Capítulo 12 - Me chame de Ash

~2149 palavras

Felicity P.O.Vs

      A adrenalina que correu em minhas veias para salvar Oliver foi tão intensa que, só me dei conta de todo o perigo que corri, quando segurei a mordaça que estava em sua boca nas mãos e palavras foram escritas magicamente diante dos meus olhos naquele pedaço de pano. 

    Era uma ameaça. Observei enquanto as letras formavam palavras e, estas, uma frase completa que dizia: “Eu sei o seu segredo e se quer mantê-lo oculto do rei, é melhor me encontrar após o toque de recolher nesta mesma caverna, estarei lhe esperando. Venha sozinha e não conte a ninguém”.

      Pisquei algumas vezes para ter certeza de que havia lido certo, mas em questão de segundos, tão rápido quanto chegaram, as palavras sumiram. Eu estava aterrorizada, sem dúvidas, tanto que havia me esquecido completamente de que tinham mais dois seres comigo no ambiente. Ergo o olhar e vejo que o rei me encara enquanto ainda abraça Oliver.

— O que está errado? — ele pergunta parecendo preocupado.

— Nada está errado — respondo rapidamente e solto a mordaça na água para que a correnteza a leve embora. 

     Ele ergue uma sobrancelha como se duvidasse de minhas palavras.

— É melhor levarmos Oliver de volta para a mãe, ela deve estar muito preocupada — digo, tentando mudar o foco de atenção.

     Ele simplesmente concorda com a cabeça sem dizer nada, mas vejo por seu olhar que está desconfiado. Eu não podia negar, estava com o coração acelerado pelo medo. Quem poderia saber o meu segredo além de mim, Darvin e o lagosta enxerido? E por quê raios a cada minuto que passo dentro deste mar as coisas só pioram para mim? Ai coquinhos!

     O caminho até o palácio foi rápido e silencioso, quando chegamos a mãe de Oliver estava chorando enquanto conversava com um guarda real, mas logo que nos avistou nadou o mais rápido que pôde e envolveu o filho em seus braços. Ela beijou o topo de sua cabeça com tanto amor que me fez lembrar o quanto estava sentindo falta de meus avós. Como eles estariam? Estavam sentindo minha falta? E se pensassem que eu estava morta? 

    Meu coração fica apertado e um nó se forma em minha garganta ao pensar que eles estão tendo que cuidar de tudo sozinhos, mesmo com dificuldades. Imagino meu avô, mesmo triste pelo luto, tendo de ir para o alto mar pescar lagostas para garantir o sustento da casa. E minha avó… Mesmo com as mãos já fracas, cozinhando o dia todo para os turistas, só para não deixar toda a responsabilidade da casa para o companheiro. Eles precisavam de mim. Queria tanto poder vê-los... 

    Os fios grisalhos de seus cabelos e o olhar doce e terno, cheio de amor com que olhavam para mim… Era tudo o que eu queria nesse momento… 

    Me afasto rapidamente para o interior do castelo, não quero que meu momento de tristeza seja visto por outros. Nunca gostei de parecer fraca na frente de ninguém, muito menos de quem eu mal conheço. Assim que as lágrimas ameaçam sair, nado mais rapidamente para longe, no entanto, assim que chego ao corredor, sou segurada no braço e levada pelo rei até seu escritório.

  Droga! Controle-se Felicity, controle-se! Tento repreender minhas lágrimas, mas sabem aquele momento que quanto mais você tenta se controlar, menos controle você tem? Eu estava nesse momento. Eu definitivamente estava virando uma fracote. Ou talvez eu sempre tenha sido uma, apesar de nunca admitir. 

     O rei fecha a porta atrás de si e me encara de maneira inquisitiva. Eu desvio o olhar para minha cauda e não digo nada, tenho certeza que se tentar falar algo vou deixar um soluço esquisito escapar da minha garganta. Não posso, não posso, não posso! Sinto que ele se aproxima de mim e, ao contrário do que de costume, sua voz não soa autoritária e imponente ao falar, mas sim baixa e hesitante.

— O que está errado? — ele pergunta.

  Eu apenas sacudo a cabeça negativamente de novo. Por que ele está sendo atencioso justo agora? Desse jeito vou acabar deixando o soluço sair! Fecho os olhos tentando controlar minhas emoções, até que sinto a mão do rei tocar meu queixo e erguê-lo, fazendo-me olhar em seus olhos questionadores.

— Se quer que eu te ajude, precisa me dizer o que está acontecendo.

      Seu olhar me escrutina de uma forma tão profunda, como se pudesse ler tudo dentro de mim. Não consigo sustentar minha pose e começo a chorar escandalosamente. Eu sou uma piada mal contada, é tudo o que consigo pensar. Meus amigos sempre diziam que eu chorando era uma das cenas mais feias que já haviam visto na vida. 

       Eles me comparavam com o próprio cão chupando manga, mas diziam que a manga era doce demais, então eu deveria imaginar um cão chupando limões enquanto tinha seu rabo triturado por um moedor de carne moída. Lembrar disso me fez soltar um riso no meio do choro, o que só serviu para piorar as coisas. Agora definitivamente o rei acharia que sou louca, uma grande louca que não sabe se chora ou se ri. Nesses momentos, até eu fico com dúvidas sobre a minha sanidade mental. 

— Felicity! — o rei me sacode mais uma vez, ele parecia em pânico — Por que você está chorando assim?

     Ele estava preocupado comigo? Ele… Realmente se importava com meu bem-estar? Esse pensamento me faz chorar mais ainda, então em um ato impensado, encosto minha cabeça contra seu peito para que ele não consiga ver minha cara de cão assustadora. Se pelo menos ele fosse feio, eu não me importaria...

— Céus! — ele exclama com os braços abertos evitando me abraçar, parecendo surpreso.

— Desculpa — peço entre soluços.

        Chorar embaixo da água era algo estranho. As lágrimas saíam brilhantes e viscosas, eu me sentia dentro de um livro de contos de fadas, tudo para piorar a minha situação. Por que não podiam ser lágrimas normais? Assim eu poderia chorar o dia todo com um sorriso no rosto e ninguém perceberia que haviam lágrimas saindo dos meus olhos.

         Depois de alguns segundos, percebo o quão estranha essa situação pode parecer e me afasto rapidamente do rei. Fecho os olhos por um momento, inspiro toda a água que consigo e então, reunindo todas as minhas forças, engulo o choro.

— Me desculpe, majestade — peço.

— Você não é assim, alguém te fez algo? — ele pergunta preocupado.

— Não, não me fizeram nada — respondo da forma mais firme que consigo.

— Então qual é o problema? Eu não consigo entender.

     Eu precisava pensar em uma mentira rapidamente! Vamos lá, você é boa nisso, pensa Felicity!

— É só que… — começo tentando formular as palavras certas na minha cabeça — estou muito triste que o Oliver tão pequeno tenha passado por essa situação tão traumatizante! Ele pode carregar isso pro resto da vida!

— É por isso que você estava chorando?

— É claro que sim! Você faz ideia do que uma situação como essa pode fazer na mente de uma crianç… — pigarreio com a minha quase gafe — de um filhote?! 

— Na verdade não — ele dá de ombros — eu nunca passei por algo assim, Felicity, mas você age como se soubesse — ele me encara de forma inquisitiva, como se esperasse que eu contasse que sofri algum tipo de trauma dessa forma quando era pequena.

     O que eu poderia dizer? Tudo o que sei sobre traumas e suas consequências é o que aprendi em minhas poucas aulas de saúde mental na faculdade, não é como se eu tivesse vivido na pele algo do tipo.

— Eu vivi na pele algo do tipo, então sei exatamente sobre o que estou falando, majestade — respondo cabisbaixa.

— Eu… Sinto muito! Eu não fazia ideia! — ele diz parecendo realmente se sentir mal com isso.

    Céus, se existe algum dos sete pecados capitais que se apossa de mim com força, é a mentira! Minha mente já está tão corrompida que não consigo nem me sentir culpada, apenas minto como se tudo que estou vivendo não passasse de um filme sendo rodado na minha cabeça e, daqui algum tempo, vou acordar numa maca de hospital e descobrir que me afoguei e fiquei em coma durante todo este tempo.

    No fim das contas, talvez essa fosse a verdade, A Pequena Sereia sempre foi minha princesa preferida da Disney, então meu cérebro em estado comatoso simplesmente decidiu que eu merecia viver como uma pequena sereia uma vez na vida. Mesmo que fosse em um estado vegetativo e de quase morte…

— Tá tudo bem, não se preocupe, isso foi há muito tempo — falo tentando não dar importância 

— O que aconteceu? — ele pergunta parecendo interessado — Você quer falar sobre?

— Eu… Acho melhor não — respondo negando com a cabeça e sorrindo de lado.

— Se isso é algo que ainda te faz chorar, talvez devesse desabafar com alguém.

    Ótimo, agora eu realmente teria que inventar algo mais elaborado para que fosse convincente. Não! Eu não deveria fazer isso, sei melhor do que ninguém que uma mentira só leva a outra até que você não consiga mais parar. Eu tinha que evitar isso o quanto antes.

— Tem toda razão, mas eu realmente não quero perturbar a vossa majestade com meus problemas — tento parecer sincera em minhas palavras.

— Felicity, você têm me ajudado incansavelmente a encontrar uma resposta para os meus problemas, não vai ser um incômodo te ouvir por alguns minutos — ele fala convicto.

    Bem, não é como se eu realmente estivesse ajudando incansavelmente a encontrar a resposta que ele quer, mas é melhor para mim que ele pense assim…

— Bom, se você insiste… — começo.

       Eu olho para ele e seus olhos estão fixos em mim, muito atentos ao que vou dizer.

— Eu tinha apenas 8 anos quando fui sequestrada… Não me lembro muito bem de todos os detalhes, mas eu estava brincando com os corais quando ele apareceu…

 — Ele? Quem era ele?

— Eu não sei te dizer, nunca foi pego… Mas eu me lembro muito bem de seus olhos avermelhados, nunca os esquecerei.

— Olhos avermelhados? Nunca vi tal coisa!

— E é por isso que era tão assustador! — declaro — Seus cabelos também tinham um tom atípico, verde musgo como algas marinhas. E sua cauda… Ah sua cauda! Me dava arrepios!

— A cauda? Como era a cauda? — ele pergunta demonstrando bastante curiosidade.

— Ela era… — faço um suspense pra deixar o clima mais tenso — Escura como um abismo! E tinham pequenas escamas por onde saía um líquido amarelo gosmento, parecia inofensivo mas na verdade… Era veneno!

    Algum tempo atrás, eu não fazia ideia de que gostava tanto de inventar histórias! Mas agora que descobri esse dom, e que sei que provavelmente nada disso está acontecendo na vida real e em algum momento vou acordar… Talvez eu devesse aproveitar para modular e viver esse coma como um grande filme no qual eu sou a protagonista.

— Mas por que ele te sequestrou? E como te encontraram depois?

— Tudo isso é um grande mistério pra mim ainda — dou de ombros — uma lacuna que nunca foi preenchida em minha vida… Só me lembro de desmaiar durante o sequestro e depois acordar já ao lado de meus pais, eles nunca me contaram como fui encontrada.

— Isso deve ser muito difícil pra você… 

— Agora você entende porquê fiquei tão triste pelo Oliver? — pergunto.

— É claro que sim, é totalmente compreensível! Mas quanto a isso, você não precisa se preocupar.

— Não? — questiono confusa.

— Oliver não se lembrará de nenhum detalhe do sequestro, modulei suas memórias para que pense que se perdeu da mãe enquanto brincava. Ele nunca vai saber o que aconteceu de verdade. Aliás, ninguém saberá além de mim e você.

     Fico boquiaberta com a informação, eu não imaginava que ele se atentaria de tal forma com o bem-estar de Oliver.

— Você… Realmente pensou em tudo! — falo surpresa e admirada.

— É o mínimo que posso fazer como rei, cuidar de todos quando precisam.

— E quem é que vai cuidar de você quando precisar? — pergunto no impulso mas imediatamente me arrependo.

      Ele me olha surpreso e parece não saber como responder minha pergunta. Automaticamente me desculpo.

— Me desculpe! Foi uma pergunta idiota, é claro que você sabe como cuidar de si mesmo. Mil perdões! 

— Não se preocupe — ele diz com a voz levemente abalada.

— Eu… Acho melhor eu ir agora. Com licença vossa majestade.

    Me viro de costas e começo a nadar em direção à porta, mas assim que toco a maçaneta, ouço o rei me chamar.

— Felicity?! — sua voz é hesitante.

— Sim, vossa majestade?!

— Me chame de… Ash… Quando estivermos a sós — ele fala isso e vira de costas indo em direção à sua mesa, evitando me olhar.

     Eu sorrio levemente enquanto sinto meu coração aquecer de uma forma inexplicável.

— Está bem — respondo — Ash.

       Então eu abro a porta e saio, ficando alguns segundos parada do lado de fora tentando controlar as batidas de meu coração que pareciam perder o ritmo. Se isso era o coma, estava começando a ficar um pouco melhor...

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