Capítulo 9 - Do outro lado do oceano
~1835 palavras.
Portland, 10:15h.
Já passava do meio da manhã quando a menina de cabelos longos e louros tocou a campainha da casa dos Burnett. Fazia mais de uma semana que sua melhor amiga, Felicity, não entrava em contato e não respondia suas mensagens ou ligações. Certamente, algo estava acontecendo. Após alguns segundos esperando, observou o avô da amiga abrir a porta e a olhar com aparente surpresa.
— Kiara? O que faz aqui? — ele questiona.
Kiara Jones e Felicity Burnett eram amigas dos tempos de infância, compartilhavam tudo, desde o lanche do intervalo entre suas aulas até as muitas decepções amorosas. Uma coisa era certa, nenhuma das duas tinha muita sorte quando o assunto era o amor. Nos últimos anos já não se viam todos os dias como antes devido a escolha de cursos para a graduação. Enquanto Felicity havia escolhido a enfermagem, Kiara sempre fora apaixonada pela psicologia e não hesitou em seguir seu sonho na área.
— Bom dia Sr. Burnett, peço desculpas por aparecer assim sem avisar, mas estou um pouco preocupada com a Felicity. — a garota fala, visivelmente receosa.
— Com a Felicity? Por quê? — Sr. Burnett pergunta.
— Bem... Já faz mais de uma semana que ela não fala comigo, eu sei que nos últimos tempos nos falamos menos devido a correria com a universidade, mas nunca demorou tanto assim... Então vim ver como ela está, posso entrar? — ela pergunta esperançosa.
— Oh, sinto muito filha, Felicity teve de fazer uma viagem para a casa dos avós paternos. Infelizmente, eles moram numa espécie de reserva bem distante e o sinal é péssimo... — responde.
— Mesmo? Mas ela nem me avisou... — a garota reclama visivelmente chateada.
— Foi uma viagem de urgência, ela quase não teve tempo para trancar a universidade. Parece-me que o avô está internado e precisava de um acompanhante. Como a avó já é idosa e os filhos não se importam, só restou a nossa menina para cuidar dele.
— Mas...
— Ora não se preocupe filha, logo logo ela estará de volta e vocês conversam sobre coisas de menina — ele sorri simpático.
— Está bem — ela concorda um tanto desconfiada, pois percebe que Sr. Burnett estava visivelmente nervoso, era possível observar a agitação psicomotora em suas mãos. — Então eu aguardo ela retornar — Kiara sorri afetuosamente.
A garota vira as costas e começa a caminhar de volta para sua casa questionando-se o quê, de fato, teria acontecido para o avô de sua amiga assumir um discurso tão calmo e confiante, como se tudo estivesse sob controle, quando na verdade sua postura era de uma pessoa extremamente ansiosa. Teria ele mentido sobre o paradeiro de sua amiga? Se este fosse o caso, ela se encarregaria de tirar essa história a limpo com a ajuda de um outro amigo que conhecia Felicity ainda melhor que ela mesma, Leonel.
Enquanto isso, Sr. Burnett caminhava lentamente de volta para a cozinha da casa onde sua esposa preparava o almoço. Ele sentou-se na mesa que ficava posta no centro do cômodo e suspirou pesadamente.
— Quem era? — ela questiona.
— Kiara...
— Essa não! — ela deixa a colher que usava para mexer o arroz cair no chão com um estalido.
— Ela queria saber de Felicity.
— E o que você disse? — ela pergunta sentando-se ao lado do esposo.
— O mesmo que disse ao coordenador da universidade. — ele dá de ombros.
— E ela acreditou?
— Eu não sei querida... Eu não sei.
— Talvez devêssemos dizer a verdade para Kiara, elas são melhores amigas.
— Não! Isso está totalmente fora de cogitação, ninguém pode saber o que realmente aconteceu!
— Mas a Kiara...
— Ouça querida, — ele a interrompe — logo logo Felicity estará de volta, vamos deixar que ela mesma decida se quer contar ou não para alguém sobre isso, certo? — ele pede.
— Tem razão que ela deve decidir. Mas como sabe que ela voltará logo? — ela questiona aflita.
— Eu sei que vai — ele fala confiante — nossa família nunca falhou nessa missão antes.
[...]
Kiara adentrou a estação policial decidida a convencer Leonel a infringir algumas regrinhas naquele dia. Leonel Hepburn conheceu Felicity ainda antes que Kiara e, ao contrário da última, eles nunca se separaram por causa da universidade. Leonel passou em um concurso para ingressar no Departamento de Polícia de Portland e agora o mesmo assumia o cargo de detetive. "Seria moleza para ele rastrear o celular de Felicity", Kiara pensou.
Ela parou na recepção e logo foi questionada por uma moça alta, morena, cheia de curvas e que parecia extremamente entediada com o emprego:
— Veio fazer uma denúncia, registrar B.O ou se candidatar para a vaga de serviços gerais? — a morena questiona mascando um chiclete.
— Na verdade, — Kiara sorri — eu preciso falar com o detetive Hepburn.
— Ah você precisa falar com ele? — ela pergunta debochada.
— Sim — Kiara concorda.
A moça pega três papéis e distribui no balcão, Kiara corre os olhos e vê que cada um deles se refere a requerimentos de denúncia, B.O ou para se candidatar a vaga de serviços gerais.
— Denúncia, B.O. ou serviços gerais? — a moça questiona novamente mal-humorada.
— Desculpa, acho que você não entendeu — Kiara sorri educada — eu só preciso falar com o detetive Hepburn, não tenho nenhuma denúncia para fazer, você pode chamar ele para mim?
— Você acha que isso aqui é um parque de diversões?
A morena começa a falar, mas logo é interrompida com a entrada do detetive Hepburn que percebe a presença de Kiara imediatamente.
— Kiara?! O que faz aqui? — ele pergunta sorrindo.
— Eu... Vim te convidar para almoçar comigo! — ela inventa, dando de ombros.
— Sério? — ele pergunta surpreso.
— Hum... é claro! Por que está tão surpreso? — ela pergunta sorrindo.
— Bem eu... só... — ele coça a cabeça — Você nunca fez isso antes então...
— Então estou fazendo hoje! Você pode ir agora?
— Meu horário de almoço começa daqui a dez minutos... — ele fala olhando no relógio de pulso.
— Perfeito! Eu te espero do lado de fora.
Kiara sorri animada e sai da delegacia, mas não sem antes lançar um sorriso travesso na direção da morena mal-humorada que a atendeu na recepção.
— Será que ela sai tratando todo mundo daquela maneira? — Kiara sussurra para si mesma, pensativa.
Enquanto aguardava a saída de Leonel, o mesmo havia corrido até sua sala e agora analisava a si mesmo no espelho que ficava atrás da porta, procurando por algum fio do cabelo escuro que pudesse estar fora do lugar. Não podia acreditar que Kiara havia ido até lá para convidá-lo para um almoço, era bom demais para ser verdade. Leonel era apaixonado pela garota desde o ensino médio, mesmo que ela nunca tivesse o visto como mais que um bom amigo.
Os olhos azuis do rapaz brilhavam com a ideia e sua pele dourada começava a suar com o nervosismo. "Está tudo bem, vocês se conhecem há anos, já almoçaram juntos milhares de vezes... É claro que Felicity sempre estava presente e nunca saímos assim sem ela, mas... Tudo dará certo", ele pensou otimista.
Assim que ambos se encontraram do lado de fora, Leonel se apressou a dizer:
— Eu realmente não esperava te ver hoje, Kiara, mas confesso que foi uma surpresa muito boa! — ele sorri.
— Também é muito bom te ver, Leo. O que acha de comermos naquele restaurante que a Felicity adora? — ela sorri de volta.
— Eu topo! A comida lá realmente é deliciosa.
Eles começaram a caminhar e Kiara pensava freneticamente em uma forma de abordar o assunto alvo com Leonel sem parecer que foi ali somente para isso.
— Então Leo, falando na Felicity... Você têm visto ela?
— Você sabe que eu e a Feli não ficamos mais que uma semana longe um do outro — ele sorri com carinho — mas eu realmente estive ocupado com alguns casos na última semana e acabei não indo vê-la. Por que?
— Bem... eu também não consigo vê-la há algum tempo, nem falar por telefone.
— Mesmo? Tentou ir à casa dela? — ele pergunta preocupado.
— Sim, mas ela não estava. O avô disse que ela teve de viajar para a casa dos avós paternos — Kiara dá de ombros.
— Ah sim, deve ter sido uma emergência então para ter de sair no meio do semestre — ele fala pensativo.
— Foi o que o avô dela disse — Kiara fala, visivelmente contrariada.
— Mas aparentemente você não acreditou — Leonel conclui ao observar a amiga.
— É só que... — ela suspira — eu tenho certeza que ele estava mentindo Leo!
— Kiara... Por que o Sr. Burnett mentiria sobre isso? — ele pergunta sem dar crédito à desconfiança de Kiara.
— Foi exatamente o que eu pensei! Mas eu sei que ele mentiu!
— E como você sabe?
— Pelo modo como ele estava agindo — ela fala como se fosse o óbvio.
— Olha... eu sei que você é quase uma psicóloga e estuda para entender também as ações das pessoas, mas talvez você esteja equivocada.
— Eu não estou equivocada! E tem mais, você também não acha estranho a Felicity sumir do nada e nem avisar os melhores amigos? Mesmo que tenha sido uma emergência, ela não teria tempo nem para um SMS?
— Eu só acho... — ele começa calmamente — que o avô dela não teria motivos para mentir sobre isso.
Kiara fecha a cara e, com os braços cruzados, fita Leonel com os olhos queimando.
— Então você acha que estou imaginando coisas?
— Eu não disse isso... — Leonel se defende assustado.
— Então o quê?
— Eu só não sei o que você quer que eu faça, Ki — responde exasperado.
— Quero que rastreie o celular da Felicity! — ela fala decidida.
— O quê? — o tom de voz do rapaz se eleva com a surpresa.
— Que foi? Você é um detetive, não deve ser grande coisa rastrear um celular. — ela fala sem dar importância.
— Acontece que isso é ilegal, e se me descobrirem?
— Ninguém vai te descobrir, Leo — Kiara revira os olhos. — Eu sei que você tem os seus meios — ela pisca.
— Isso não importa Ki, continua sendo errado!
— E se a Felicity estiver sofrendo por aí em algum lugar sombrio? E se tiver acontecido algo com ela? Você vai aguentar carregar a culpa pelo resto da vida?
Leonel fecha os olhos e suspira pesadamente. Kiara abre um largo sorriso porque sabe que venceu a batalha. "Foi mais fácil do que imaginei", ela conclui pensativa.
— Se eu perder o meu emprego por causa disso, você vai pagar minhas contas! — ele fala para Kiara, ainda sem acreditar que faria aquilo.
— Obrigada, obrigada, obrigada!
A garota pula abraçando Leonel e o rapaz sorri pensando que, perder o emprego não seria tão ruim se ganhasse um abraço daquele todos os dias.
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