Capítulo 6 - Caden, um enigma

(3050 palavras)

FELICITY ON

Por algum motivo eu havia perdido minha voz, não conseguia dizer nada, apenas observar boquiaberta aquele ser parado diante de mim. Isso lá é hora pra deixar a demência tomar conta Felicity? Recomponha-se agora! O belíssimo me lançou um sorriso travesso e perguntou:

- Se sente bem? Está machucada? -ele me observa.

Sacudo a cabeça negativamente. É melhor mesmo ficar quieta, decido. Afinal, até agora todas as vezes que abri minha boca contei mentiras tão absurdas que talvez me levem à morte! É melhor não me dar a chance de piorar minha própria situação...

- Eu me chamo Caden, sou filho do governador de Coral, você é...?

Ele deixa a pergunta no ar e eu dou um sorriso amarelo.

- Você é muda? -ele pergunta.

Dou mais um sorriso e encolho os ombros afirmando com a cabeça. É melhor me fazer de muda do que deixar escapar algo que possa me comprometer depois.

- Então vou tentar adivinhar seu nome. Que tal Apurinã? -ele questiona.

Faço uma careta. Que diacho de nome é esse? Por acaso eu tenho cara de Apurinã? Aliás, por acaso existe alguém que tenha cara de Apurinã? Já vi que esse cara não bate bem da cabeça. Meu Deus, só aparece gente doida na minha vida, penso.

- Muito bem, se não é Apurinã, que tal Alma? -ele tenta.

Ah pronto! O que ele quer dizer com isso? Que eu tenho cara de alma penada? Pareço um fantasma? Cruzo os braços e fecho a cara. Não tem nenhum nome bonito e normal que se pareça comigo?

- Tudo bem, tudo bem. -ele ri erguendo as mãos com as palmas abertas em sinal de rendição. - Eu tenho uma ideia.

Ele se abaixa e começa a recolher pequenas conchas enterradas no chão de areia. Então se levanta e me oferece-as.

- Por que não tenta escrever seu nome na areia com essas conchas? -pergunta.

Eu o observo desconfiada mas, por fim, pego as conchas de sua mão e me abaixo, organizando-as no chão e formando meu nome.

- Felicity. -ele fala como se provasse o gosto da palavra na boca- Gostei -conclui.

Só isso? "Gostei"? O meu nome é lindo! Como ele pode dizer apenas que gostou? Como se o nome dele fosse lá essas coisas... "Caden", isso é nome de mané.

- Foi um prazer conhecê-la senhorita, no entanto, preciso resolver algumas coisas agora e já estou atrasado -ele ri- não é uma novidade, sempre me atraso, mas esse assunto é mesmo importante, então se me der licença...

Ele faz uma reverência e logo some por entre os corredores. Eu hein, que cara mais estranho... Será que esse assunto tem a ver com o assassinato? Ele não parecia nem um pouco preocupado ou triste com a perda de um membro da própria corte. Devo achar isso suspeito?

REI TRITÃO/ASH ON

A situação não estava nada boa. Confesso que há muito tempo não vivia um caos como o de agora. Eu podia sentir um tufo de cabelos brancos nascendo no topo da minha cabeça diante de tamanho estresse. Após o assassinato de um dos membros do Conselho de Coral, os cidadãos querem justiça e a morte do culpado. O único problema é que não sabemos quem é o culpado. A reunião estava aberta e o Sr. Torton tinha a fala no momento:

- Uma coisa é certa, o assassino não é leigo, ele sabia o que estava fazendo e não deixou rastros nem provas. Foi um crime perfeito! -Sr. Torton declara.
- Acredito que o primeiro passo para pegar o assassino é descobrir se o Sr. Thomas tinha algum inimigo -falo.
- É claro que ele tinha inimigos, era meu braço direito no Reino Coral, muitos desejavam o cargo dele -Sr. Torton fala.
- Então devemos reunir todos os que já demonstraram interesse no cargo e entrevistá-los. -acrescento.
- Eu acredito que o assassino tinha motivos ainda mais ocultos para fazer o que fez.

A porta se abre e Caden, filho do Sr. Torton, aparece falando.

- E peço desculpas pelo atraso senhores, tive um pequeno... imprevisto no caminho -ele se senta ao lado do pai e me encara.
- E o que te faz acreditar que o assassino tinha outros motivos? -questiono.
- A brutalidade do assassinato -ele da de ombros- É óbvio que quem fez isso tinha algum tipo de ressentimento pelo Sr. Thomas.
- Isso não é um argumento plausível Sr. Caden - retruco.
- E que tal o fato de que outro dia vi Sr. Thomas discutindo com vossa majestade sobre um possível casamento com a filha dele? No entanto, todos nós nesta sala sabemos que vossa majestade não está interessado em se casar...
- O que está insinuando com isso Sr. Caden? -pergunto friamente.
- Só estou dizendo que quem o matou talvez estivesse apaixonado pela filha de Sr. Thomas, talvez até mesmo tenha pedido a mão dela em casamento mas teve seu pedido negado por não ser alguém da nobreza. Todos aqui sabemos como essas coisas funcionam, então ele matou o Sr. Thomas, assim ninguém mais ficaria no caminho para que vivesse seu grande amor -ele finaliza com um sorriso astuto no rosto.
- Você tirou essa história de um livro ou sua mente realmente é criativa assim? Essa reunião não é uma brincadeira Sr. Caden -falo.

Eu não era idiota, ninguém ali era. A verdade é que Caden contou toda essa história apenas para que todos soubessem que Sr. Thomas queria me casar com sua filha e eu não estava interessado. De acordo com a lei, eu precisava me casar, precisava de um herdeiro. Para recusar uma aliança com alguém da mais alta nobreza teria de haver um motivo plausível, caso contrário poderia causar grande revolta. Bem, todos sabem que não existiam motivos contra Sr. Thomas e sua família, eram impecáveis. Desta forma, sugestivamente Caden queria me incriminar, tornando-me um suspeito no meio da reunião de forma discreta, afinal, ele não era idiota ao ponto de me acusar descaradamente.

- Sr. Thomas queria casar a filha com vossa majestade? - um membro do conselho de Coral questiona, Sr. Philip.
- Por que ninguém ficou sabendo disso? -outro sussurra.

Começo a ouvir os burburinhos silenciosos entre os membros presentes e vejo um sorriso triunfante brotar nos lábios de Caden. Ele conseguiu o que queria, levantar suspeitas contra mim.

- Então o rei também tinha motivos para querer matá-lo... -mais um sussurra.
- Chega! -grito levantando-me- Não vou admitir insinuações deste tipo, se alguém tiver uma acusação contra mim que fale agora e me mostre provas concretas, achismos e teorias não serão tolerados!

Todos ao redor da mesa se calam me observando.

- Alguém tem algo a declarar? -questiono friamente.

Todos permanecem calados, como se não soubessem mais como pronunciar as palavras.

- Então eu declaro que esta reunião está encerrada, assim que informações concretas e significativas forem encontradas, marcaremos uma nova assembléia. Estão dispensados.

Observo enquanto todos ajuntam seus pertences e começam a sair da sala.

- Menos você Sr. Caden, gostaria que ficasse para trocarmos algumas palavras.
- É claro, vossa majestade. -ele fala com um sorriso.

Aguardo que todos saiam e fecho a porta da sala ficando a sós com Caden.

- Eu sei o que está tentando fazer Caden, mas não vai funcionar.
- É mesmo? E o que estou tentando fazer?
- Você quer que pensem que eu assassinei Sr. Thomas, não precisa fingir que não sabe do que estou falando.
- Não, eu não vou fingir -ele fala sério- É exatamente isso que eu quero e vou provar que você está por trás disso.
- Ficou maluco? -pergunto.
- Não é tão diferente do que fez com a minha irmã, ela morreu por sua culpa, porque você não soube protegê-la! -ele fala com raiva.
- Caden...
- Eu vou provar pra todos que você é um assassino Ash, você vai pagar caro pela morte de minha irmã!
- Eu também perdi ela! Eu a amava...
- Se a amasse teria protegido sua vida! Você não sabe a dor que eu senti, quando nossa mãe morreu, ela foi a única que me restou. Ou você acha que meu pai se importava com os filhos? Ele só se importa com poder! Ariela não... -ele sorri tristemente- ela era toda a minha família e por sua causa não me restou ninguém. A única maneira de eu ser feliz de novo é saber que você vai ser destronado e passar o resto da vida aprisionado.
- Você sabe que não vai conseguir fazer isso.
- Se conseguir provas o suficiente contra você, levarei-as até o oráculo. Acha mesmo que não receberá o que merece após isso? Pelo que sei, o último rei que ousou assassinar um membro da nobreza sem o mesmo ter cometido um crime, foi expulso pra sempre do mar pelo oráculo e agora vive uma vida medíocre e terrena -ele cospe as palavras.
- Então boa sorte na sua jornada em conseguir provas contra mim, porque não vai encontrar nada!

Assim que finalizo minha frase, a porta da sala se abre.

FELICITY ON

Enquanto andava pelo corredor, vi vários tritões elegantes vindo da direção oposta a qual eu estava. Eu precisava falar com o rei e algo me dizia que eles sabiam onde ele estava.

- Com licença senhor -paro um deles- Sabe me dizer aonde o rei está? -pergunto.

O senhor me olha de cima a baixo como se eu tivesse vindo de outro mundo - o que não era totalmente uma mentira - e responde:

- Está na sala de reuniões, é só seguir esse corredor até o final.
- Muito obrigada! Sabe se a reunião já terminou?
- Sim acabou de terminar. Agora se me der licença...

Ele se afasta rapidamente.

- Tchau pra você também! -sussurro irritada.

Esse povo não sabe se despedir não? Só sabem sair nadando do nada? Engulo minha irritação e nado até o fim do corredor onde vejo uma grande porta com a escrita "Sala de Reuniões". Deve ser aqui mesmo! Abro a porta e arregalo os olhos assim que vejo que o rei não está sozinho, aliás, sua companhia na verdade é Caden, o rapaz de mais cedo. Exatamente, aquele que pensa que sou muda. Maravilha! Dou um sorriso amarelo e começo a fechar a porta bem rapidinho pra "dar no pé".

- Felicity... -ouço o rei me chamar e fecho os olhos praguejando baixinho - venha até aqui e diga o que quer.

Abro a porta novamente e balanço a cabeça negando. Por que eu senhor?

- Está dizendo não pra mim? -o rei questiona surpreso.

    Olho para Caden e vejo que ele me observa. Droga! Se eu falar ele vai saber que eu menti! Balanço a cabeça negando novamente e o rei estreita os olhos para mim.

- O que aconteceu com você? -ele pergunta - Venha até aqui, já terminei meus assuntos.

    À contragosto, começo a caminhar em direção a ele. Assim que chego perto ele pergunta:

- O que faz aqui?

     Como vou fazer pra explicar algo sem falar? Dou de ombros e tento fazer sinal de que estou comendo, indicando que errei a porta e procurava a cozinha.

- Você... Está com fome! -Caden arrisca.

      Eu sorrio para ele e concordo.

- Que tipo de brincadeira é essa? - o rei pergunta irritado - Felicity qual o seu problema?
- Qual é o seu problema? - Caden pergunta também irritado - Você não respeita nem mesmo os mudos?

      Eita! Impressão minha ou existe um clima estranho entre esses dois? Parece que se odeiam!

- Os mudos? - o rei pergunta confuso.

Ai essa não... Deus me defenda.

- Você se acha muito superior não é mesmo? Nao tem direito de falar assim com ela só porque é muda! - Caden fala.
- Muda? Desde quando? Felicity fala mais do que qualquer um que conheço.

        Ei! Eu também não falo tanto assim! Os dois seres sentados me encaram como se esperassem por uma resposta e, bem, era isso mesmo que estavam esperando. Agora resta saber qual papel vou interpretar: fico brava e invento um motivo pra isso? Faço cara de coitada esperando que tenham dó? Ou simplesmente dou de ombros e tento não dar importância dizendo que foi tudo um mal entendido? Gosto da ultima opção, tendo em vista que minha cara de coitada provavelmente os assustaria e ficar brava pode resultar na minha morte...

- Muda eu? -dou risada- Claro que não, eu só... Estava muda diante de... Toda a situação que havia acabado de presenciar. Os senhores devem entender é claro, não é todo dia que se acorda sabendo que alguém foi assassinado no mesmo castelo que você está... Sabe, é assustador! Na hora perdi as palavras com o choque.

     Caden me encarava desconfiado e com um sorriso de deboche no rosto, mas o rei parecia achar a história cabível. Sorte a minha, não sei como ele ainda acredita nas coisas que eu falo...

- Você pode sair agora Caden, terminamos aqui - o rei fala.

     Caden se levanta com faíscas saindo pelos olhos e posso sentir o ódio emanando de dentro dele. Como é possível alguém mudar de humor tão rapidamente desta forma? Assim que ele se vira para sair eu falo:

- Ei Caden, peço desculpas pelo mal entendido!

     Ele me lança um sorriso travesso como quem diz "me engana que eu gosto" e sai da sala imediatamente.

- Então vocês já se conheceram? - o rei pergunta.
- Ah, sim. A gente se esbarrou mais cedo, coisa boba. -sorrio.
- E por que fez ele pensar que era muda?

      Então ele não acreditou em mim. Lá vamos nós...

- Não achei que fosse necessário bater um papo com ele. Ele é estranho -dou de ombros.
- O que você quer dizer? -ele parece interessado.
- Quero dizer que ele não parece nem um pouco preocupado, assustado ou triste com a morte de um membro da própria corte. Não acha isso estranho?
- Na verdade, eu não tinha parado pra pensar nisso. Mas agora que você disse... Acha que ele pode estar por trás disso?
- Uou uou uou, não foi isso que eu quis dizer! -falo rapidamente- Não quero me envolver com essas coisas não, se é que me entende - pisco.
- Na verdade não, não entendo -ele fala confuso.
- 'Deer', você sabe como funciona esse negócio de crime, se o criminoso sonha que você desconfia dele, ele vem e acaba com você também! - falo como se fosse o óbvio.
- Então você desconfia dele?
- Não desconfio de nada, sou jovem demais pra morrer.
- Então você desconfia! -ele conclui.
- Ser estranho não é motivo o suficiente pra desconfiar de alguém sabe... Assim como pensar que você mataria alguém só porque o Sr. Torton te fez uma proposta doida pra ser seu braço direito...
- Aonde você ouviu isso? -ele me corta.
- Mais cedo quando acordei, ouvi rumores...

       O rei fecha os olhos e massageia as têmporas como se sentisse uma enorme dor de cabeça.

- Então todos estão comentando como se eu fosse o culpado...
- Fofoca espalha rápido, mas liga não, logo passa.
- Você não entende Felicity... Aliás, por que não está desconfiando de mim também?
- Você não faria isso -dou de ombros.
- Como tem tanta certeza? - ele pergunta abrindo os olhos e me encarando intensamente.
- Eu só... sinto que não.
- Isso não é o suficiente para convencer o povo.
- Então vamos encontrar o verdadeiro culpado e prendê-lo. Não deve ser tão difícil assim achar um assassino.

        Ele me olha e sorri. Não um sorriso vazio e sem humor como sempre, mas um sorriso de verdade! Olho pra ele desconfiada e digo:

- Que sorriso é esse?

- Você fala como se realmente acreditasse que o que diz vai acontecer, mesmo quando todas as circunstâncias mostram que vai dar errado.

- Mas por que você sorriu? Você nunca faz isso, é assustador.

       Na verdade não era assustador, era lindo. Era como um leve raio de sol surgindo no meio de um dia chuvoso. No entanto, percebo que novamente utilizei as palavras erradas quando o rei fecha a cara e se levanta para sair da sala.

- Não que o seu sorriso seja assustador, na verdade, é um belo sorriso! Eu me referia ao fato de você nunca sorrir, isso é assustador, não o sorriso, seu sorriso é ótimo! - sorrio alcançando-o antes que ele chegue à porta.

      Ele para cruzando os braços e me encarando.

- Por que você estava me procurando? Queria dizer algo? - ele pergunta.

- Eu...

       O que eu vim fazer aqui mesmo? Oh sim!

- Eu vim para perguntar se posso sair do castelo para... visitar um amigo...

         É melhor primeiramente conversar com Marvin sobre a possibilidade de ficar morando com ele antes de pedir a permissão do rei para isso.

- Você não é uma prisioneira aqui, Felicity. Não é preciso ficar o dia todo dentro do castelo trabalhando, desde que se dedique de verdade à sua missão aqui.

- Com certeza senhor, tenho me dedicado.

- Mais alguma coisa?

- Não senhor.

        Ele se vira para sair mas para com a mão na porta.

- Felicity?

- Sim? - respondo.

- Volte antes do toque de recolher, não vai ser bom se te encontrarem nadando por aí no meio da noite.

- Por que não? O que vão fazer comigo? - pergunto temerosa.

- Com tudo isso o que aconteceu, fui obrigado a permitir que qualquer um que estiver fora de casa após o toque de recolher sem motivo, seja interrogado pela corte de Coral como suspeito. Eu não sei que meio eles utilizarão para este interrogatório então é melhor que volte antes.

- Pode ficar tranquilo majestade, estarei de volta muito antes do toque de recolher!

       Ele me olha por mais um segundo como se quisesse dizer alguma coisa, no entanto, vira as costas e sai em silêncio da sala. Aproveito a deixa e vou para meu quarto rapidamente, reunindo tudo o que vou precisar levar e constatando irritada que não tenho nada. Em outros tempos, não sairia de casa sem meu celular, uma bolsa grande com maquiagem, mini guarda-chuva, um casaco leve e outras coisas que sabemos que não pode faltar. Mas, a única coisa que tenho aqui é uma pilha de livros velhos sobre poções e magia. Aliás, isso nem é meu! Só quero que tudo isso acabe e eu possa voltar pra casa. Viva, por favor.

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