Capítulo 7 - Mais uma furada

~ 1938 palavras

No caminho para a casa de Darvin, colho algumas ervas marinhas parecidas com a erva de Santa Maria que minha avó utilizava quando eu, por acaso, machucava-me brincando na rua com outras crianças. Obviamente não se trata da mesma erva, mas espero que possa surtir um efeito igualmente bom contra hematomas. Mais cedo, enquanto conversava com o rei, notei que o baque da noite anterior deixou um baita roxo em seu braço esquerdo e, como tudo foi culpa minha, espero poder ajudá-lo com isso.

Assim que avisto a casa de Darvin, nado mais rapidamente, afinal, lembro-me que não posso demorar e me dar ao luxo de quebrar o toque de recolher, com certeza dessa eu não passaria. Aliás, passaria sim, dessa pra melhor, que Deus me ajude!

Me aproximo da porta de entrada e antes que eu bata a mesma se abre apresentando-me um Darvin cheio de energia e um sorriso vibrante no rosto.

- Finalmente você chegou! - ele me saúda com um abraço apertado.

- Como é? - pergunto confusa.

- Você saiu do castelo há 20 minutos, o caminho daqui até lá só leva 10, por que demorou tanto?

- Eu parei pra colher algumas ervas que vi enquanto nadava e... Espera! Você sabia que eu estava vindo?

- Claro! - ele fala como se fosse óbvio.

- Claro? - questiono incrédula.

- Claro bobinha - ele ri.

- Como? - pergunto boquiaberta.

- Digamos que eu sei de tudo - ele dá de ombros.

- O que você é?

- Sabe, sua curiosidade realmente me encanta, mas você não precisa saber de tudo.

- Mas...

- Sem "mas"! - ele me interrompe - Vamos falar sobre sua vinda aqui.

- Pra que? Você sabe de tudo então por que apenas não me diz qual a resposta?!

- Então você veio com a língua afiada hoje! - ele ri.

Reviro os olhos enquanto ele me empurra para dentro e fecha a porta.

- Vai me dizer o que te trouxe aqui ou terei que adivinhar? - ele pergunta.

Olho para os lados desconfiada e pergunto.

- Você está sozinho?
- Sim, por ora.
- E aquela lagosta atrevida? -questiono.
- Quem? Muci?
- Você conhece outra lagosta atrevida?

Darvin solta uma gargalhada e diz:

- Eu já disse que adoro você garota?

- Eu to falando sério Darvin - encaro ele - Realmente tenho algo importante a dizer.

- Tá, tudo bem - ele para de rir - Muci não mora comigo, apenas trabalha para mim e hoje é seu dia de folga. Então, somos eu e você, pode dizer o que quer.

Aproximo-me de Darvin com medo de que as paredes daqui também tenham ouvidos e sussurro:

- Assassinaram alguém no palácio essa madrugada.

- Ah... É mesmo? - ele pergunta como se não estivesse nem um pouco surpreso.

- Sim! - ergo o tom da minha voz - Ouvi dizer que arrancaram suas unhas das mãos e os fios de sua cabeça!

- Isso é... Peculiar - ele dá de ombros.

- Por que está agindo como se não estivesse surpreso? - questiono.

- Porque não estou surpreso, eu já sabia.

- Você... Sabia? Como? - pergunto com os olhos arregalados.

- Da mesma forma que eu sabia que você havia saído do palácio.

- Darvin, você está me deixando assustada e com medo. Ta falando como se fosse um membro da máfia!

Darvin ri com diversão e fala.

- Eu vou te explicar tudo, okay?

- Por favor! - peço.

- Muito bem. Você foi confundida com a enviada de Karpata, certo?

- Ahm... Certo. Mas o que isso tem a ver com você saber das coisas?

- Karpata vem de uma longa linhagem de sereias videntes que possuem... - ele para pensativo, como se procurasse a palavra certa para descrever - Dons, digamos assim.

- Dons? - pergunto incrédula.

- Sim. Algumas das videntes possuem o dom da cura, outras do amor...

- Continuo sem entender aonde você quer chegar - falo exasperada.

- Eu sou o último Tritão remanescente da linhagem de Karpata.

- O que isso quer dizer?

- Exatamente o que eu disse, toda a linhagem atualmente se resume em sereias, exceto por mim, o último tritão.

- E qual é o seu dom?

- Eu consigo saber o que está acontecendo em qualquer lugar desse mar, só preciso pensar em um local ou em alguém e minha mente me leva diretamente para ele.

- E você estava pensando em mim?

- Eu estava pensando no palácio para me atualizar do que acontecia lá dentro, foi quando descobri sobre o assassinato e depois vi quando você pedia ao rei para me visitar.

- Então você é a verdadeira enviada de Karpata?

- É claro que não, Felicity! - ele ri.

- Mas você sabe quem ela é?

- Na verdade, faz muito tempo que não penso em Karpata, então digamos que não estou atualizado sobre o que acontece lá.

Enquanto tento assimilar tudo o que Darvin está dizendo, um rápido pensamento percorre minha mente trazendo um fio de esperança.

- Darvin! - grito animada.

- Que foi menina? - ele pergunta assustado.

- Todo o reino desconfia que o rei está envolvido na morte do Sr. Thomas e, infelizmente, não tenho provas do contrário. Mas, se você pode ver tudo, então pode ver quem matou ele! - bato palminhas animada.

- Eu sinto muito, Felicity - ele fala cabisbaixo - Pra fazer isso, eu teria de ter pensado no local do assassinato no momento do crime. Infelizmente, não consigo ver o que aconteceu no passado, só funciona com o presente.

Sinto meu semblante desfalecer instantaneamente.

- Mas então... Nunca vou conseguir provar que o rei é inocente - falo cabisbaixa.

- Mas eu tenho algo que pode ajudar! - Darvin fala sorrindo.

- O que é?

- Um livro!

- Um livro? - pergunto incrédula.

- Mas não um livro qualquer. Eu estava pesquisando mais cedo sobre este assassinato e adivinha?

- O que?

- O livro o descreve!

- Que? Como uma... Profecia?

- Não exatamente... Mas como parte de uma. O livro na verdade, trás uma espécie de receita para a vida eterna e poder imensurável.

Não me contenho e começo a rir.

- Todo mundo sabe que a única certeza da vida é a morte. É impossível viver pra sempre! - declaro.

- Da mesma forma que é impossível sereias existirem? - ele questiona divertido.

- Dessa vez você me pegou. - sorrio - Mas então, o que o livro diz?

- De acordo com o livro... - Darvin levanta-se e pega um livro de cima da mesa - Aqui está!

Ele abre o livro em uma página e começa a ler em voz alta um trecho:

- "Três nobres devem morrer. Do tecido morto que nunca para de crescer, uma poção mágica deves fazer".

- Do tecido morto que nunca para de cres... - analiso pensativa e arregalo os olhos quando entendo - Meu Deus!

- Exatamente! - Darvin concorda.

- O tecido morto que nunca para de crescer se refere aos fios de cabelo e as unhas! É sobre isso que o livro fala!

- Exato! Você entendeu rápido.

- Ah meu Deus, Darvin! Então isso significa que... - paro a frase no meio do caminho, com medo de pronunciá-la.

- Sim, Felicity. O assassino ainda precisa da vida de dois nobres.

- Não podemos deixar isso acontecer!

- Isso é muito maior do que nós Felicity! Seja lá quem estiver envolvido nisso, não quer apenas a vida eterna mas todo o domínio dos mares.

- Então se conseguir outros 2 nobres, tudo está acabado?

- Não é tão simples assim, este é apenas o primeiro passo.

- O rei precisa saber disso! Darvin, posso levar esse livro comigo?

- Bom, eu não vou precisar dele então... Apenas prometa que vai devolvê-lo intacto.

- Mas você disse que não vai precisar dele!

- Mas o livro é meu e não é qualquer um que o possui. Gosto de manter minha coleção completa. Prometa!

- Ta - reviro os olhos - Eu prometo!

Pego o livro e o abraço, como se fosse algo muito importante para mim.

- Darvin, tenho outra pergunta.

- Lá vamos nós outra vez... - ele fala entediado.

- Você permitiria que eu morasse aqui com você?

- Quê? Por que?

- Bem, digamos que tem um assassino no palácio, não me sinto muito confortável com ele lá.

- E pensando nisso você decidiu que queria morar comigo?

- Desde que cheguei aqui tudo à minha volta parece chamar a morte e eu não quero morrer!

- Você não precisa se preocupar com isso, o assassino está atrás de sangue nobre e você... bem... Convenhamos, você não tem nada de nobre, Felicity.

- Não sei se eu deveria me ofender ou agradecer por isso...

- Além do mais, você tem um compromisso com o rei, certo?

- Sim, mas posso continuar com minhas pesquisas aqui, você poderia me ajudar, afinal, o sangue de Karpata corre nas suas veias.

- Eu adoraria te ajudar com isso meu amorzinho, mas tenho coisas mais importantes pra fazer.

- Você não tem nada mais importante pra fazer. -falo cruzando os braços.

- Tem razão. - ele ri- Mas não estou nem um pouco interessado em tentar ressuscitar os mortos, você se meteu nessa então terá que se virar sozinha. Se quiser mesmo morar aqui, não vou te impedir, mas não espere que vou te ajudar com suas loucuras.

- Está bem, está bem. Você está certo, eu me meti em uma furada e agora não faço ideia de como sair dela.

- Eu realmente espero que você consiga manter essa farsa durante um ano. Se o rei descobrir ele vai...

- Eu sei! - corto ele - Não precisa dizer o que ele vai fazer comigo Darvin, eu já sei. - reviro os olhos.

- Ta bom esquentadinha! - ele ri novamente.

Darvin e eu conversamos por horas, era incrível, como se nós já nos conhecêssemos há muito tempo. Darvin contou tantas histórias engraçadas para mim, que agora acho impossível alguém ter vivido tantas aventuras como ele.

- Mas então, você pretende dormir aqui hoje? - ele pergunta depois de um tempo.

- Dormir? Não não. Na verdade preciso voltar para o castelo antes do toque de recolher.

- Mesmo? Por que ele vai tocar daqui... 3 minutos. - ele ri.

- QUÊ? - grito arregalando os olhos - Meu Deus! Como a hora pôde passar tão rápido? É o meu fim Darvin! Literalmente o meu fim! Eu preciso ir, tipo agora! Você acha que consigo chegar em 3 minutos?

- Claro, se você aprendeu a se teletransportar, você consegue sim.

- Droga! - choramingo.

Levanto rapidamente tomando comigo o livro de Darvin e vou em direção a porta.

- Obrigada pelo dia de hoje Darvin, nos vemos em breve se eu sobreviver!
- Eu espero que sim!

Ele acena com a mão, sorrindo, enquanto eu me afasto rapidamente fazendo uma breve oração mental para chegar antes do toque de recolher. No meio do caminho, não consigo parar de ouvir repetidas vezes em minha mente, a voz do rei dizendo que qualquer um que fosse encontrado pelos guardas após o toque de recolher, seria interrogado como suspeito de assassinato. Sinto um calafrio percorrer minha espinha. Não tenho coragem sequer de matar uma formiga, imagine um ser human... Digo, marinho.

Faltando cerca de 1km para alcançar o palácio, fui capaz de ouvir o som do toque de recolher ecoar, causando uma leve vibração na água e também no íntimo do meu ser. Parei o meu nado pensando seriamente se voltava para a casa de Darvin ou se tentava entrar no castelo inventando uma desculpa. Mas que desculpa eu poderia dar? Fiquei presa no trânsito de barbatanas e caudas escamosas? Isso soaria ridículo.

Então, a melhor saída é, sem dúvida, voltar para a casa de Darvin. Dou meia volta e assim que me preparo para percorrer o mesmo caminho trilhado há pouco, dois guardas reais surgem à minha frente.

- O que está fazendo por aí a esta hora? - um deles me pergunta
- Eu...

Engulo em seco sentindo meu coração bater em meus ouvidos. Ao menos sei que ele está batendo, o que significa que ainda estou viva.

- Sinto muito, mas terá que nos acompanhar. - o outro diz, vindo em minha direção.

- Espere! - falo rapidamente - Eu posso explicar!

- Muito bem, explique-se então. - o primeiro fala, cruzando os braços.

- Eu... Bem... Eu...

O que vou inventar? Pensa, Felicity, pensa.

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