Capítulo 14 - O Plano "Feliteção"
Felicity
Abri os olhos sentindo como se todo o meu corpo tivesse sido triturado em um moedor de carne moída. Céus, que dor! Solto um gemido de frustração ao tentar levantar de minha "cama" e perceber que não tenho forças para tal.
- Ei, você acordou! - ouço a voz de Melody.
Só então noto que não estou sozinha no quarto, Melody estava em uma cadeira ao meu lado com um livro nas mãos. Ela vem em minha direção e deixa o livro em cima da escrivaninha ao lado da cama.
- Como se sente? - ela pergunta sorrindo.
- Morta?! - digo.
Melody solta um riso.
- Eu ainda não entendo como a senhorita conseguiu tal proeza! - ela declara - Como conseguiu virar inimiga de uma orca?
- Hã? - questiono confusa.
- Que a orca é um dos seres mais perigosos no mar, todos sabemos, mas o que você fez pra ser atacada por uma? Soube que elas não se irritam facilmente.
- Do que você está falando Melody?
- Pobrezinha! - ela fala sentida - Ainda deve estar confusa por causa do acidente. É melhor não falarmos sobre isso agora. Vou chamar o rei, ele disse que era pra avisá-lo imediatamente, assim que você acordasse.
- Ele disse isso? - pergunto, me sentindo repentinamente mais revigorada.
- Foi mais como uma ordem do que um simples dizer - ela ri - Eu volto já!
Com isso ela sai do quarto, deixando-me sozinha. Que história é essa de orca? Será que Melody estava viajando na maionese ou eu que havia alucinado tudo o que aconteceu? Baixo meus olhos para meu abdômen onde havia sido mordida por aquela criatura e observo que não tenho qualquer sinal de dentes. Eu realmente havia imaginado tudo aquilo? Antes que meu cérebro ficasse mais atordoado, a porta se abre novamente e Ash surge em sua forma imponente.
- Por favor, diga que não estou ficando louca?! - peço.
Ele se aproxima da minha cama e cruza os braços sobre o peito.
- O que quer dizer? - uma sobrancelha sua se arqueia.
- Melody disse que fui atacada por uma orca! Por que não me lembro disso? - pergunto incrédula.
- Porque isso não aconteceu - ele fala como se fosse o óbvio.
- Mas então...? - deixo a pergunta no ar.
- Eu tinha que dar uma explicação a todos sobre o porquê de você estar desmaiada em meus braços. E eu não poderia dizer que foi atacada por criaturas... seja lá o que fossem aqueles monstrinhos.
- Mas como é que não tenho qualquer marca de mordida?
- Usei meus poderes para te curar, você se sente melhor?
- Bem, me sinto viva - sorrio - obrigada.
- Se você já se sente bem, então acho que me deve uma explicação - ele fala com o semblante fechado e a voz firme.
- Pensando bem, acho que ainda não me sinto totalmente recuperada - falo tossindo - talvez eu precise de mais alguns dias pra me sentir melhor...
- Eu não vou cair nessa história, Felicity. Isto é uma ordem, por quê saiu escondida após o toque de recolher?
- Na verdade, eu saí antes do toque de recolher... - tento corrigir mas vejo o semblante de Ash se fechar mais ainda e paro minha fala suspirando.
- O que você está escondendo de mim? - ele questiona.
Tudo!
- Nada! - falo convicta.
- Você está mentindo! - ele rebate, convicto também.
- Bem, se eu estivesse te escondendo algo, e eu não estou que fique claro, provavelmente eu não diria, já que é algo pra ser escondido - tento sorrir para aliviar a tensão, mas não funciona.
- Você não consegue levar nada a sério? Felicity, você quase morreu! Por deus, se eu não tivesse... - ele para e fecha os olhos como se imaginasse a cena, então suspira e continua - Se eu não tivesse chegado a tempo, você estaria...
- Morta - completo a frase que ele parecia ter dificuldade em proferir - Eu sei, me desculpe - peço abaixando a cabeça envergonhada.
- Acontece que pedir desculpa não é o suficiente - ele fala com aparente decepção na voz - se não me contar o que está acontecendo, temo que será impossível confiar em você de agora em diante.
Confiar em mim? Essa com certeza era a última coisa que ele deveria fazer! Mas o olhar de decepção em seus olhos ao me encarar, por algum motivo me quebrou em mil pedaços, e a mera possibilidade de perder sua confiança me doía inexplicavelmente.
- Tudo bem! - declaro - A verdade é que no momento em que resgatamos Oliver, havia algo escrito na mordaça que estava em sua boca.
- O que tinha na mordaça? - ele pergunta se aproximando ainda mais da cama.
- Um bilhete dizendo para estar na caverna após o toque de recolher.
Eu não poderia revelar mais que isso, senão, seria descoberta.
- E aí você decidiu que a melhor forma de fazer isso era se arriscando a ir sozinha? Por que não me contou? - ele parecia desconfiado.
- Eu não podia, o bilhete disse para ir sozinha se não quisesse piorar as coisas! - Não era totalmente uma mentira.
- E qual o interesse desse ser em você? - ele pergunta.
- Eu não sei! - falo impaciente - Mas pelo visto, me matar.
- A troco de quê? Você mesma disse que não tem sangue azul.
- Eu já disse que não sei - falo cansada.
- A culpa é toda minha - ele fala após um tempo pensativo.
- Sua? - pergunto confusa.
- É óbvio que o ser fez isso para me atingir, com certeza sabe tudo sobre minha vida e o que você significa pra mim!
- E o que eu significo pra você? - pergunto com o coração acelerado.
- Minha última esperança em recuperar Ariela - ele fala com a voz falha, como se não acreditasse nas próprias palavras.
- É claro - respondo com um fio de voz, me sentindo ao mesmo tempo triste e tola por esperar outra resposta.
- Eu... sinto muito - ele fala - de agora em diante, vou garantir que não corra mais riscos por minha causa.
- Tanto faz - respondo mal humorada - Se você não tem mais nada a dizer, pode por favor me deixar descansar?
- É... É claro! - ele parece desconcertado com minhas palavras.
- Obrigada - respondo me deitando totalmente na cama e virando meu corpo para o lado contrário ao dele, a fim de não ver mais seu rosto.
Ash permanece por mais alguns segundos no quarto e, mesmo de costas para ele, eu sabia que existia uma expressão confusa e pensativa em seu rosto. Pouco tempo depois, ele finalmente sai do quarto e me deixa sozinha com meus sentimentos insuportáveis e incompreensíveis. Em meio ao meu evidente desapontamento, acabei adormecendo por mais algumas horas, até o amanhecer do dia.
...
Assim que despertei, minha mente frenética voltou a trabalhar novamente. Afinal de contas, por quê eu estava tão decepcionada com as palavras de Ash? Desde o começo eu sabia qual era o meu lugar ali, ele sempre deixou claro o motivo de eu estar no castelo, então por quê eu tinha de estar tão sensível? Eu precisava aceitar aquelas palavras, afinal, elas traziam a mais pura verdade, exemplo que eu deveria, sem dúvidas, imitar.
Muito bem, após todo esse tempo, sentia-me revigorada e pronta para colocar tudo o que planejei em prática, afinal, o que mais estava me deixando incomodada além de todos os meus problemas? Imaginar como Ash ficaria caso não conseguisse proteger todo o seu povo do assassino. Ele não dizia, mas eu sabia que ele não suportaria falhar com os seres do mar que confiavam nele. Eu precisava fazer alguma coisa!
Mas o que eu poderia fazer? Era apenas uma humana no corpo de uma sereia que não fazia ideia do que fazer nem com a própria vida, como poderia querer dar uma de heroína no fundo do mar? Não, eu não posso pensar dessa forma!, penso decidida. Talvez eu realmente não possa fazer muita coisa para ajudar o rei, mas não posso simplesmente ficar parada de braços cruzados por isso, o que eu puder fazer, farei!
Eu sabia que o suspeito principal do assassinato era o Caden, mas no momento eu não poderia fazer nada quanto à isso, uma festa estava prestes a acontecer e, com ela, muitos nobres estariam em perigo. Concluo que, antes de espionar o suspeito número 1, precisava conversar com o rei sobre estratégias para não perder nem mais um nobre. Eu tinha um plano traçado em mente, e se tudo desse certo, esse assassino seria pego "no pulo"!
Sim, eu já estava preparada para enfrentar "deus e o mundo" e colocar meu plano em prática. Eu o nomeei de "plano Feliteção", a junção de Felicity+proteção, pois era destinado a proteção dos nobres com base na minha estratégia. Eu também pensei em plano "Protelicity", mas achei que ficou meio brega.
Elaborei uma lista com o nome de todos os nobres que estavam no palácio, assim ficaria mais fácil mapear o lugar e deixar ao menos um guarda responsável por cada dois membros com sangue azul. Agora só restava completar a lista com os nomes dos nobres que viriam para a festa e, para isso, eu teria que ver com o rei quem seriam seus convidados.
Nado calmamente até seu escritório, tendo certeza que o encontraria lá, afinal, ele sempre estava lá pelas manhãs. Dou duas batidas na porta e aguardo que ele permita minha entrada. Não demora muito para que sua resposta venha:
- Pode entrar, Felicity.
Arregalo os olhos, assustada. Ele acertou de novo! Como ele sempre sabia que era eu?
- Como... Como você sabia que era eu de novo? Eu não disse uma palavra - pergunto abrindo a porta.
- Era óbvio que era você - ele responde simplesmente e, mesmo sem virar para olhá-lo, sei que deu de ombros.
- O modo como eu dou as batidas na porta é diferente? Ou você pressente a minha presença? É algum superpoder de rei dos mares? - pergunto curiosa e finalmente fecho a porta e me viro para olhá-lo.
Ele estava em sua típica posição de sempre, sentado enquanto remexia alguns papéis. Pode ser que você se pergunte como ele pode estar sentado sendo um peixe e como os papéis não molham e se desfazem na água. Acreditem, eu me fazia a mesma pergunta. Mas a resposta é simples, assim como na terra que temos a gravidade que nos permite pisar no chão e faz com que as coisas permaneçam no lugar e não saiam flutuando no ar, o fundo do mar tem um mecanismo parecido com isso para quem vive aqui, a maioria das coisas permanecem no lugar.
E sobre os papéis, não são exatamente aqueles feitos de celulose que conhecemos, é um material mais denso que não se decompõe embaixo d'água e eu deixo espaço para a sua imaginação criar essa imagem na sua mente. A voz do rei me desperta de meus pensamentos que já divagavam.
- Não se trata de algum superpoder, simplesmente você é a única que me interrompe pela manhã quando estou aqui, eu te falei isso da última vez.
- É, falou, mas eu pensei que fosse uma brincadeira, quer dizer, pensei que o tempo todo alguém tivesse algum assunto pra tratar com você - eu o encaro e quase perco o fôlego, estava tão lindo!
Ficou louca? Ele é um peixe!, repreendo-me sacudindo a cabeça.
- Algum problema? - o rei pergunta me encarando com aqueles malditos olhos azuis esverdeados enquanto seus lábios rosados se retraem.
Deus, que olhos e que boca! Eu poderia totalmente ignorar o fato de que existe uma cauda grudada naquele tórax musculoso e rosto perfeito, eu tenho imaginação o suficiente pra isso, com certeza! Como seria beijá-lo?, me pergunto curiosa. Será que beijavam melhor do que os humanos? Eu gostaria de provar, só por desencargo de consciência.
- Felicity? - ele me fita inquisitivo.
- Eu realmente queria provar o seu... - respondo a primeira coisa que me vêm à mente.
- O meu o quê? - ele pergunta desconfiado, estreitando os olhos pra mim.
Droga! Eu e minha boca enorme que não pensa antes de falar.
- Então eu interrompo você? Au! Isso doeu! - mudo de assunto rapidamente - Mas peço perdão, majestade.
- Sem formalidades - ele faz um sinal com a mão para que eu sente na cadeira à sua frente - Já disse que pode me chamar de Ash quando estivermos a sós.
- Ash, então - digo me sentando.
- Hoje você apareceu antes do que eu esperava, o que a trouxe tão cedo? - ele pergunta e parece realmente estar interessado.
- Oh sim! - lembro do real motivo de estar ali - eu formulei um plano estratégico e preciso da lista com os convidados nobres que virão para a festa dos Sete Mares! - falo animada.
- Um plano estratégico? - ele pergunta confuso.
- Exato! Para proteger os nobres do assassino, eu chamo de plano Feliteção!
- Plano Feliteção? - ele solta um riso divertido.
- O que você acha?
- Acho que você não deveria se preocupar com essas coisas, já tem alguém cuidando desses detalhes.
- Como assim?
- Já recebi um plano estratégico do general do reino, inclusive, estou lendo agora, se quiser pode dar uma olhada.
Ele me dá um papel que estava em sua mão e eu observo o plano do general. Consistia apenas em fortalecer as tropas no exterior do palácio para evitar a entrada de desconhecidos, enquanto um guarda ficaria responsável por guardar todas as passagens secretas que davam acesso ao castelo. Era um plano ridículo para um general.
- Mas esse plano é péssimo! - digo revoltada.
- Por que não diz isso ao general? Tenho certeza que ele vai adorar ouvir isso. - ele fala divertido.
- Mas...
- À menos que você mesma diga ao general que o plano dele é ruim, minha resposta para o seu plano será não.
- Não? - pergunto incrédula.
- Sim - ele concorda.
- Então é sim? - pergunto esperançosa.
- Não - ele responde se levantando e nadando para a porta.
- É por causa do nome? - pergunto seguindo-o.
Ele abre a porta e sai para o corredor.
- Se você não gostou de Feliteção, podemos trocar para Protelicity!
- Não é por causa do nome Felicity - ele responde parando.
- Então o quê?
- Eu... - ele se aproxima de mim e baixa o tom de voz - Eu sei que o plano do general não é dos melhores, mas não posso simplesmente dizer isso pra ele, as tropas confiam nele, o respeitam e obedecem. Não posso me posicionar contra as forças militares apenas por causa desse plano.
- Então...?
- Então, se quiser que eu aprove seu plano, terá que informar ao general sobre isso e dizer que vai duelar com ele para me convencer a escolher o seu.
- Mas... Eu nem sei quem é esse general!
- Eu sei que você vai encontrá-lo - ele sorri e pisca pra mim, enquanto me deixa sozinha no corredor.
Maldito! Bem, sabe de uma coisa? Ele está certo! Posso muito bem encontrar esse tal general com ou sem ajuda, e é exatamente isso o que irei fazer!
...
Nota da autora: Olá pessoal, primeira vez que falo por aqui pra fazer uma perguntinha super importante: quem aqui gosta de triângulo amoroso? Hehe, deixem as respostas nos comentários.
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