• Título: Sobre O Mar
        • Autora: B. G. Riccetto ( bgriccetto )
        • Gênero: Fantasia

    Com um mergulho na alta fantasia, Sobre O Mar nos apresenta um mundo onde dragões possuem a capacidade de se metamorfosear em versões humanas. Bel, uma jovem dragoa marinha, se vê no meio de disputas de poder e armadilhas políticas, enquanto busca uma forma de salvar a própria pele e saciar seu desejo de vingança. 

    Não há como começarmos uma análise sem mencionarmos o quão complexo é o universo criado por Riccetto. A estrutura de magia que encontramos aqui é repleta de detalhes, o que faz do mundo de Sobre O Mar um excelente campo para a alta fantasia. Não nos deparamos apenas com dragões — os quais são complexos por si só, já que cada espécie possui suas especificidades mágicas e seus reinos distintos —, mas também com anjos, demônios, deuses… Pontuar essa característica da obra logo de início é importante, porque é a partir dela que se desenvolve os principais acertos e, também, erros. 

    A primeira impressão que tive não foi muito positiva. A narração acontece em um ritmo lento, algo que não seria um problema, não fosse os capítulos iniciais demasiadamente longos. O tempo de rolagem pode sim ser favorável ou desfavorável a leitura, e neste caso, senti que os capítulos eram grandes sem que houvesse um motivo, já que são feitas algumas pausas dentro deles que poderiam ser usadas como divisórias de capítulos. Riccetto parece entender isso com o desenrolar dos acontecimentos, pois os capítulos começam a ser divididos a partir do 4°. Ainda assim, as partes poderiam ser ainda menores. O livro possui 09 capítulos que, no Wattpad, estão divididos em 16 partes, mas que poderiam ser 25 a 30. 

    Um ponto interessante, que surge já no primeiro capítulo, é a abordagem da transexualidade como um dos principais dilemas da protagonista. Trazer o tema para uma fantasia, dando elementos lúdicos ao mesmo tempo que deixa claro a intenção da discussão, é sem dúvidas um acerto. Porém, a forma como a personagem se descobre transgênero me soou estranha. Isso aconteceu devido a associação do tema com um processo de mutilação genital sofrido por ela quando ainda pequena. Bel é forçada pelo próprio pai a se comportar como menina, por ele considerar que deve ser o único homem de seu reino. Mesmo que a personagem diga que isso não influencia na sua identidade, colocá-la diante de uma pressão social e um trauma físico para se adequar ao gênero oposto ao de nascimento não me pareceu ser a melhor forma de desenvolver o tema. 

    No âmbito estrutural, a história mostra alguns erros de separação de parágrafos — o verbo dicendi separado da fala —, além de deslizes comuns de digitação. Os erros são mais prevalentes no começo, sendo que a qualidade gramatical e da narrativa como um todo vai aumentando com o decorrer da trama. Por outro lado, há um problema que persiste do início ao fim: o desenvolvimento acontece de uma maneira estranha, passando a impressão de que não há uma preocupação de explicar o contexto para o leitor. Em vários momentos, me peguei questionando para onde a história se encaminhava. O texto, várias vezes, tenta entregar informações aos poucos, buscando instigar curiosidade. No entanto, o que causa é estranhamento; com informações essenciais para o compreensão básica do universo sendo guardadas por tempo demais. 

    Os personagens, apesar de bem construídos fisicamente, são pouco aproveitados. Considero que há muitos personagens para o tamanho da obra; e enquanto alguns morrem sem mostrar para o que vieram, outros novos são apresentados de forma superficial, o que se repete até o último capítulo. A relação entre eles é pouco elucidada, nos levando a não compreender com clareza o sentimento da protagonista sobre cada um deles. Sobre O Mar é uma daquelas raras obras de fantasia em que falta narração descritiva de personalidades, ambientes, contexto social e político.  

    Nos momentos finais, Riccetto optou por fazer um salto evolutivo na protagonista, alterando bruscamente a personalidade de um capítulo para outro depois de Bel alcançar um de seus principais desejos. O leitor fica alheio a todo o processo de mudança psicológica, o que me lembrou a sensação de páginas arrancadas, como se eu tivesse perdido algo. Parte disso é consequência direta da aparente despreocupação em situar o leitor, como já mencionado. 

    O final é aberto e, como a história salta de conflito em conflito, de ambiente em ambiente, sem nos dizer com propriedade o ponto principal, Sobre O Mar cai no grupo de leituras que se mostram sem um grande propósito. Uma explosão de boas ideias que, quando bem organizadas, será uma alta fantasia de muita originalidade, mas que por enquanto consegue ser apenas isso: uma explosão de boas ideias condensadas em um texto pequeno demais para a proposta. É impossível um mundo mágico tão complexo ser totalmente apresentado sem a produção de um calhamaço, ainda mais com a história envolvendo uma aventura em tantos lugares diferentes desse mundo. 

    A boa notícia é que nada está perdido. É apenas uma questão de diluir o enredo já existente em páginas e mais páginas, dando o ênfase merecido para os acontecimentos, aplicando profundidade e nuance aos detalhes, usando o universo criado com propriedade. 

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Nota: 6,4