Capítulo 11 - O Caminho das Pérolas Negras

~ 2240 palavras

Rei Tritão/Ash

Era apenas o começo da manhã quando Felicity bateu na porta do meu escritório simplesmente para me pedir um adiantamento de seu salário. Eu tinha que admitir, ela era corajosa. Ou talvez ela não fizesse ideia de que quando um rei entra em seu escritório, é porque está fazendo algo importante e não deve ser interrompido a menos que seja uma emergência. Mas ela não, ela queria acessórios de cauda. Acessórios de cauda! Solto um leve riso ao lembrar-me, mas repreendo a mim mesmo por tal ato. Como poderia rir quando tudo no Palácio estava desmoronando? Quando um ser perdeu sua vida cruelmente? Não poderia!

Volto a concentrar-me nas estratégias de segurança que o general do palácio formulou, eu precisava autorizá-las a tempo de serem postas em prática para a Festa dos Sete Mares. Ah, a Festa dos Sete Mares! Por que havia de chegar logo agora em meio a todo este caos? Foco Ash! Por que está tão disperso hoje? Se concentra! Tento mais uma vez concentrar-me, porém um grito estridente ecoa vindo do pátio real.

Rapidamente deixo meu escritório e nado até o lado de fora, deparando-me com uma cena inesperada. Uma sereia chorava copiosamente enquanto uma Felicity muito preocupada tentava acalmá-la. O que raios estava acontecendo? Nado até elas e ao me aproximar, questiono:

— O que está acontecendo aqui?

— Meu filho, Majestade...

A sereia simplesmente diz essas poucas palavras e volta a chorar novamente. Encaro Felicity e a mesma parece apavorada, tentando abraçar a sereia ao mesmo tempo que parece não saber o que fazer.

— O que tem o seu filho? — pergunto tentando ser mais incisivo em meu questionamento.

— Ela acha que ele foi raptado — Felicity responde.

— Ele estava comigo, apenas o deixei aqui por dois minutos pois parei para realizar as entregas de decoração da Festa dos Sete Mares e quando voltei para o pátio ele já não estava mais... — a sereia diz.

Sinto meus músculos ficarem tensos no mesmo instante. Se o que essa sereia diz estiver correto e seu filho realmente foi raptado, existe uma grande possibilidade de que o assassino que têm rondado o palácio esteja por trás desse sumiço. Se este for o caso, o inimigo está muito mais próximo do que imaginamos e é capaz de qualquer coisa para conseguir o que quer, inclusive machucar a qualquer um que se colocar em seu caminho.

— Vou pedir aos guardas que a ajudem a procurá-lo — declaro — Eles não pararão até encontrá-lo.

— Muito obrigada, Vossa Majestade! — ela faz uma reverência chorando novamente — ele usa uma pulseira de pérolas negras no pulso e se chama Oliver.

— Eu vou junto! — olho para o lado e vejo uma Felicity com a postura decidida, como se estivesse pronta para enfrentar deus e o mundo.

O que é que ela estava pensando? Uma dama não deve arriscar-se de tal forma, será que ela não entende limites? Não entende que existe um assassino em busca de vítimas?

— Senhorita Felicity, posso dar uma palavrinha com você? — pergunto chamando-a.

Afasto-me um pouco do local para que ela me siga e ninguém nos ouça. Quando estamos distantes o suficiente eu digo:

— Não é aconselhável que a senhorita se junte nesta busca.

— Por quê não? — ela pergunta colocando as mãos na cintura em um gesto desafiador.

— Porque existe um assassino à solta! Deveria imaginar que talvez ele tenha pegado o menino como uma armadilha ou uma distração.

— Distração ou não, existe um ser pequeno e indefeso desaparecido, não vou ficar de braços cruzados enquanto ele pode estar em perigo. Nada do que você disser pode me fazer mudar de ideia!

Ela estava realmente decidida. Como podia ser teimosa de tal maneira? Não havia forma de impedi-la, disso eu tinha certeza, mas por que isso me incomodava tanto? Por que o fato de que algo ruim pudesse acontecer com ela era relevante para mim? Bem, acho que essa resposta é óbvia, afinal, eu sou o rei, é normal que me preocupe com o bem estar de meus servos, certo? Certo!

— Desta forma, então irei acompanhá-la — respondo.

— E não adianta dizer que vai me torrar com seu tridente se eu não mudar de ideia porque eu não caio mais nessa... — ela fala com o nariz empinado em desafio — Espera... O que foi que você disse? — ela questiona confusa, finalmente entendendo o que eu havia falado.

— Eu disse que irei acompanhá-la, se não se importa é melhor irmos logo, afinal, meu tempo é precioso.

Ela pisca algumas vezes, como se estivesse desacreditada, então sorri plenamente e responde animada:

— Tem toda razão! Vamos, vamos, vamos!

Por algum motivo, seu sorriso aqueceu meu coração de uma forma que não pude explicar, apenas fui invadido pelo sentimento de... alegria? Não saberia dizer ao certo, mas seja lá o que fosse, tratei de guardar bem fundo no mais íntimo de meu ser. O mais importante agora era encontrar o pequeno ser desaparecido e, com sorte, capturaria o assassino e eu mesmo acabaria com ele!

Dou ordem aos guardas para cobrirem toda a área interna do palácio até a extensão dos pátios e áreas de treinamento. Enquanto isso, Felicity e eu procuraríamos pelo lado de fora, nos corais e grutas que haviam próximos ao palácio, afinal, faz pouco tempo desde o desaparecimento, então não poderiam estar muito longe, caso realmente fosse um sequestro.

— Sabe, eu realmente não esperava que você fosse se oferecer para ajudar nas buscas, estou impressionada ainda! — Felicity declara enquanto tenta desviar de uma enguia que cruzou seu caminho.

— Não me admira, já percebi que você pensa muitas coisas ruins ao meu respeito — falo reflexivo.

— Bem, não são tantas assim... — ela solta um riso.

— Não são tantas assim? — questiono incrédulo.

— Estou brincando — ela ri novamente — A verdade é que não penso sequer uma coisa ruim sobre você.

Ela diz a última frase sem sorrir, olhando nos meus olhos como se quisesse que eu enxergasse neles toda a sinceridade que ela queria transmitir através daquelas palavras. Meu coração falhou um uma batida por milésimos de segundos, porém rapidamente se recuperou. Mas que raios?! O que estava acontecendo com as minhas emoções hoje? Parecia tudo desorganizado e eu sentia que estava perdendo o controle para algo que eu não sabia dizer o que era, mas não gostava dessa sensação, de jeito nenhum. Eu era um rei, ou melhor, o rei dos mares! Pigarreio e tento mudar de assunto.

— Então... O que você acha que aconteceu? Acha que foi o assassino? — pergunto.

— Não sei — ela dá de ombros — De acordo com a profecia, os sacrifícios só funcionam se forem com seres de sangue azul, então por que o filho de uma servidora do palácio seria raptado?

— Talvez simplesmente a profecia não seja real — declaro.

— Acredita mesmo nisso ou só está tentando convencer a si mesmo? — ela ergue uma sobrancelha para mim, como se soubesse que eu não acreditava naquilo.

— Prefiro não responder — falo me sentindo levemente desconfortável.

Talvez fosse melhor ficar em silêncio e focar na busca, apesar de ser uma tarefa extremamente difícil considerando a minha companhia. Felicity parecia não gostar do silêncio pois sempre tentava preenchê-lo de alguma forma, seja falando como uma matraca ou apenas cantarolando. De certa forma, eu gostava disso, nunca havia tempo para se sentir solitário ou melancólico quando ela estava por perto.

— Acho que encontrei alguma coisa! — ela exclama se abaixando para pegar algo na areia.

Parece ser bem pequeno, eu provavelmente passaria perto sem perceber mas Felicity era certamente observadora.

— Veja só! É uma pérola negra, com certeza caiu da pulseira de Oliver — ela conclui.

— Isso significa que ele passou por aqui — falo olhando para os lados e ficando instantaneamente em estado de alerta.

— E parece que nos deixou uma pista para alguma coisa... — ela fala apontando para um caminho de pérolas negras que seguiam enterradas na areia à nossa frente.

— Deve ser uma armadilha, fique aqui que irei ver aonde esse caminho levará. Qualquer coisa, grite — aviso.

— Eu não vou deixar você ir sozinho até lá, seja onde for... Além do mais, eu não sou nobre então não é como se o assassino fosse me matar — ela fala sem parecer se dar conta de que existia uma real ameaça.

— Tudo bem, só... Fique atrás de mim então — peço.

Começamos a seguir o caminho das pérolas negras e quanto mais longe nadávamos, mais escuras as águas se tornavam, até que desembocamos em uma caverna onde o mar era totalmente negro.

— Seja lá o que for, deve estar escondido na superfície da caverna — constato pensativo — Vamos dar uma olhada.

Percebo que pela primeira vez Felicity parece relutante em continuar a busca, eu diria que até mesmo estava nervosa e com medo.

— Com superfície você quer dizer... fora da... água? — ela questiona receosa.

— Sim?! — respondo confuso.

— Acho que... Talvez seria melhor se chamássemos os guardas para isso, como você disse antes, pode ser uma armadilha — ela fala com a voz fraca.

— Nós não temos tempo para voltar agora, talvez Oliver esteja precisando de ajuda neste momento.

Felicity fica quieta e pensativa por um tempo, como se enfrentasse uma batalha interna sem fim. Então logo desconfio do motivo de tamanha indecisão.

— Eu sei exatamente porquê você não quer nadar à superfície!

— Você... sabe? — ela arregala os olhos incrédula.

— É claro, e está tudo bem, não deveria se preocupar com isso, já vi muitos passarem pela mesma situação — falo tranquilizando-a.

— Já viu mesmo? — ela questiona chocada — E todos foram salvos pelo Darvin também?

— Espera... O que você disse?

O que o Darvin tinha a ver com isso? Do que ela estava falando?

— Nada — ela fala rapidamente — Me diz exatamente o motivo pelo qual você acha que não quero ir à superfície.

— Pelo mesmo motivo que a maioria das sereias: medo de que os humanos apareçam. Mas não precisa se preocupar, estamos muito longe de qualquer vestígio humano!

Felicity me lança um sorriso amarelo e sacode a cabeça em concordância.

— Que... Sorte a nossa então!

— Além disso, não sairemos totalmente, só vamos espiar.

— Isso quer dizer que poderíamos sair totalmente se quiséssemos?

— É claro que sim, todos os tritões e sereias podem ter pernas durante algumas horas no dia.

— Quantas horas especificamente? — ela pergunta ligeiramente interessada.

— Cerca de três horas. Mas por que tamanho interesse? Todos sabem disso.

— Digamos que eu vivia bastante reclusa nos meus afazeres em Karpalândia — ela sorri de orelha a orelha.

— Eu adoraria te questionar sobre isso agora, mas acredito que existem coisas mais importantes acontecendo — aponto para as pérolas negras.

— É claro! Você tem toda a razão, vá na frente, irei logo atrás de você.

Começo a nadar em direção à superfície com calma e atento a qualquer movimentação ou ondulação de águas ao meu redor, porém, tudo parecia estar na mais perfeita mansidão. Assim que estávamos próximos à borda, um gemido de dor ecoou, sinalizando que alguém na superfície da caverna estava em sofrimento. Este era o ponto crucial para se ter cautela, mas quando notei, Felicity já havia em um ato desesperado, colocado a cabeça para fora da água e nadava em direção ao som sem olhar para trás.

Em questão de segundos, ela se lançou para fora da borda do mar, caindo com um baque no chão da caverna. Ela nem mesmo piscou com a dor que deveria estar sentindo, simplesmente parecia focada demais para se importar consigo mesma. Com a cauda se debatendo no chão repleto de estalagmites, Felicity se arrastava com auxílio dos braços em direção ao pequeno Oliver que se encontrava preso por cordas e com olhos vendados e boca amordaçada enquanto gemia.

Rapidamente, deixei a posição de mero expectador e invoquei meu tridente, precisava trazer os dois para a água, onde meu domínio era maior. Além disso, precisaria transformar minha cauda em pernas se quisesse realmente ajudar em algo na superfície, porém essa transformação é algo extremamente íntimo para ser presenciado por outros, em sua maioria, somente cônjuges assistem enquanto seus parceiros são transformados.

Com o poder do tridente em mãos, elevo Felicity e Oliver no ar e trago ambos de volta para o mar.

— Precisamos desamarrá-lo! — Felicity declara enquanto Oliver se debate.

— Se concentre na venda e mordaça, eu cuidarei das cordas — respondo.

O sequestrador havia enrolado todo o corpo de Oliver em cordas, era impossível mexer os braços e cauda. Os nós eram muito apertados, mas em questão de minutos consegui desfazê-los. Felicity já havia removido a venda e mordaça dos olhos e boca de Oliver, então o mesmo caiu em meus braços chorando assustado. Por um momento fiquei em choque com tal atitude, já fazia muito tempo que alguém havia chorado em meus braços, eu realmente não sabia o que fazer com o pequeno macho.

Mas o que realmente me deixou em choque foi o olhar assombrado que Felicity tinha em seu rosto enquanto segurava a mordaça que estava na boca de Oliver entre seus dedos...

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