II | O Luzente Desejo

Inverno de 1910

As férias tornavam os dias e noites das irmãs Saidi tranquilos e majoritariamente calmos. Aquela era uma manhã calma; Salete, já com seus 12, estava deitada na cama, muitíssimo absorta em seu novo livro; Delfim encontrava-se no tapete de veludo do quarto, desenhando algo no caderninho de couro, sua roupa de marinheiro bastante amarrotada no chão. Mas a calmaria não perduraria tanto.

Marjorie entrou súbita e bruscamente, com Anelise às costas, o taque-taque das botas despertou as menores das atividades. Desentendidas, Salete e Delfim analisaram os sorridentes e animados lábios das primogênitas - pareciam iluminadas. Algum desejo era compartilhado e protegido pelas mais velhas - porém, ele aparentava estar a ponto de escapar e habitar outros corações.

Marj dava a entender que estava mais alegre em seus costumeiros trajes vanguardistas, o vestido rosa-bebê e as ousadas calças de harém, que apareciam na barra estreita dele, harmonizavam lindamente com sua pele cor-de-cappuccino, que resplandecia-se a luz advinda das janelas. Anelise estava deveras sorridente detrás do chapéu com véu, que esquecera de retirar ao adentrar a casa animadamente.

"O que houve?", perguntou a curiosidade de Delfim. "Nós encontramos uma correlação entre algumas memórias antigas e as circunstâncias da morte da mamãe", a voz suave como brisa, mas um tanto ansiosa, de Lise declarou. "Nós precisamos encontrar o homem que a matou...sabemos que é um feiticeiro e, ele pode matar congelando. Além do mais, ele talvez tenha nos ignorado, sabemos o que ele fez. E se ele nos procurasse?", completou Marjorie com sua voz de furacão, grave e alta.

"Estão ficando loucas?!", chocou-se Salete. "Não, faz todo o sentido, nós duas já tinhamos sentido aquele frio, ele a procurava. É por ela!, nossa mãe!", Anelise justificou. "Eu tenho 11 anos! O que eu poderia fazer?", Delfim questionou. "E eu, 12! Pelo amor de Deus!", Sali protestou. "Nós conseguimos, vão levar uns anos para fazermos pesquisas e projetos.", contrargumentou Marj. "Nossa govertanta concorda, até a vovó achou interessante...só papai discordou, ele acha arriscado...até desnecessário", continuou Lise. "Não, sei...", Salete disse lentamente. "Quando colocarmos tudo em prática já estaremos mais maduras. Podemos explicar tudo", disse Marj.

"Se depois alguma de nós desistir, as outras não poderão seguir com nada. Combinado?", foi a proposta de Anelise. "Combinado", disse Delfim estendendo o dedo diminuto. Ao cruzar os dedinhos, elas, sorridentes, selaram um acordo.

"Ah!, por favor, Sali!", a súplica na voz elegante e grave de Marjorie era tamanha - Salete quase convenceu-se. "Eu sei que a mamãe gostaria disso...Não de nós envolvidas..." - surgiu a dúvida em Anelise, pela primeira vez. "Mas ela faria o mesmo...por nós!", foi possível ouvir o coro das quatro nas últimas duas palavras dela. Sali sorriu largamente, com lábios, com olhos.

As quatro filhas de Chiara Saidi partilhavam os olhares mais cúmplices que já haviam sido vistos, os olhos confidenciavam e sorriam. No interior de cada uma o mesmo desejo queimava, como os raios de sol que espalhavam-se pelo horizonte naquela aurora.

"Então? Vamos atrás desse homem?", a retórica de Delf nem ao menos fazia-se necessária. "Com toda a certeza!", respondeu Sali. "Olha, tenho 14, Lise tem 15, Sali tem 12 e Delf, só 11. Mas são uns aninhos até podermos fazer algo, não?", Marj sorria, zombeteira, porém sabia que tratava-se de algo sério - muito sério.

"Temos tudo!...Marj é ousada, Sali, corajosa, e Delf, decidida...Quem?...Mas, e a cabeça?, Anelise começou confiante, porém terminou insegura. "Cabeça?", perguntou Delfim. "Alguém inteligente para traçar um bom plano...Como você!", disse Salete tocando levemente o pulso de Lise, que sorria. Temos todas!, exclamou Marj.

As irmãs formavam um círculo. "Todas?", Anelise estendeu o longo e delicado braço. Marjorie colocou sua mão sobre a da primogênita. "Todas!", juntou-se Sali. "Por ela!?", gritou agudamente Delfim ao estender a mão.

"Por ela!", foi o coro estridente e risonho das quatro.

Abriu-se novamente a porta. Era a avó. A agenda invariavelmente abarrotada do pai, Romeo, havia incitado a senhora a cuidar das netas enquanto ele cumpria suas atividades. Como o previsto, o vozerio preocupou a avó. "Vocês estão bem?", ao ver os rostos sorridentes a mulher soube que elas estavam ótimas. "Estamos bem, Vó Solange", respondeu Salete.

As filhas de Chiara pareciam, em toda aquela cumplicidade e conspiração, um pequeno coven de jovens aspirantes a magas. Mas poderiam derrotar o feiticeiro malfeitor? Para as não anciãs mágicas faltava a idade - no entanto, sobrava a lealdade.

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747 palavras.

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