Capítulo 18 - Me preocupo com você

(2551 palavras)


Rei Tritão/Ash

  Voltei para meu escritório depois da breve discussão com Felicity, mas não conseguia de forma alguma me concentrar nos meus afazeres. Eu queria gritar pra que Felicity saísse da minha mente, mas no fim das contas, eu sabia que isso não iria funcionar. A cada cinco minutos tentando analisar uma proposta que recebi do Reino de Oceana, Felicity interrompeu meus pensamentos a cada seis.

— Se concentra! — falo irritado comigo mesmo.

    Pego os papéis novamente e começo a ler exercitando minha concentração. Porém novamente, ouço a voz dela em minha cabeça.

— A gente precisa conversar! — ela parecia revoltada.

— Eu já disse pra sair da minha mente! — ergo meu tom de voz e fecho os olhos irritado.

— Quem é que está na sua mente? — ela pergunta e só então percebo que, dessa vez, a voz não estava na minha mente, Felicity estava parada na porta do escritório com os braços cruzados.

— É só… Bem… — como eu poderia responder essa pergunta? Eu estava desconcertado.

— Tudo bem, se não quer dizer, não importa. Não foi por isso que eu vim — ela fala se aproximando da minha mesa.

— E por que você veio? — pergunto curioso.

    Eu deveria estar irritado pelo fato dela ter entrado em minha sala sem bater, mas a verdade é que eu estava ridiculamente feliz em vê-la, como se eu precisasse estar perto dela. 

— Que tal pelo fato de que, eu venci o general na luta com espadas e ele teve a audácia de simular a própria morte para me enganar! — ela fala como se fosse um ultraje o que ele fez — Mas essa não é a pior parte, a pior parte é que ele já sabia o motivo de eu estar lá, o que significa que alguém contou pra ele antes de mim! Além disso, ele parecia totalmente decidido a não permitir que eu colocasse o plano em ação.

— Você venceu ele na luta de espadas? — questiono surpreso.

— Não mude o foco! Foi você quem contou pra ele, não foi?!

— Eu… — suspiro pesadamente e apenas sacudo minha cabeça afirmativamente.

— Por que fez isso? — ela pergunta, a raiva sendo substituída por chateação.

— Eu fiz o que tinha de ser feito — respondo.

— Fez o que tinha de ser feito? O que quer dizer com isso? Se o plano não era bom o suficiente, bastava ter dito na minha cara! Não precisava fazer com que eu fosse até lá como uma palhaça! — agora ela estava definitivamente com raiva novamente.

— Felicity…

— Sabe o que é pior? — ela me corta, agora a mágoa novamente pairava em seu olhar e os olhos se encheram de lágrimas. Meu coração se apertou dentro do peito mas, apesar disso, não consegui deixar de pensar que talvez ela fosse bipolar — O pior é que perdi horas criando esse plano ridículo porque estava preocupada com você! Porque não conseguia parar de pensar que precisava, de alguma forma, ajudar a tirar um pouco do peso dos seus ombros! 

     As lágrimas escorriam voluntariamente de seus olhos e, por algum motivo, senti minha garganta fechar ao vê-la dessa forma. Eu queria envolvê-la em meus braços e abraçá-la fortemente enquanto afagava seus cabelos ruivos, mas contive o ímpeto. No fim das contas eu estava petrificado e não sabia muito bem o que dizer ou como agir, de modo que acabei apenas fazendo uma pergunta estúpida.

— Por que você faria isso por mim? 

— Sei lá — ela responde espantando as lágrimas — talvez eu seja estúpida demais.

— Você não é estúpida — falo rapidamente.

— Tem certeza? Porque eu acho que sim! Só uma estúpida se preocuparia tanto com alguém que não dá a mínima pra ela.

      Ela vira as costas para ir embora e sinto o pânico tomar conta do meu corpo, eu não podia suportar vê-la partir daquela forma, com aquele olhar de mágoa em seu rosto por minha causa. Em um ato involuntário, me levanto e nado rapidamente em sua direção. Sem me dar conta, meus dedos já estavam ao redor de seu pulso, impedindo-a de chegar à porta. Sentir sua pele macia em contato com a minha trouxe um sentimento que eu nem sabia que ainda era capaz de sentir. O sentimento de realmente me importar com alguém ao ponto de esquecer por um momento que eu era um rei. Ao ponto de, por um momento, ser apenas o Ash novamente.

— Não vá — peço em um sussurro angustiado e, as próximas palavras que saem da minha boca me surpreendem — E-Eu… Me preocupo com você também.

— O que quer dizer? — ela questiona parecendo instantaneamente surpresa.

      Nossos olhares se cruzam por um curto espaço de tempo, porém, o bastante para que eu sentisse como se nada mais importasse. Os olhos de Felicity tinham minha total atenção.

— Foi por isso que contei tudo ao general — começo a dizer, antes de desviar meus olhos dos seus, envergonhado com minha própria atitude — eu contei a ele sobre o plano e disse para que ele não o aceitasse. Fiz isso porque me preocupo com você.

     Percebo que ainda estou segurando seu pulso e, lentamente, removo cada um dos meus dedos do aperto. Não sentir mais sua pele sob a minha causou uma sensação estranha de vazio em mim.

— Mas… Era só um plano — ela fala calma.

— Um plano que poderia colocar sua vida em risco, caso o assassino descobrisse que planejava atrapalhar os dele.

     Ela abre a boca para dizer algo, mas desiste no meio do caminho. Então apenas sacode a cabeça em afirmativa e responde cabisbaixa.

— Tudo bem, obrigada por me dizer a verdade.

     Percebo que ainda está chateada e, em uma luta interna dentro de mim, a voz da razão me faz enxergar que não devo interferir dessa forma neste assunto. O plano da Felicity era bom e, seria bom para o reino também. Como um rei, deveria colocar o bem estar do povo em primeiro lugar. 

— Vamos usar o seu plano — falo num impulso.

— O que você disse? — ela pergunta arregalando os olhos.

— Podemos usar o seu plano, desde que seu nome não seja vinculado a ele. Vamos deixar o autor em segredo. 

— Tá falando sério mesmo? — ela pergunta animada.

    Eu sacudo a cabeça afirmativamente e surpreendo-me quando Felicity envolve seus braços em mim e me abraça feliz, como se tivesse ganhado um presente especial. Fico tenso no mesmo instante e perco a reação por alguns segundos. Meus braços se afastam para não abraçá-la mas, por fim, permito que minhas mãos fiquem espalmadas sobre suas costas delicadas.

— Obrigada, obrigada, obrigada! — ela ri se sacudindo, fazendo com que nós dois movimentemos a água ao nosso redor em uma cena que poderia até mesmo ser engraçada.

     Solto um riso espontâneo e o som parece estranho aos meus ouvidos. Há quanto tempo eu não ria dessa forma? Felicity se afasta alarmada e me encara com um sorriso desconfiado.

— Você acabou de rir mesmo? — ela pergunta divertida.

— Eu? — tiro o sorriso rapidamente do rosto e tento ficar sério — Não, não ri.

— Riu sim! — ela debocha divertida, apontando o dedo no meu rosto e acabo deixando escapar outro riso — Viu? Está rindo, eu sabia! 

— Não estou rindo, estou apenas exercitando meus músculos faciais — invento uma desculpa.

— Corta essa! Não há mal algum em rir, pelo contrário, rir é um remédio poderoso! — ela fala como se entendesse do assunto. 

— Muito bem, que tal irmos ao que interessa? — mudo de assunto — Avisarei ao general sobre o uso do seu plano e, enquanto isso, você pode procurar a lista de convidados do baile com a organizadora do evento, vamos precisar de todos os nomes e só ela os tem.

— Tá legal, perfeito, qual o nome dela? — ela pergunta interessada.

— Flora — respondo — Flora Aspergate. Provavelmente ela estará no salão de baile. Consegue encontrar sozinha?

— É claro que sim, eu me viro! — responde animada e sai nadando da sala em questão de segundos, tão rápido quanto entrou. Sacudo a cabeça sorrindo. Felicity realmente é uma peça rara.

Felicity

    Meu coração ainda tentava recuperar as batidas após o toque e as palavras de Ash, no entanto, dei o máximo de mim para agir normalmente. Mas era difícil, não dava pra acreditar que ele disse com a própria boca que se preocupava comigo. Quais eram as chances?

    Ao sair de seu escritório, fui rapidamente em direção ao salão de baile. Agora só restava completar a lista com os nomes dos nobres que viriam para a festa. Certo dia ao conversar com Melody, ouvi dizer que a tal organizadora de eventos é uma tremenda faladora, basta apenas tirar um tempo para passar ao lado dela e descobrirá tudo o que acontece no palácio e mais um pouco. 

     Ela era perfeita, tanto para me passar a lista dos convidados, quanto para alimentar o meu curioso subconsciente que insiste em querer saber da vida de pessoas que nem conheço. Ou melhor, de peixes que nem conheço. Ah, tanto faz! Vocês me entenderam.

     Adentro o salão de baile e o primeiro ser que vejo, sem dúvidas, é a organizadora. Sei disso pois ela era a única que estava ditando ordens o tempo todo e não parava de falar e reclamar por um segundo. Aproximo-me lentamente e tento parecer educada.

— Olá, com licença, Srta. Flora Aspergate? 

     Ela se vira para mim, mal humorada, e me olha de cima a baixo. Por algum motivo ela me parecia familiar, apesar de acreditar que nunca a vi antes. Dou um risinho sem graça e tento demonstrar simpatia.

— Eu sou Felicity, sou a enviada de Karpata e preciso de uma palavrinha com você — sorrio.

    Como eu conseguia dizer tão naturalmente que era a enviada de Karpata? Eu realmente havia virado uma sem vergonha, estava começando a acreditar na minha própria mentira!

— Em quê posso ajudá-la mocinha? — ela pergunta sem me dar muita atenção.

— Bom, eu preciso da lista de todos os convidados que virão para a Festa dos Sete Mares.

    Ela se vira lentamente na minha direção e seus olhos se tornam duas fendas me analisando desconfiados. Com certeza, ativei o seu eu fofoqueira.

— Por quê você precisa disso? — ela pergunta.

Por quê? — repito sua pergunta.

   Desta vez fui pega desprevenida, não esperava que ela fosse realmente perguntar o motivo, afinal de contas, eu era a enviada de Karpata, isso não me elevava socialmente ao ponto de não precisar dar satisfações? Bem, pela cara dela de quem ainda esperava por uma resposta, ser a enviada de Karpata não devia valer muita coisa por aqui. Então, resolvi respondê-la com outra pergunta.

— Por que você quer saber o porquê de eu precisar disso? — tento encará-la ameaçadoramente.

— Por que está se esquivando de dizer o porquê? — ela devolve.

     Droga! Ela era boa nisso!

— Não estou me esquivando, por que acha que estou me esquivando? Definitivamente não estou!

— Você parece estar se esquivando para mim — ela dá de ombros.

— Tá legal, se quer tanto assim saber, preciso da lista para a organização da segurança do baile.

     Perfeito, eu estava dizendo a verdade sem necessariamente expor o meu plano. Pensei que isso bastaria para cessar as perguntas, mas pareceu apenas deixá-la ainda mais intrigada.

— A segurança do baile? Não deveria ser o general a organizar isso?

— Não se preocupe, entregarei a lista para ele — falo na intenção de tranquilizá-la, mas parece surtir o efeito contrário.

— Você? — sua voz saiu esganiçada e soava como… se ela estivesse enciumada? — Por que não um de seus soldados?

    Okay, ela estava começando a me irritar...

— Quanto a isso, você terá que perguntar ao próprio rei, foram ordens dele — respondo.

    Ela me encara desafiadoramente e eu devolvo com o mesmo olhar.

— Muito bem, eu te darei a lista, com uma condição — ela fala, por fim.

— Que condição?

— Quero que me diga a verdade, qual o seu envolvimento com o general? 

    Ela me olhou tentando esconder os traços de preocupação em seu rosto e aí eu entendi tudo. Solto uma risada divertida e, finalmente, a enxergo com olhos amigáveis.

— Pode ficar tranquila que eu não quero nada com o seu general. Meu único interesse é realmente ajudar na organização da segurança. Ele nem faz meu tipo — falo com um risinho.

— E-Ele não é o meu general — ela fala com as bochechas coradas — Eu só… Só fiquei curiosa…

— Tá tudo bem, eu acho que vocês formam um belo casal — admito.

      Era a verdade, o general com seus cabelos e cauda vermelhos faziam um encaixe perfeito com o azul royal da cauda e cabelos de Flora. A personalidade forte dela também era um fator que agregava, já que o general parecia ser mais centrado e não instável como ela. Ele parecia a razão enquanto ela era toda emoção. Flora me olhou surpresa.

— Acha mesmo que… Combinamos? 

— O encaixe perfeito! — respondo com segurança.

     Ela sorri pra mim e responde com alegria.

— Eu também sempre achei! Ele parece se importar comigo também, mas vive me afastando… Eu sempre demonstro que me importo com ele, mas ele parece querer me ver longe, consegue entender? — agora sua voz soava triste.

— Você nem imagina o quanto — falo revirando os olhos — ele e o rei deveriam ser irmãos — acrescento sem perceber.

— Espera… Você e o rei…? — ela pergunta parecendo se dar conta do que falei.

— O quê? Não! — respondo arregalando os olhos — Claro que não!

— Mas você queria! — ela acusa, rindo.

— Não! Definitivamente não! — ela me encara como se eu fosse uma mentirosa — Bem… eu não sei — admito — quer dizer, ele é um peixe, sabe?! 

     Flora me encara como se eu tivesse acabado de comer uma enguia diante dos seus olhos.

— Claro que ele é um peixe, o que mais seria? — ela pergunta desconfiada.

      Ai coquinhos! Eu e minha mania de esquecer que não sou humana aqui. Agora vou ter que consertar… Porém, a única forma de fazer isso é como um tiro no escuro, já que eu ainda não tinha certeza se isso existia aqui no mar. Eu tentaria a sorte, pois não via outra alternativa.

— É que… No passado… Eu realmente pensei que minhas preferências eram com… Peixes-fêmea… 

      Solto a frase e fico observando a reação de Flora, a fim de descobrir se isso fazia sentido aqui ou não. Bom, a julgar por sua próxima frase, definitivamente fazia.

— Oh querida, eu não imaginava! — ela responde compadecida — Não consigo imaginar a confusão de sentimentos em sua mente… Mas, se você ainda tem dúvidas, talvez seja o caso de gostar de ambos? 

    Ela parecia totalmente acostumada com o assunto.

— Talvez… — dou de ombros, tentando demonstrar incerteza — Você parece entender do assunto.

— É claro! Tenho uma irmã mais nova que recentemente se descobriu depois de um longo processo. Você precisa conhecê-la! De repente ela possa te ajudar. Se chama Farrah.

— Bem… É claro… Isso seria ótimo! — respondo sorrindo.

— Ótimo! Que tal hoje a noite? Você pode jantar lá em casa se quiser.

      Seria indelicado de minha parte recusar, certo?

— Claro! — respondo.

— Perfeito! Então eu te encontro aqui no salão de baile às seis horas para irmos juntas. Estou tão animada! — ela diz sorridente enquanto bate palminhas.

     Por um momento cogitei a possibilidade de ela ser louca, afinal, começou sendo extremamente mal humorada comigo e, agora, me convida pra sua casa como se fôssemos melhores amigas. Mas quem sou eu pra julgar a loucura dos outros peixes, não é?! Porém, de uma coisa eu tinha certeza: Flora Aspergate era uma boa sereia.

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