Título: O Lado de Fora
        Autor: Gabriel Jakutis ( GabbsDivergent )
        Gênero: Ficção Científica

    Vencedor do Wattys 2019 na categoria de ficção científica, O Lado de Fora narra a aventura de Kaya, uma jovem residente de Antã que, após ter seu irmãozinho raptado pelos Sem-caras — um grupo misterioso de soldados que vez ou outra invadem seus vilarejos —, resolve fazer justiça com as próprias mãos. Acompanhada de Leyr, um garoto misterioso, a menina descobrirá que desconhece muita coisa do seu mundo e que o desaparecimento de seu irmão faz parte de algo bem maior. 

    Com uma proposta bem clara, que não deixa o leitor com dúvida de onde está pisando, iniciei a leitura cheio de expectativas, mas também com os receios que sempre me cercam quando se trata de distopias. Parte desse receio veio a partir da capa. Apesar de premiada, considero que a obra não possui uma capa muito atrativa, pouco servindo para instigar o leitor a embarcar na aventura. No entanto, posso adiantar que a capa é o ponto mais fraco de todo o trabalho — e, sim, isso é bom. 

    O autor não tarda em mostrar domínio sobre a sua história. Os capítulos iniciais trazem o tom de mistério necessário para fisgar a atenção do leitor, enquanto o clima de ficção científica se estabelece bem, de forma natural. A medida que as informações vão sendo passadas, com apresentações de personagens feitas de maneira muito correta, as abordagens de questões psicológicas e dos angústias de cada um deles também vão acontecendo no tempo adequado. Isso causa boa impressão, fazendo com que não sintamos aquele sabor estranho de incoerência que sempre brota quando a caracterização soa atropelada.  

    É grande a quantidade de clichês de gênero usados durante a história. O mundo de O Lado de Fora é simples e pouco inovador quando avaliamos a sua capacidade de  dar novos rumos para a ficção científica. Por outro lado, esse ponto fraco é contrabalanceado pelo desenvolvimento, que se mostra o seu principal acerto. A construção da narrativa é bem orquestrada e os personagens evoluem de mãos dadas com o enredo. Exemplos que se destacam positivamente são: Kaya, que se revela, com o decorrer da história, uma protagonista feminina forte e determinada; e Hock, que traz uma bagagem interessante de dilemas pessoais e motivações para o seu comportamento controverso. 

    Existem outros pontos, temas secundários, que valem a nossa atenção. Grandes exemplos são as críticas ao consumo inconsequente de medicamentos, principalmente antibióticos, e à ética na pesquisa; assuntos bastante pertinentes na atualidade. Destaca-se também o bom desempenho ao falar da luta de aceitação da homossexualidade em uma sociedade que, mesmo tão tecnológica, tende a manter os preconceitos enraizados. O tema é tratado com seriedade e singeleza, enriquecendo a evolução dos personagens envolvidos na problemática. 

    A simplicidade do enredo volta a ficar transparente no clímax recatado. Jakutis aposta na agilidade para construir a tensão dos momentos finais ao invés de trazer elementos que surpreendam, e consegue alcançar seu objetivo graças a toda a expectativa que vai sendo construída com o desenrolar da trama. O leitor, mesmo que já imagine o caminho a ser traçado pela história, anseia por ver com os próprios olhos o desfecho. E não se decepciona com os acontecimentos. Para a produção da sensação de agilidade, no entanto, o autor faz uso de diversas pausas dentro dos capítulos no terço final, numa alternância frenética de pontos de vista. Em alguns capítulos, a estratégia foi utilizada com certo exagero, ficando, a meu ver, no limite do aceitável mesmo para histórias narradas em 3° pessoa. 

    Com um belo gancho para o segundo livro, O Lado de Fora se encerra de forma coesa, sem se arriscar muito, mas também sem cometer muitos erros. Os personagens bem construídos e a forma natural como acontece a evolução do conflito são seus troféus; sendo, esses dois tópicos, os responsáveis pela impressão positiva que fica depois o último parágrafo. Podemos, então, dizer que o Wattys 2019 de ficção científica está sim em boas mãos. 

Nota: 8,9