade. Se agachou no chão, devagar, tendo apenas o barulho da chuva incessante e os carros que buzinavam e passavam rapidamente por ele. Parecia que todas as luzes piscavam como um caleidoscópio. Fechou os olhos e tentou controlar a respiração, que estava muito ofegante e o coração acelerado. Percebeu que seu corpo ia perdendo as forças, sem conseguir respirar.

O corpo inteiro dele estava quente pela corrida e tremia de frio ao mesmo tempo, por estar encharcado. Seu peito doía cada vez mais forte e ele não sabia dizer se o motivo era por ter sido um total imbecil todo esse tempo, ou por uma possível pneumonia, que se alojava nele.

Ele sabia que Maurício era perfeito para si, em todos os sentidos. Sabia que o garoto, entrando na faculdade, ia conhecer pessoas muito mais interessantes e menos complicadas que ele. Se ele ao menos tivesse dito, quando teve a chance dos seus sentimentos pelo garoto. Mas mesmo assim, aquele seu medo de julgamento, aquela ideia fixa de sempre achar que não merecia ser feliz o fez estragar tudo.

"Mais uma vez, estou perdendo alguém que amo, por puro egoísmo" -Pensou.

Começou a chorar, puxando o próprio cabelo para trás com força, sentado na calçada já quase transformada em uma poça d'água.

Se estar com Maurício fazia aquelas memórias se tornarem apenas ondas baixas, no mar de emoções, o perder transformava tudo em um tsunami interno gigantesco!

Otávio não tinha ideia de que choraria por perder alguém que não fosse uma única pessoa. Ela. Mas lá estava ele, fazendo exatamente isso. Exatamente a mesma coisa!

"Preciso me levantar. Sair da chuva. Preciso ligar para Carlos.... Pareço um sem teto..." - Falou, para si.

Fez um esforço para se erguer do chão, mas apertou os olhos ao sentir uma forte tontura e uma sensação de estar rodopiando. Provavelmente causada pelo frio, somado ao esforço de correr feito um louco. Já não tinha idade para certas aventuras e também não levava uma vida saudável. Pensava, ao mesmo tempo que puxava o ar com dificuldade. Uma dor subiu pela axila, de repente, deixando-o apreensivo. Tentou dar alguns passos, mas tudo que conseguiu dizer, antes da dor se tornar aguda, foi "Maurício".

A chuva, inclemente e indiferente, açoitava o corpo de Otávio com suas gotas grossas, acompanhadas de um forte vento. De repente, todo seu corpo amoleceu, caindo no chão, desmaiado.

(2401 palavras)

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