IV | O Clã de Confidentes

Outono de 1913

Anelise caminhava - ou melhor, saltitava - pelas ruas periféricas de Soraia, radiante. Era a companhia e a voz dela, eram os aromas do caminho que percorriam. (Igualmente a em qualquer capital, em Soraia, não haveria como preferir andar no seu centro, existindo suas periferias - isoladas, marginalizadas, dependentes de locomoção - mas com seu "quê" de doçura). Na abrangência do momento, eram, na verdade, as palavras e o modo como elas a aconchegavam.

Naquele instante, os dois, ela e ele, andavam numa viela de paralelepípedos cinzentos. As pedras mais despedaçadas acumulavam poças d'água, assim como alguns pontos na grama alta das extremidades da ruazinha. Cresciam exuberantes hortênsias em abundância, os caules de algumas ao decomporem-se nos "laguinhos" exalavam um perfume forte e estonteante, muito adocicado; Ela não sabia dizer se era bom ou ruim, entretanto gostava dele.

Repentinamente, Juan, que ia junto a ela, buscou uma de suas mãos e, depois o caramelo que evolvia suas pupilas - o toque a assustou, já o encontro com os olhos-cafés dele a surpreendeu - ele tinha uma ansiedade, um desejo, algo a dizer, algo pertinente, Lise sabia disso muitíssimo bem. Que seria?!

Ele sempre fora seu melhor amigo, desde que a antiga amizade entre os pais dos dois jovens nascera. Aquela fiel cumplicidade entre Lise e Juan já estava abarrotada de afeto - e confidências. Ele tinha completa ciência do extravagante plano das irmãs Saidi; Entretanto, não envolvera-se nele - ainda.

"Lise, vocês estão prestes a enviar a carta, certo? Caso consigam enganá-lo, o que parece provável, terão definitivamente que se passar por bruxas diante dele - correndo um enorme risco...Vocês já pensaram em algum outro elemento surpresa? Talvez em levar mais alguém?"

Que alívio!, fora o que ela conseguiu pensar, não pôde evitar o notável suspiro.

Juan observou a maior força com que Anelise passou a pressionar sua mão, como também o interesse luminoso que transbordava dos olhos e do sorriso dela e derramava-se em seu rosto, sua mente, que a amiga passara a tentar adentrar.

Juan, finalmente, foi respondido - com uma ironia mordaz:

"Não sei...Talvez devêssemos levar um garoto extremamente inteligente mas muito medroso que está sempre caçando motivos para preocupar-se conosco, especialmente comigo...Por que quer tanto ir e não disse antes?"

"Como posso responder se você acaba de quebrar meu coração com tanta zombaria!?", o sorriso de Juan extravasava.

"Aah!, então eu parti seu coraçãozinho?", brincou ela esticando o charmoso braço para desarrumar o crepusculoso cabelo dele.

Eles gargalharam, vagueando aos tropeços. Não encontravam-se sobre os paralelepípedos - dançavam nas nuvens ao som da alegria! Absolutamente absortos no divertimento incalculado.

"Um minuto. Se não, nos esqueceremos de chegar a tempo do chá", disse Juan, pausando abruptamente para olhar o relógio de bolso. "Ainda temos tempo."

"Acho que estamos demorando-nos mais no caminho até minha casa do que gastamos tempo na sua."

"E eu acho que você está corretíssima. O Coelho Branco, em toda a sua pontualidade, sentiria vergonha de nós."

"Muito provavelmente!", ele pôde ouvir em meio a leve risada de Lise.

"Então, eu posso mesmo me disfarçar com vocês?"

"Por mim, você é o mais novo confidente de nosso clã. Porém, ainda tenho que perguntar para as meninas. Todas gostam muito de você, todavia temo que elas possam pensar que só quer ir porque acredita que não conseguiremos sem seu amparo".

"Imaginei..."

"Eu estou feliz de saber que quer trabalhar conosco, Ju, tudo isso é muitíssimo significativo para mim...Somente saiba: não será descomplicado, não!"

As íris pigmentadas de Juan cintilavam tanto quanto o céu estrelado das madrugadas, o lábios alargavam-se, marotos.

"Conte comigo! Vou trabalhar com muito empenho, chefe!"

Os minutinhos passaram-se, as esquinas afastaram-se, as árvores despediram-se. Contudo, os assuntos não, eram duradouros, se terminados logo retomados, como ciclos; Ora iam, ora voltavam.

Naquela dinâmica de prosa, Juan recordou o assunto discutido na varanda de sua casa, horas antes:

"Eu já tinha lido sobre o caso da Varinha Mágica de Farah nos jornais, extremamente confuso, um não tão qualquer coven de bruxas, mas igualmente misterioso, nem uma única testemunha...Esses poucos meses não serão suficientes para desvendarem tantas questões! Como surgiu um caso tão perfeitamente adequado de tal forma? Simplesmente, mágico!"

Ele referia-se a um arriscado furto que ocorrera recentemente. Nele, uma centenária varinha mágica havia sido exposta pela primeira vez em Caelestis, no mais magno museu de Soraia, no centro da cidade. A varinha era muito cobiçada, um dos artefatos mágicos mais singulares existentes; Como era previsto, houveram tentativas de roubá-la - todavia, sucedeu-se também algo surpreendente, alguma delas teve êxito. Um dissimulado coven de seis bruxas visto próximo ao museu pouco após o furto com uma suposta Varinha de Farah era apontado como culpado. Não haviam outros suspeitos e o coven ainda não tinha sido identificado.

Um crime curioso e instigante. Para sorte das Saidi, labiríntico o suficiente para despender meses e meses de trabalho policial, que talvez não levasse a nada.

A ideia era brilhante - contanto, que o Feiticeiro de nada suspeitasse - elas se passariam pelo coven em uma carta destinada e ele, ofereceriam uma troca indevida porém vantajosa da varinha, que obviamente seria de grande interesse a ele. Um encontro seria marcado até o início da primavera. Era o suficiente para começar a execução do plano principal.

O que elas queriam negociar na barganha da varinha? Um pouco de dinheiro e o Cajado Aramis, o cajado congelante que, segundo as pesquisas de Salete, era posse antiga do Feiticeiro - a arma do assassinato de Chiara.

"Terei que concordar, foi tão oportuno! Era tudo o que precisávamos", Anelise sorria para a rua em que estavam virando - era a rua Raja.

Ao entrarem em Flavo Rosis, Lise bateu à porta do escritório de seu pai, ele havia pedido para filha não se esquecer de que ele queria cumprimentar Juan.

"Papai?", a porta fora aberta.

"Lise!", exclamou Romeo beijando a bochecha da primogênita. "Olá, garoto! E seu pai, como tem estado? Não acha que está mais alto?", o abraço que Juan recebia de Romeo era caloroso.

"Ele está muito bem, senhor! Creio que não, faz somente um mês. Sua bênção, senhor Saidi?"

"Deus te abençoe, garoto!"

No jardim dos fundos, uma enorme toalha florida, Mali, Odete e as outras irmãs os esperavam. Marjorie e Malika estavam prestes a inicar um estardalhaço.

"Misericórdia! Como demoraram tanto? Estamos em uma questão de vida ou morte aqui!", berrou Marj.

"Calma, nós só conversamos um pouco no caminho."

"Um pouco. Nós sabemos muito bem que vocês conversaram, sempre se esquecem do tempo juntos, Lise", disse Odete, com seu olhar sagaz sobre os dois.

Anelise ficou um tanto irritada - Juan, porém, não conseguiu esconder um infantil riso.

"Acho que deveríamos falar mais baixo a partir de agora", sugeriu Sali apontando para a casa.

"Oi, meninas!...Nós chegamos em tempo de participar do chá, não é?", perguntou Juan, mudando completamente de assunto.

"Ah, sim, chegaram. Vamos atrasá-lo um pouquinho para discutir isto aqui", a carta estava na mão de Delfim.

"Eu terminei a carta há pouco, as meninas já leram, logo vocês a lerão também. Mas, não sei se devemos mesmo fazer isso, é tão perigoso. Ainda temos que fazer disfarces...E nos encontrarmos com ele sozinhas!", começou Sali.

"Sobre isso: talvez mais alguém pudesse ir conosco. No caminho, Juan me disse que gostaria muito de nos ajudar, iríamos todos, juntos. Ele poderia ser uma imprevisibilidade para o Feiticeiro, já que são somente seis bruxas."

"Acho incrível a ligação intrínseca de vocês com sua mãe, e penso que pode ser mais seguro para todos se ele não souber que o grupo é um tanto maior. Creio que posso ajudá-las", Juan olhou cada um dos rostos receosos com cuidado, parando no último, o mais lindo, que tinha pele cor-de-chocolate e uma única covinha - o de Anelise.

"Gostei da ideia, muito inclusive", manifestou-se Delf.

"Juan, você escala árvores muito bem, correto?", a feição pensativa de Malika poderia ser um bom presságio.

"Correto! Eu ainda gostava muito disso aos 14 anos!", ele riu-se, só.

"Eu tive uma ideia: você poderia subir no alto de uma que estivesse logo abaixo do Feiticeiro, e ficar lá até te darmos um sinal, no momento certo...você pula em cima dele."

"Isso, claramente, usando de toda a sua audácia, sem medo de espatifar-se na calçada!", brincou Sali. "Falando com seriedade, achei um ótimo plano, Mali! Um tanto extravagante, mas esperto de qualquer forma."

"Estou chocada até agora!", disse Odete.

"Também. Contudo, me parece bom...Uma surpresa para nós - e para ele", convenceu-se Delfim.

"Simplesmente, perfeito!", Marj enfatizou.

"Então, Ju, irá arriscar-se?", não somente Lise esperava uma resposta, todas o encaravam, ansiosas.

"Por vocês e Chiara, faço qualquer ousadia!"

Gargalhadas ecoaram nas árvores do entorno - porém, ao cessar delas, apenas o vento trouxe suspiros.

"Garotas, posso perguntar uma coisinha? Vamos fazer o que com ele?...Não estamos falando em matá-lo, não é mesmo?", Delf sussurrou a última pergunta.

Houve um gélido silêncio, constrangedor.

"Não havíamos conversado sobre isso ainda...Mas, era para fazermos justiça pelos crimes dele. Deveríamos denunciá-lo à polícia", respondeu Anelise.

"Como vamos levá-lo até uma delegacia ou, ao menos, segurá-lo? Ele tem um extenso controle de magias", Odete questionou.

"Quem seremos nós em comparação a ele?!", Delfim preocupou-se mais.

"Nem conseguimos decidir se enviaremos ou não uma simples carta!", Sali gritou.

"Não é uma simples carta! Estamos nos passando por pessoas que nem sequer conhecemos e nos afirmando ladras de uma das armas mágicas mais poderosas do mundo! Olhe o que estamos fazendo!", desesperada, Marj bronqueou.

"Isso definitivamente não é mais brincadeira de criança", continuou Malika.

"Devemos mesmo fazer isso?!"

"Parem!, todas vocês! Isso vem muitíssimo ao caso todavia não podemos discutir nada tão temerosas. Terminemos com essa balbúrdia, para discutirmos racionalmente essa questão", Lise censurou-as, porém com um tom que era baixo, como somente sua voz poderia fazer. "Antes de dar a ele qualquer proposta, de qualquer carta, o que será feito terá de ser debatido, não iremos agir antes de planejar...em hipótese alguma.

"Graças a Deus, nossa líder voltou!", Juan felicitou.

Malika levantou o braço:

"Indiscutivelmente, machucá-lo está fora de questão, a mãe de vocês jamais veria isso com bons olhos. Temos mais moralidade que isso...mesmo que o modo como falávamos parecesse questionável."

"Exatamente!"

"Creio que se depois propusermos um encontro para troca ele devesse ser num lugar próximo a uma delegacia, mas não tanto, para não soar suspeito. E onde tenha uma boa quantidade de árvores", Sali opinou.

"Achei muito cabível", avaliou Odete.

"Não estava em nossos planos utilizar algumas das coisas que tivéssemos aprendido na aulas de magia da escola?", Delfim lembrou.

"Era mesmo", Marjorie confirmou.

"Eu e Odete sabemos como fazer alguém adormecer imediatamente", declarou Anelise.

"Deveríamos ir a alguma casa de poções também, podemos encontrar algo interessante. E eu posso costurar grandes capas pretas com capuzes, seriam ideais para nos ocultarmos", Marj sugeriu.

"Maravilhoso! Precisaria ser uma das casas de poções do subúrbio, que são administradas por magas idosas, que não preocupam-se com a idade dos clientes e acreditam que o uso de magia seja livre, desde que seja bom e justo", Delf recomendou.

"Tem um parque menor no centro, a principal delegacia de Soraia localiza-se a duas quadras dele, o Beaufay Parque", lembrou Juan.

"Há poucas coisas mais esplêndidas que vocês solucionando todas as questões em comunhão!", disse Lise, célebre.

"E eu estou a tudo anotar", Salete mostrou um caderno, que entre as páginas tinha a carta.

"Só há mais um inconveniente: Em que horário tudo isso será executado? Tarde o suficiente para fugirmos, cedo o bastante para não sermos tão controversas?" levantou ainda Odete.

meia-noite!", respondeu Delfim.

"Tal qual um verdadeiro coven!", Juan elogiou.

"Ótimo! Voltemos à carta!", sugeriu Anelise.

"Julgo que é mais sensato a lermos novamente, pois antes não estávamos reunidos", Sali opinou.

"Definitivamente...Entretanto, poderíamos apenas tomar o chá, por enquanto."

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2.000 palavras.

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