Capítulo 17 - Um Mentiroso Vence o Outro
(2140 palavras)
Felicity
Aproximei-me com cuidado e tentei ouvir o que o suposto general estava dizendo, apenas para me certificar de que se tratava da pessoa certa. Ou melhor, do tritão certo. Eu nunca me acostumo com isso!, penso sacudindo a cabeça negativamente.
- Precisa endireitar sua postura, Randolph - escuto o suposto general dizer.
- Sim, senhor! - o outro tritão responde.
- Dimitri, tente manter seus braços à frente do corpo e não dos lados!
Definitivamente esse é o general! Vou chegando mais perto de fininho, na esperança de que conforme me aproximo, a coragem se aproxime junto comigo. Ah, qual é?! Você já enfrentou coisas muito piores!, ouço meu cérebro dizer revirando os olhos para mim. Aceito a deixa e tento uma entrada triunfal.
- É aqui que pediram uma soldada novinha em folha? Porque ela acabou de chegar! - solto um risinho da minha própria fala.
O General para o que está fazendo e se vira na minha direção, me encarando como se tivesse brotado uma segunda cauda em mim. Um segundo depois ele sorri divertido e nada até perto de mim. Então tira uma espada de sua bainha e estende na minha direção.
- Já não era sem tempo! Seu teste começa em dois minutos, é o tempo que preciso pra pegar uma nova espada.
- Me-Me-Meu teste? - gaguejo.
- É claro - ele responde calmamente - Como acha que posso aceitar uma nova soldada sem um teste antes?
- É que na verdade... - tento falar mas ele me interrompe.
- Em posição! - ele ordena e por algum motivo eu obedeço imediatamente, talvez tenha sido seu tom de voz.
- Essa postura está péssima, tsc tsc - ele fala balançando a cabeça negativamente enquanto me observa parada.
- É que na verdade... - tento dizer mas ele me interrompe novamente.
- Um bom soldado é aquele que só fala quando é questionado - ele sacode a cabeça em negativa novamente, enquanto me analisa de cima a baixo - É melhor que seja realmente boa na espada, não vou facilitar pra você.
Arregalo os olhos, surpresa.
- Acontece que eu vim... - tento novamente.
- Eu sei porquê você veio.
Por que ele fica interrompendo minhas falas? De alguma forma sinto que estou provando do meu próprio veneno e o gosto não é nada bom. Ele se aproxima de mim novamente e continua sua fala.
- Eu sei exatamente! E digo de antemão, não vai ser fácil me convencer - seus olhos demonstram que ele está decidido a negar qualquer coisa que eu peça.
Ele saca uma outra espada de uma mesa próxima e aponta na minha direção em desafio.
- Quero que me desarme, precisa arrancar a espada de mim, esse é o meu preço.
- Ficou maluco?! - solto um riso - Como eu posso vencer um general?
- Se não está disposta a pagar o preço, basta desistir - ele dá de ombros e abaixa a espada, como se já soubesse que eu desistiria.
- Eu não sou das que desistem! - respondo e, dessa vez, eu quem aponto a espada em sua direção, desafiando-o.
Seus olhos demonstram surpresa e, confesso, não estou confiante que posso vencer, mas não vou desistir sem lutar. Fui campeã de esgrima na minha universidade por dois anos seguidos, mas nunca peguei uma espada tão pesada assim e também nunca lutei sem proteção. Bem, e o mais importante, nunca lutei sem ter pernas! Mas é como dizem, situações drásticas precisam de medidas drásticas. Isso já não era mais sobre o plano "Feliteção", era uma questão de honra!
- Pois bem - ele sorri divertido - mostre o que sabe!
Essa era a minha deixa, avanço em sua direção desferindo meu primeiro golpe que é facilmente interceptado por ele. Tento novamente, porém mais uma vez ele consegue desviar a minha investida. Rapidamente ele assume uma postura mais ofensiva e ataca em minha direção, consigo me defender de todos os seus golpes, porém percebo meus músculos começarem a gritar com o peso da espada e me vejo sem saída. Não conseguiria aguentar por muito mais tempo, precisaria pensar em uma outra maneira de lhe tirar a espada.
Tento fazer minha mente trabalhar mais rápido do que a espada em minha mão e percebo que a única maneira de vencê-lo, é utilizar um dom recém descoberto por mim: a atuação! Fixo meu olhar em um ponto distante atrás do general e faço a minha melhor cara de pavor.
- O que é aquilo? - grito em pânico.
- Do que está falando? - o general se vira na direção em que eu aponto e aproveito a deixa pra bater com a parte de trás da espada em seu pescoço, na região do nervo vago, fazendo-o perder a consciência e cair desmaiado na areia do mar. Arranco a espada de sua mão e comemoro vitoriosa o meu feito.
- Isso! Eu ganhei! - dou risada triunfante.
Meu riso é cortado quando percebo vários soldados ao redor me olhando pasmos.
- Ela... matou ele? - ouço um dos soldados perguntar assustado.
- Pobre general! - outro lamenta com a voz chorosa.
- É claro que não o matei! - respondo nervosa.
- Ele lutou tanto pra ter esse cargo e agora... - um dos soldados diz, me olhando com raiva nos olhos - Peguem-na! - ele ordena aos outros.
Observo dezenas de soldados começarem a nadar em minha direção igualmente raivosos. Se fosse possível, eu estaria suando de nervoso agora.
- Gente, ele está bem, está tudo sob controle, vejam só! - dou um sorriso tenso e me agacho perto do general, dando leves tapinhas em seu rosto pálido - Bora lá, acorde generalzinho! - sussurro pra ele entredentes, enquanto tento sorrir ao mesmo tempo na direção dos soldados.
Os soldados param, observando se o general realmente irá acordar ou não e eu torço fortemente pra ele abrir os olhos, mas nada acontece. Não era pra isso estar acontecendo, o desmaio por estímulo do nervo vago era pra ter durado apenas alguns segundos, penso. Será que eu realmente o matei?, me questiono alarmada.
- Tá legal, chega de graça, acorde! - começo a bater com mais força no seu rosto, sentindo o pânico tomar conta de mim - Abra os olhos! A vida te chama! O mar está chamando!
- Além de matá-lo, agora ainda bate em seu corpo sem vida! - um soldado grita horrorizado.
- Não, não, não! Eu não estou batendo, estou apenas... Apenas...
- Agarrem ela, deve ser executada por matar nosso general!
Olho para o corpo do general inerte na areia e me debruço sobre ele, chorando.
- Eu sinto muito! Eu realmente não queria matá-lo! Não pensei que tivesse batido tão forte! - as lágrimas descem grossas de meus olhos - eu jamais devia ter vindo aqui com aquele maldito plano Feliteção, se pudesse voltar atrás, não teria me envolvido com esses assuntos! - choro desconsolada.
- Então se pudesse voltar atrás, desistiria do plano Feliteção? - ouço a voz do general perguntar.
- Sim! Eu desistiria de qualquer coisa se pudesse trazer a sua vida de volt...
Sinto o peito do general sacudir em uma risada divertida embaixo de mim e ergo meus olhos pra ele desacreditada. Ele estava fingindo esse tempo? Dou um soco forte em seu peito e me levanto rapidamente enxugando as lágrimas com o dorso das mãos. Enquanto isso, ele continua rindo.
- Ouch! Isso doeu mais do que os tapas! - ele fala rindo e se levantando também.
- Babaca! - grito - Você me enganou! - acuso.
- Eu te enganei? - ele pergunta fazendo um olhar inocente - Não fui eu quem te nocauteou pelas costas! Aliás, quem te ensinou a fazer aquilo? Foi impressionante!
Olhei para ele sem palavras. Como conseguia ser tão cínico? Ao nosso redor, os soldados observavam a cena confusos.
- O show acabou, pessoal. Voltem aos seus treinos! - o general profere o comando em direção aos soldados que, automaticamente, o obedecem.
Continuo olhando para ele, embasbacada.
- O que foi? O gato comeu sua língua? - ele pergunta divertido, enquanto se agacha e pega as duas espadas do chão. No meio do desespero, acabei jogando ambas de lado.
- Eu pensei que tivesse te matado!
- Está decepcionada por não ter conseguido? - ele pergunta se aproximando de mim.
- Como você...
- Pode pensar uma coisa dessas? - ele completa minha frase - estou brincando com você, jamais teria me matado com um golpe fraco daquele - ele dá de ombros.
Fecho a cara e sinto vontade de socá-lo ainda mais forte dessa vez, arrancar pelo menos um fio de sangue de seu nariz me faria muito feliz nesse momento!
- Seu olhar de quem quer acabar comigo é assustador - ele diz.
- Se minha mente tivesse poder, você ia ver só! - falo revoltada.
- Você tem raiva demais em seu coração para uma dama - ele fala inocentemente.
- De qualquer maneira, - começo a falar tentando me recompor - eu venci a luta, tem que me deixar colocar o plano em ação!
- Colocar seu plano em ação? - ele ri debochado - Você mesma desistiu dele agorinha!
- Eu... disse que desistiria se desse pra voltar atrás! Mas não voltamos atrás, você estava mentindo! Além disso, o trato era arrancar a espada de você, eu consegui!
- Bem, a espada está na minha mão agora - ele fala, rodopiando a espada como se fosse um brinquedo.
- Mas... Mas...
- Sabe, eu já entendi o seu problema. Precisa aprender a perder! Se estiver disposta, pode vir todos os dias lutar comigo pra treinar seu temperamento depois da derrota.
- Seu filho...
- Ei! Que língua afiada para uma dama! Você é assustadora!
Solto um gritinho revoltada e dou as costas pra ele. Se tivesse meus pés, voltaria pisando duro para dentro do palácio, mas com uma cauda, não conseguia descontar no chão a minha raiva.
General Kristoff
Fazia muito tempo que não me divertia dessa forma, como hoje. Sacudo minha cabeça enquanto ainda dou risada. Felicity realmente é uma figura, assim como ouvi falar, penso. Não é atoa que Ash finalmente demonstrou algum tipo de emoção por alguém depois de tantos anos.
Guardo as espadas que utilizamos para a luta e penso o quanto Felicity se parece com outra sereia atrevida e doida que conheço e que, infelizmente, não sai dos meus pensamentos.
- Aí está você! - ouço uma voz já conhecida gritar.
Falando no diabo...
- Olá pra você também, Flora - saúdo - A que devo a honra de sua visita?
- Não se faça de desentendido - ela coloca as mãos na cintura, irritada - Me deixou plantada te esperando por duas horas!
- Caramba! Por que ficou esperando tudo isso? Era óbvio que depois de meia hora eu não iria mais aparecer.
- Kristoff!
- Eu nunca disse que iria, Flora - suspiro cansado - Eu disse que iria pensar no assunto e talvez apareceria.
- Eu queria tanto ter assistido aquela peça de teatro!
- Deveria ter entrado e assistido sozinha, você é auto suficiente, não precisa de mim para isso. Aliás, - me aproximo olhando dentro de seus olhos - você não precisa de ninguém para fazer as coisas que gosta, só precisa ser menos dependente dos outros.
- Eu não sou dependente dos outros, tenho meu próprio negócio! - ela rebate.
- E admito que o administra muito bem, mas quando se trata da sua vida pessoal...
- O que quer dizer com isso? - ela pergunta na defensiva.
Coloco uma mão sobre seu ombro esquerdo carinhosamente e escolho bem as palavras antes de dizê-las.
- Eu só quero que aprenda a viver sem se preocupar tanto em ter a atenção dos outros, especialmente a minha, pode ser que algum dia eu não esteja mais aqui.
- Por que está me dizendo isso? - percebo seus olhos se encherem com lágrimas e meu coração aperta.
- Porque é assim que a vida funciona.
Aproximo meu rosto do seu em um ato impulsivo e deposito um beijo delicado em seus lábios doces. Ela era como uma droga para mim, desde a primeira vez em que a vi, desde o primeiro beijo, me viciei. Eu sabia que era errado e me sentia um bastardo egoísta por isso. Me afasto relutantemente, ainda com os olhos fechados e, ao abrí-los, obrigo-me a dar meia volta e nadar para longe dela.
- Eu preciso ir - digo, já alguns metros distante.
- Kristoff? - Flora me chama.
- O que foi? - pergunto sem me virar para ela.
- O que nós somos, afinal? - sua voz parece ansiosa, até mesmo aflita.
- Não precisamos nomear essa relação - respondo, sentindo o peso de cada palavra como socos em meu estômago.
Não espero sua resposta, me afasto rapidamente para longe de sua presença. Flora tinha um poder sobre mim que poderia ser mais letal do que qualquer arma, por mais mortífera que fosse. Durante meus anos como general, colecionei diversos inimigos que iriam até o inferno se soubessem que lá existiria alguém que pudessem usar para me fazer sofrer. Eu não podia fazer isso com Flora, não podia deixar que a usassem para me atingir, era perigoso demais, arriscado demais. Eu não me importaria de ser morto, aceitaria minha morte como um doce pote de mel, mas imaginar o que fariam com ela se soubessem o quanto a estimo, era mais doloroso do que qualquer método de tortura já criado. Eu precisava mantê-la longe de mim, mesmo que isso significasse ferir os seus sentimentos.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top