1. Uma sugestão


Tatiana

Se Pamela fosse normal, eu poderia dizer que somos melhores amigas.

Mas que tipo de relacionamento você tem com alguém que rouba tua aliança pra jogar no fundo do Pacífico e te abandona no meio da noite pra ir parar na cama de alguém?

Bem... considerando que nada disso muda o tanto que eu a amo e confio nela... acho que talvez "melhores amigas" seja mesmo a melhor definição.

- Explica pra mim como você pode ser dona da empresa e nunca ter usado o produto? - ela me pergunta. Passa os dedos pelos cabelos loiros ao jogá-los sobre os ombros. Seu sorriso é morno e sensual, assim como seus olhos azuis. Ela parece uma estrela de filmes antigos que desistiu do glamour para abrir uma casa de prostituição. E se analisar a história da sua vida com cuidado vai descobrir que... é quase exatamente isso que aconteceu.

Eu sou o exato oposto: morena de olhos escuros. A imigrante latina que só passa despercebida porque tem uma pronúncia impecável, aprendida depois de anos de esforço metódico. Minhas curvas acentuadas estão sempre bem disfarçadas sob roupas sóbrias e profissionais. Meu cabelo cairia em ondas fartas sobre meus ombros - assim como faz o dela - mas eu normalmente o prefiro preso em um rabo de cavalo longo, apertado e elegante.

- Eu não sou dona do SugarLove.com, meu bem. - lembro, lavando as palavras com mais um gole de vinho - Você é. Eu sou apenas uma das investidoras malucas que viu potencial na sua ideia.

O Bemelman's Bar está apinhado de gente ocupando seus estofados de couro marrom e mesas estreitas de madeira escura. O jazz delicado do piano parece brigar contra o típico zumbido de pessoas demais falando ao mesmo tempo. Um casal se espreme entre duas mesas no bar, em seu caminho para o restaurante, e o espaço que deixaram para trás é rapidamente ocupado por um pequeno grupo de amigos.

É fim do expediente em uma sexta-feira, e o bar na esquina da Avenida Madison com a East 76 oferece happy hour para empresários e turistas, sem distinções.

Pamela sorri ao encarar alguém sobre meu ombro. Sei que ela está flertando porque o modo como coloca as castanhas na língua - uma de cada vez - faz o ato de comer petiscos parecer uma preliminar e eu estou quase perguntando se ela quer um pouco de privacidade.

- Você é dona de 12% do negócio e tem direito de voto. - ela responde como se não estivesse, na verdade, dividindo sua atenção entre eu e... seja lá quem for que ela escolheu para essa noite.

Abro os olhos pra ela com uma risada impaciente:

- Você nunca leu nenhum dos documentos legais da sua empresa, não é? Eu tenho 8% e nunca tive direito a voto!

- Quem tem paciência para documentos legais? - dá de ombros, engolindo mais algumas de suas castanhas eróticas. Assim que sua mão está vazia, ela balança os dedos longos em um "tchauzinho" que mais parece um "olá".

- Você quer que eu te deixe a sós? - dou risada.

- Não, ainda não. - ela pisca um olho - Acho que ele tem um amigo. - alonga-se, verificando alguém a distância.

Mas sua última frase fez meu sorriso desaparecer e ela não demora a notar.

Na verdade, acho que notou minha apreensão antes mesmo de dizer a frase que a causaria.

Melhores amigas.

É por isso que parou de observar seus novos amigos, do outro lado do bar, e me encara como uma águia.

- Tati... - ela começa.

- Pam, não. Tudo bem? Não.

Vejo seus ombros caírem e me preparo para o monólogo.

Você é jovem, linda e bem sucedida. Sua vida não acabou. Não é errado conhecer alguém novo.

Blá blá blá.

Viro mais um gole do vinho, sem paciência.

Mas, ao invés de dizer o que eu espero, Pamela apenas me surpreende com:

- Tudo bem. Você quem sabe.

Entalo com a bebida.

- Sério? Vai me deixar em paz? - não acredito.

- Vou. O Marcus está chegando daqui a pouco pra te fazer companhia. Eu não me incomodo desde que você saia um pouco e tenha alguém com você. É quando você fica escondida em casa assistindo filme com seu cachorro que eu fico preocupada.

Engulo em seco ao escutar o nome dele. O olhar de Pamela brilha, encarando-me como se me desafiasse a falar, ou a calar. Qualquer uma das duas condutas responde sua dúvida do mesmo jeito.

- Eu não fico escondida em casa assistindo filme com...

Ela me encara porque sabe que estou mentindo e eu calo.

- Eu só pego no seu pé porque eu te amo. - ela insiste - E porque três anos é tempo demais pra ficar sem sexo. É questão de saúde.

- Eu não estou sem sexo!

- Vibrador não é sexo. - torce o nariz - Você precisa de um homem quente no meio das pernas, Tatiana.

- Estou bem, obrigada.

- Não, não está.

- Sexo não é tão importante pra mim quanto é pra você, Pam.

- É porque você nunca teve o tipo de sexo que eu tenho, meu amor.

Esfrego meus olhos, rindo.

- E você nunca teve o tipo de sexo que eu tive. - lembro - Como pode saber qual é melhor?

- E qual foi o sexo que você teve? - inclina-se, autoritária - Papai-e-mamãe com o mesmo homem por dez anos? Realmente, não dá pra comparar.

- Não era papai-e-mamãe por...

- Tati, eu sou sua melhor amiga há muito tempo. Quando sua vida sexual com o Daniel morreu, eu compareci ao enterro, lembra? Estive lá para ouvir todos os detalhes.

- Pamela, já chega, está bem?

- "Já chega"? - ela respira fundo - Por que "já chega"? Estou mentindo? Tati, o que aconteceu com o Dan foi uma fatalidade. Mas a sua vida não precisa ser definida por isso, sabe? "Já chega" mesmo. Três anos de luto é tempo demais. Ninguém vai te julgar se você quiser continuar vivendo. Você é jovem, linda e bem sucedida...

E aí está.

Ocupo-me do meu vinho e reviro os olhos enquanto ela continua o monólogo.

Eu já o conheço de cor. Não preciso ouvir de novo.

- ... você devia experimentar sair com alguém. Você precisa de companhia. - observa-me com o canto do olho como se estivesse me conduzindo por uma fração da ideia quando já tem um plano completo pronto.

- Preciso de companhia?

- Precisa de sexo suado e agressivo, daqueles que te deixam sem conseguir usar as coxas por 72 horas, mas "companhia" é um bom começo.

- Você é louca. - respiro - Eu te amo, mas você é louca.

Pamela morde o lábio inferior e o segundo que ela demora para reunir coragem parece se prolongar por uma eternidade.

- Você devia sair com o Marcus.

Meu plano era dizer "Eu já saio com o Marcus toda semana, somos amigos, hahaha" e agir como se a sugestão da Pam fosse igualmente inocente e desnecessária.

Mas, ao invés de soar casual e desinteressada, eu entalo com o vinho e não consigo colocar mais de duas palavras em sequência.

- É. - ela ri - Definitivamente devia sair com o Marcus. - repete.

Respiro fundo e tento lembrar que meu pragmatismo é maior que minha vergonha momentânea.

- Não vou começar a namorar com o melhor amigo do meu falecido marido, Pamela.

- Jesus, Tatiana! E quem falou em namorar? Você me ouviu quando eu disse que você precisava de sexo? Ou, se não estiver pronta pra isso ainda, pelo menos uns beijos indecentes enquanto um cara experimenta os teus peitos.

- Meu Deus. - escondo os olhos na mão.

- O que? Você tem uns peitos ótimos. Levei uma foto sua, pelada, pro meu cirurgião quando fui colocar meu silicone, sabia? Eu disse "Lorenzo, eu quero esses peitos aqui".

- Você está mentindo.

- Não estou.

Eu a encaro por um segundo e ela muda a narrativa.

- Como sabe que eu estou mentindo?

- Porque você nunca colocou silicone, sua cirurgiã plástica é uma mulher chamada Natalie e eu tenho bastante certeza que você não tem uma foto minha pelada.

- Detalhes. - ergue um ombro - Mas voltando ao assunto de deixar o Marcus te comer.

- "Voltando ao assunto"? - abro os olhos, indignada - Esse nunca foi o assunto! Meu Deus, por que eu sou sua amiga?

- Você sabe que ele é apaixonado por você, não sabe?

- Pamela, eu te imploro...

- Claro que sabe. Eu já te disse isso um milhão de vezes. Não que eu precisasse: O Marcus te olha como se você tivesse pendurado a Lua no céu e pintado uma porção de estrelinhas ao redor.

- Você exagera.

- Tati, você podia ser uma simpatizante nazista com inclinações ao canibalismo e o Marcus ainda ia querer ser pai dos seus filhos.

- Acabou? - peço.

- Por que você nega isso? - irrita-se - Você não é cega! E, com certeza, não é burra! Quando você e o Daniel brigaram sério daquela vez, a ex-mulher do Marcus entrou em depressão.

- O quê? O que uma coisa tem a ver com a outra?

- Eu a peguei chorando, no quarto, na festa de Natal! Ela não conseguiu engolir o nervosismo e me disse com todas as palavras que se você se divorciasse do Daniel, o Marcus se divorciaria dela. Ele SEMPRE foi apaixonado por você, Tatiana. Só casou com a Lara depois que você começou a comemorar Bodas com o melhor amigo dele. E, assim que você se viu viúva, ele se viu divorciado. Está esperando seu luto acabar, como um bom garoto e, sinceramente, me irrita, porque se ele fosse um mau garoto já tinha feito alguma coisa e tirado tua boceta dessa aposentadoria compulsória há uns dois anos.

- Você é mesmo uma dama. - sarcástica, diante de seu curto monólogo.

- Meu bem, se as damas se divertissem como as vadias, eu seria uma dama.

Preciso rir.

Mas é apenas por um instante.

O gosto amargo em minha garganta faz meu humor escurecer e pesar. Até os sons alegres dos grupos de amigos ao nosso redor parecem distantes, como se eu os escutasse da outra ponta de um túnel.

- Eu não sou burra. - murmuro.

- Eu sei.

As coisas que o Marcus me disse.

As coisas que o Marcus me disse dois dias antes de Daniel morrer.

Eu não posso.

E é isso que eu digo a Pamela.

- Eu não posso, Pam. Não posso.

Ela acena como se compreendesse, mas não compreende.

Toca meu braço com carinho.

- Tati... O Marcus é o homem da sua vida.

Ela deixa as palavras causarem seu efeito, mas o único efeito que causam é dor.

- Vocês dois são perfeitos juntos. E eu sei que você não quer ouvir isso: mas ele seria melhor pra você do que o Dan jamais foi.

- Pamela... O Marcus é meu amigo. Eu não estou pronta para ficar com alguém. Sair com ele seria um desastre e eu perderia o amigo.

- Eu sei. Vocês dois são perfeitos um para o outro mas, ao mesmo tempo, é muita responsabilidade. Vocês têm história demais. O Marcus vai te levar pra jantar uma vez e vai querer te pedir em casamento, já pensando em qual o melhor bairro com boas escolas pra comprar uma casa. É bagagem demais. Você precisa... esquentar.

- Esquentar?

- Você precisa viver um pouco, amiga. Você casou muito cedo, e eu sei que me odeia sempre que digo isso... Mas você não estava feliz com o Daniel. Não no fim, e não por muitos anos. Você precisa de um cara que te aperte contra a parede e te beije de um jeito que você não sabia que podia ser beijada. Precisa de um cara que te coma com vontade, porque eu não tenho certeza se alguém já te comeu. Um cara que te faça gozar, porque eu também não tenho certeza se você já gozou. Precisa se divertir. Precisa de alguém que faça você se sentir viva! E não cheia de responsabilidades. O Marcus pode até ser a linha de chegada que eu gostaria pra você. Mas se começar pelo fim vai dar tudo errado. Seu casamento com o Daniel acabou sendo uma prisão. O luto também. E o Marcus é só mais uma gaiola.

- Estou confusa, Pam. Você quer que eu fique com o Marcus ou não?

Mas eu não escuto a resposta porque a voz masculina às nossas costas atrai minha atenção.

- E aí? O que estamos bebendo? - a voz grave de Marcus é animada. Causa-me arrepios desconcertantes, principalmente porque parte de mim teme que ele tenha ouvido minha última frase.

- Merlot. 2008. - aponto para a garrafa com um sorriso. Ele beija cada uma de nós na bochecha e pede uma terceira taça ao garçom.

Ele é alto e forte. Mas dois adjetivos assim, sozinhos, não são suficientes para descrevê-lo.

As mangas da camisa social estão enroladas em seus antebraços largos. Meu olhar se perde por um instante e...

Não sei quando, nos últimos três anos, comecei a notar o tanto que Marcus é... homem.

Largo e imenso com sua barba metodicamente por fazer e os fios grisalhos marcando suas têmporas. O queixo quadrado de feições rígidas. Ele tem um charme cru e é tão estranho que eu tenha sido imune a ele por tantos anos porque, ultimamente, é só nisso que consigo pensar.

- Como foi o trabalho, querido? - Pamela exagera no falso tom de esposa cansada e Marcus ri.

- O de sempre, querida. - devolve a brincadeira - Nada de novo no mundo do marketing.

- Isso soa contraproducente. - aviso - Marketing não deveria ser sempre novo?

Ele revira os olhos para minha gracinha:

- Vocês entenderam o que eu quis dizer.

Ele tem um cheiro bom.

Um perfume caro e uma fragrância de homem. Estou encarando.

- Marcus! - Pamela lhe dá um tapa na perna, e me salva. É por isso que é minha amiga - Você ainda não confirmou se vai levar alguém para minha festa!

Eu viro para nosso amigo com um meio sorriso, recuperando-me:

- Você também adora como ela chama um jantar beneficente de "minha festa"?

Marcus ri com gosto. Seu sorriso é gentil. Ele aperta os olhos com naturalidade e suas poucas rugas se acentuam de um jeito adorável.

Meu Deus.

Não, Tatiana. O melhor amigo do Daniel, não.

- Ei! Sou eu que estou organizando, não é? - ela se defende - Marcus? E então?

Encaro minha taça de vinho e tento recitar parâmetros de base da minha linguagem de códigos favorita para tentar ignorar o homem quente sentado tão perto de mim que seu braço raspa no meu sempre que se move.

Não preciso de sexo.

Claro que não preciso.

Não tenho sexo há anos.

Não me faz falta.

- Bem... - ele responde, observando-me - Na verdade, eu ia perguntar para a Tati se ela não queria ir comigo.

Eu congelo.

Congelo, porque ele está me convidando como amigo. Assim como faz há anos. Mas a Pamela está me encarando como se minha resposta fosse a diferença entre Céu e Inferno.

- Ahm... - gaguejo.

Sinto como se estivesse traindo Daniel.

Traindo meu marido com seu melhor amigo.

Pro Diabo com a lógica, é assim que eu me sinto.

E eu me odeio porque sempre me orgulhei de minha racionalidade inabalável, mas eu não consigo.

Não consigo olhar pra ele e não pensar no que ele me disse pouco antes de Daniel morrer.

Não consigo olhar pra ele e não pensar no que eu disse a Daniel em seguida.

A última conversa que tive com meu marido.

Seria hilário se não fosse trágico: a coisa que eu não consigo dizer em voz em alta é a mesma coisa que não consigo parar de pensar.

Sentir meu coração bater de um jeito esquisito sempre que Marcus me toca é o tipo de problema que eu não preciso.

Sinto muito, Marcus.

Sinto muito se isso te magoar.

Talvez eu não esteja pronta para um homem, mas definitivamente não estou pronta pra você.

- Não. - Pamela me salva mais uma vez e eu estou pronta para declarar meu amor eterno a ela - Não pode ir com ela.

- Por que não? - ele ri, ainda incerto se deveria estar rindo.

- Por causa do meu leilão beneficente. Todas as mulheres solteiras e desacompanhadas serão leiloadas e eu quero a Tati bem livre para o meu leilão. Se você quiser ficar com ela, vai ter que fazer um lance. - provoca.

O sorriso incerto de Marcus se expande de uma orelha a outra.

- Entendo. - gesticula em rendição - Estarei lá, pronto para uma guerra de lances, então.

As palavras deveriam ser uma brincadeira, mas o tom morno com que as recita sugere tudo menos isso.

Marcus parece que ia propor um brinde, mas olha ao redor ainda procurando o garçom que nunca voltou com sua taça.

- O que diabos um homem precisa fazer para beber alguma coisa aqui? - nos pede licença e levanta para resolver o problema ele mesmo.

Eu respiro muito fundo quando ele se vai e Pamela segura a gargalhada.

- O que foi? - rosno.

- Nada. Nadinha. - bebe seu vinho, encarando-me sobre a borda da taça.

Eu estou pronta para afundar em autocomiseração quando algo importante me ocorre:

- Pamela, eu NÃO vou ser leiloada. Você me ouviu?

- Ah-ham.

- Eu estou falando sério. Não vou subir em um palco para homens fazerem lances por mim. Isso é baixo e ridículo e...

- Você devia usar o site.

- Que site? - enrugo a testa.

- O meu site. - explica, sugestiva.

Eu entalo com a saliva e começo a tossir.

- O Sugar Love? - estou rindo - Sua resposta para minha solidão é contratar um garoto de programa?

- Então você admite que está solitária? - agarra-se ao meu deslize.

- Louca. - repito - Você é louca.

- Não é um garoto de programa, Tati. - ela belisca minha mão sobre a mesa - Você sabe que não é assim. O Sugar Love não é um site de prostituição. Seria um encontro entre amigos.

- Ah-ham. - murmuro, sarcástica.

- Um encontro honesto em que as duas partes sabem exatamente o que as espera. Ele vai ser um homem lindo e interessante, de sua escolha. E tudo que você precisa fazer é pagar a conta no fim do jantar. Ou da viagem. Ou do motel. - pisca um olho.

- E aí está. - anuncio.

- Você tem o controle absoluto. Não precisa fazer nada que não queira. Não vai haver nenhuma expectativa da parte dele. Não de sexo, pelo menos. Você tem a sua companhia, ele conhece um lugar legal. Todo mundo ganha!

- A ideia é boa, Pam. Eu já investi nela, lembra?

- Ótimo. Que bom que concordamos. Faz um perfil no site. Dá uma olhada. Não custa nada e você pode acabar encontrando alguém que te agrada.

- Não custa nada? Você está ciente que tem uma mensalidade para os perfis que estão procurando companhia?

- Tatiana, você é bilionária. 49,90 por mês dificilmente vai te fazer falta.

- É assim que você encontra clientes para o seu negócio? - estreito os olhos, provocando-a - Encurralando viúvas indefesas que ainda não estão prontas para um relacionamento? Além do mais, não era você que estava defendendo que eu deveria sair com o Marcus?

- Eu sei lá o que eu estou defendendo. Eu sou louca. Você não devia me escutar.

- Concordamos, enfim.

- Mas me escuta! - avisa e não parece perceber a ironia de suas próprias palavras - Você precisa de um homem pra praticar antes de sair com o Marcus. Pra ficar mais a vontade e evitar que o primeiro encontro seja um desastre. E você precisa de um sexo pesado. De um tipo que o Marcus dificilmente sabe como faz.

Aperto os olhos.

Marcus com seus ombros largos, suas mãos imensas e seu cheiro de homem. Não entendo como Pamela pode achar que ele não saberia o que fazer com uma mulher na cama, mas pelo menos nós duas já concordamos que ela é louca.

- É o plano perfeito! Sai com uns caras no site como aquecimento. E, quando estiver pronta, sai com o Marcus.

- Ótima ideia! - abro os olhos.

- Então vai fazer isso?

- Não. - resmungo - Não vou fazer nem mesmo uma única parte de nada disso que você disse.

Ela tem um sorriso vitorioso nos lábios que não faz muito sentido.

- Você quem sabe. - dá de ombros e eu fico nervosa porque sei que ela percebeu algo que ainda me escapa - Mas, meu amor, daqui a um mês, estando você pronta ou não, o Marcus vai te comprar. E aí, Tati... - ela ri - Aí eu quero ver o que você vai fazer.

***************

Spencer

Minha vida é boa pra caralho.

Conheci um cara em um bar no meu primeiro dia na cidade. Ele estava tentando pegar uma mulher e estava falhando terrivelmente. Eu ajudei como pude... ele não conseguiu a garota, mas eu consegui um amigo. E um apartamento! Porque o Eric - esse é o nome dele - tinha um lugar legal perto do metrô e um quarto vazio. Sucesso, han?

E aí eu consegui um emprego também porque eu sou foda! Assistente de cozinha em um restaurante italiano a três esquinas do apartamento do Eric. O salário não é algo digno de nota, mas vai pagar minhas contas enquanto Hollywood não me descobre.

Além disso, escuta só: consegui marcar horário em quatro agências de modelos diferentes para as próximas duas semanas. Eu sei que é um exagero marcar tantas, sendo que as ofertas das duas primeiras já devem ser boas o suficiente, mas é melhor pecar pelo excesso. Também consegui colocar meu nome em dois testes: para um comercial e para um seriado.

E tudo isso em uma única semana, meu bem.

Sete dias e Spencer Reese está dominando esse caralho dessa cidade porque "Destino" é uma mulher gostosa que abre as pernas assim que sente meu cheiro.

E falando em abrir as pernas, eu não quero ser o nojento que trata mulheres como calorias e conta quantas comeu na semana, mas sete mulheres em seis dias - ao contrário do meu salário - é algo digno de nota.

Bem... oito, em sete dias, se contar onde estou no exato segundo.

As luzes do meu quarto estão apagadas, mas a luz fraca da noite lá fora entra pela janela.

Lambo sua boca devagar, sentindo o hálito de seus gemidos na minha língua.

Se trabalhar fosse tão bom quanto sexo, seríamos todos ricos.

Bianca arranha os músculos do meu peito e me pede muitas coisas: mais força, mais velocidade, ela quer um tapa na bunda, um puxão nos cabelos, uma mordida no mamilo. As instruções são regadas a desespero erótico e, apesar de desconexas e confusas, faço questão de segui-las. Eu sou um garoto esforçado e obediente. O orgasmo a ataca, rápido e violento. O meu não fica muito atrás.

Ela está rindo com os cabelos espalhados pelo meu travesseiro.

- Meu Deus, Mississipi. - ela morde os lábios, satisfeita, ainda tentando recuperar o fôlego. Usa meu estado de origem no lugar do nome e eu não sei se é um apelido carinhoso, ou se ela esqueceu como eu me chamo.

Não me sinto ofendido de um modo ou de outro.

Estou chamando-a de "Bianca" em minha mente, mas tenho apenas 75% de certeza que esse é realmente seu nome.

90% de chance de começar com B.

- Ah, linda, você ainda não viu nada. - beijo sua boca.

"Linda" ao invés de "Bianca", percebe?

Pra quê arriscar? Eu ainda pretendo seguir por mais duas rodadas ou três antes de encerrar a noite e errar o nome agora vai foder meus planos.

Levanto para pegar água para nós dois e encontro a luz da sala acesa.

- Se divertindo? - Eric tem um sorriso escroto estampado no meio da cara e parece estar em vias de explodir em gargalhadas.

- Caralho! - enfio as mãos nos cabelos perfeitamente ciente do nível de barulho que eu estive fazendo pela última hora - Desculpa, cara, eu achei que a casa estava vazia! Achei que você tinha um encontro!

- E eu tenho, mas você chegou do bar mais cedo.

Aperto os olhos, constrangido.

Não somos amigos.

Sequer somos conhecidos.

Estamos morando juntos há poucos dias.

A merda é que não tínhamos exatamente definido como seria a política para trazer mulheres pra casa e eu não queria irritar o cara logo na primeira semana.

- Sinto muito, cara, eu sei que a gente não conversou sobre...

- Mano, eu também tenho vinte e três anos. - ri - Vai ter muita mulher entrando e saindo desse apartamento. Não se preocupa. A gente organiza um esquema depois. E... - ele ergue uma sobrancelha - Acho que vamos precisar sair juntos com alguma frequência. Você não demorou uma hora pra trazer ela de volta pra casa, não foi?

Eu abro um sorriso orgulhoso e ele me oferece o punho.

- Bom trabalho, filho da puta. E feliz aniversário. - o celular treme em sua mão - Merda. Tenho que ir!

Ele corre pela porta sem se despedir. Eu ainda estou rindo. Vamos nos dar bem.

Eu e ele, eu e Nova York.

Levo o copo de água para Bianca e percebo que esqueci de pegar um para mim.

É a curiosidade que me leva até as grandes janelas na frente do apartamento. Lá embaixo, Eric atravessa a rua, com pressa. É só então que noto que ele está bem vestido: muito bem vestido. Não notei, há pouco, quando ele ainda estava na sala, talvez pelo susto de ter quebrado alguma regra implícita do Manual de Convivência com meu sexo barulhento. Mas aí está: bem vestido. Não parece o Eric que vi nos últimos dias, mas uma mísera semana dificilmente me torna um especialista em seu guarda roupa.

Do outro lado da rua, o poste ilumina o carro estacionado com sua luz amarela, o vidro escuro da porta traseira se abaixa, em um lento compasso eletrônico. Eric inclina o rosto pela janela e uma mão feminina envolve seus cabelos escuros.

Eles se beijam, discretamente, na penumbra. A mulher deve ter aberto a porta e se afastado, porque Eric enfia-se no mesmo banco que ela e desaparece.

O carro segue com o murmúrio baixo de seu motor acelerado pelas ruas de Nova York, levando consigo meu colega de quarto em suas roupas caras e deixando a mim sem entender muita coisa.

- Ei, Spencer. - sua voz rouca de sexo atrai minha atenção. Lembra do meu nome.

Está nua e eu viro o copo de água contra o meu sorriso.

Bianca vem me abraçar, lambe meu queixo e promete fazer coisas que nunca me ocorreriam pedir.

A noite vai ser longa e deliciosa.

Minha vida é boa pra caralho.

***************

Spencer

Duas semanas depois...

Minha vida é uma merda.

O restaurante do Rodolfo é o pior lugar que eu já trabalhei na minha vida, Anna não para de me mandar mensagens constrangedoras, e meu sonho de ser ator parecer estar mais distante agora do que no dia que saí de casa.

- Pode virar, por favor? De perfil. - ela pede.

Não gosto do jeito como ela diz "por favor". Não sabia que era possível colocar tanto desdém em duas palavras tão pequenas.

Eu obedeço e deixo as duas mulheres sentadas atrás da mesa observarem-me de perfil.

Elas cochicham algo entre si.

- De costas, por favor?

Viro mais uma vez.

Mais cochichos.

Não me incomoda que elas me tratem como um pedaço de carne: desde que cheguei na cidade, estive em agências de modelos o suficiente para saber que o mercado é assim. O que realmente me causa desconforto é a mudança. Não me entenda mal, não quero soar arrogante, mas eu estou bem acostumado a ser o cara mais insuportavelmente gostoso em qualquer lugar que eu entro. Foi assim na escola, no curso de culinária, nas festas de adolescente, encontros de família e bares de Nova York. Eu nunca tive aquela beleza comum do cara que é bom em esportes e consegue as garotas. Não... Eu sempre fui mais que isso. Eu sou o cara que as pessoas na rua viram o rosto para olhar uma segunda vez. Na minha última visita a um consultório médico, a oftalmologista prendeu a respiração ao me ver. No critério "beleza" sempre foi raro encontrar alguém que pudesse competir comigo, quem dirá ganhar.

E aí eu comecei a frequentar agências de modelos e isso tudo... mudou.

Eu, que estava acostumado a deixar mulheres sem graça em minha presença - perdidas entre sorrisos e prendendo a respiração - tinha que enfrentar as duas mulheres sentadas naquela mesa, encarando-me como se eu fosse pouco mais que um cabide. Elas deveriam ter visto uns trinta homens mais bonitos do que eu antes de sequer parar pro almoço.

Elas não se constrangiam ou intimidavam.

Pelo contrário: elas me diziam...

- Agora pode tirar as roupas, por favor?

A mais nova apontou para o vestiário ao fundo, onde eu poderia me despir com alguma dignidade antes de desfilar para elas usando nada mais que minha roupa íntima.

Minha vida é uma merda.

Tem pouca coisa que ataque sua auto estima tanto quanto desfilar de cueca para duas mulheres, e assisti-las balançar a cabeça em discreta reprovação.

- Bem. - a mais nova sorriu, sem alegria, gesticulando para que eu interrompesse minha caminhada - Obrigada... ahm... - ela olhou de volta para o meu book e currículo. Ela sequer lembrava meu nome - Spencer. - curva os lábios, ainda entediada - Estamos procurando modelos mais magros para essa coleção em particular. Músculos muito protuberantes ou definidos não são a nossa tendência para esse desfile. Nós temos o seu número, entraremos em contato se houver alguma mudança. Boa tarde.

Ela se volta para conversar com a outra, deixando-me recusado e de cueca.

Legal.

Eu me visto depressa e escapo de lá como o diabo deve fazer diante da Cruz. Ou a Cruz diante do Diabo, dependendo de qual parte da equação corra mais depressa.

Nunca vi alguém torcer o nariz para meus músculos protuberantes e definidos. Isso era o tipo de coisa que arrancava suspiros e orgasmos de qualquer uma. Menos, é claro, da designer e sua assistente: para elas, meu físico era insuficiente.

E ela sequer lembrava o meu nome.

Mordo o lábio lembrando de uma das garotas que levei pra cama nas últimas semanas. Ela me chamava de "Mississipi", eu achei que tinha esquecido meu nome e isso não me incomodou.

Mas agora... agora era diferente.

Eu queria uma oportunidade profissional e tinha que encarar a dolorosa verdade de que me tornei... esquecível.

Tento respirar fundo, mas essa cidade tem rasgado minha sanidade e abocanhado minha resiliência uma mordida por vez.

Minha paciência não deve aguentar muito mais. Cerro os punhos, sentindo-os tremer.

- Atrasado. - Rodolfo anuncia com seu sotaque carregado assim que cruzo a porta da cozinha.

- Eu... - eu avisei pra ele que ia me atrasar hoje! Estou cumprindo tantas horas extras nessa porcaria que nunca imaginei que uma merda de atraso seria um problema. Mas não vale a pena discutir com Rodolfo. Ele misteriosamente para de compreender inglês sempre que corre o risco de perder uma discussão - Desculpe. - resmungo com um sorriso amarelo.

Inferno.

Deveria ser mais fácil, não era?

Deveria ser a coisa mais fácil do mundo.

E se não der certo?

O pensamento traz uma careta involuntária ao meu rosto.

Percebo Laurie com o canto do olho: entre as garçonetes do Mangiare, foi com ela que eu mais simpatizei. Isso significa que me conhece o suficiente para perceber problemas diante de minha careta.

Mantenho minha cabeça baixa e faço o trabalho que sou pago pra fazer.

Tento não pensar nas escolhas que eu fiz.

Tento não pensar aonde isso vai me levar.

Tento não pensar sobre minha decisão de ser modelo: é algo que eu queria fazer? Ou é a única coisa que eu achei que conseguiria fazer?

Olho pra o armário onde deixei minha mochila. Tem um exemplar de "Doce Perdão" dentro dela. Henry Shaw, o Conde de Lancaster, está muito nervoso com Alice, a mulher com quem organizou um casamento de conveniências. "Muito nervoso" aqui é um eufemismo para "ele queria colocar a gostosa de quatro e comer ela dentro do banheiro enquanto serviam a ceia", mas eu não sou um mestre com as palavras, então prefiro ficar com o eufemismo.

Eu simpatizo com Alice. Ela não tinha nenhuma perspectiva e não fazia ideia do que fazer com sua vida. Por que não aceitar a proposta e fingir que era esposa de um nobre arrogante? Quero dizer, se você não tem escolhas, qualquer opção é sucesso.

Balanço a cabeça tentando afastar o pensamento.

Foco no meu trabalho.

Me causa pouco orgulho e muita ansiedade, mas paga as contas.

Horas se passaram quando Laurie finalmente aponta para a porta dos fundos, sugerindo que é hora da nossa pausa. Empurro a porta de metal que dá no beco estreito e respiro o ar frio de Nova York.

- Ele está especialmente desagradável hoje? - ela pergunta.

- Quem? O Rodolfo? - confirmo - Não. Só o normal.

Ela me passa uma garrafa de água mineral e eu bebo metade sem respirar.

- Você fica nojento com esse suor de cozinha. - ela torce o nariz, exagerada, e eu começo a rir.

Laurie é tímida e desbocada. Duas características que, para mim, não fazem sentido juntas, mas é assim que ela é.

Eu estava trabalhando no Mangiare há dois dias quando nós dois nos descobrimos em uma amizade rápida. Foi logo então que ela anunciou que não se apaixonaria por mim: algo bizarro de se ouvir de uma desconhecida, mas Laurie dificilmente guardava pensamentos para si.

Ela se apaixona rápido por pessoas que nunca retribuem. É a sua mazela. E quando me percebeu, bonito e simpático, decidiu quebrar o ciclo.

Então aquela virou nossa brincadeira particular: ela me desqualifica sempre que me acha gostoso.

- E você fica muito gostosa com esse avental fodido. - pisco um olho.

- Como você é engraçado. - mastiga as palavras, apática.

Laurie é uma garota bonita. Não é meu tipo e, se estamos sendo honestos, não pode ser considerada o tipo que para o trânsito. Mas me dói o coração que ela se perceba como tão pouco.

Você é linda, garota. E merecia um homem que finalmente enxergasse isso.

Frases que eu tentei dizer pra ela, no passado, e que resultaram em um murro forte contra o meu peito, porque Laurie é pequena e fofinha, mas forte como um bebê elefante.

Eu não estou autorizado a dizer coisas adoráveis para ela, pelo bem de nossa amizade: apenas posso ser nojento ou escroto.

- Como foi na agência, hoje?

Respiro muito fundo e deixo minha cabeça cair.

- Ruim assim? - pergunta, de novo, sem precisar da minha resposta.

- Sim, senhora. - respondo e o canto de sua boca treme com o mesmo sorriso curto sempre que eu exagero no meu sotaque de garoto do sul - Pior. Dessa vez, eu estava de cueca quando elas me recusaram.

- De cueca? - Laurie engole em seco - Elas não quiseram você de cueca? O que há de errado com essa gente? - seu tom de ofensa é tão genuíno que eu me sinto reconfortado.

- Obrigado, Lala.

- Garoto! Não sorri pra mim desse jeito! - rosna e eu engulo meu sorriso depressa, tentando não rir - E eu posso contar essa história pra Vanessa?

Estreito os olhos porque não entendo a lógica. Desde que cheguei no Mangiare, tento manter distância de Vanessa.

Ela é uma garçonete assim como Laurie mas, ao contrário da minha amiga, Vanessa parece ter resolvido que iria me conquistar, me levar até um padre e me dar quatro filhos. Eu adoro sexo... mas sexo com gente que você trabalha e precisa ver todo dia é uma merda.

- Eu ia preferir se Vanessa não ouvisse histórias sobre minha cueca. - aviso.

- Mas já imaginou como ela ia ficar se revirando? Só de imaginar mulheres que puderam te recusar? - balança a cabeça, satisfeita apenas por imaginar a ideia.

Laurie e Vanessa não se dão bem.

E isso também foi um eufemismo.

- . - autorizo - Faz o que você quiser. A Vanessa dificilmente vai ser a pior parte do meu dia.

- A garota da sua cidade ainda está te mandando mensagens?

- Hm. - Eu assinto - Anna. E eu precisei mentir pra minha mãe sobre minha situação aqui ou ela vai começar a insistir que eu volte pra casa.

- O que você disse pra ela?

- Bem... eu não disse que estou preso em um emprego lixo, sem conseguir qualquer chance como modelo e que o único papel que consegui foi pro teatro amador. Ah! E que to sem dinheiro para um computador novo.

- O seu computador quebrou mesmo?

- Estou mandando currículos pelo celular.

- Ai. - abre os olhos - Talvez você devesse se prostituir, como seu colega de quarto.

- Ei! - aponto para sua fofoca - A gente não tem certeza que é isso que ele está fazendo!

- Ah, Spence, por favor! - revira os olhos - As roupas de marca, as mulheres diferentes em carros importados, os presentes chiques? Ele é garoto de programa ou acompanhante de luxo. Provavelmente ambos e você ganharia mais dinheiro do que ele.

- Lala...

- Você é muito mais gostoso do que o Eric! E eu estou dizendo isso porque sou uma mulher com uma vagina que gosta de pau e não porque sou sua amiga.

- Muito obrigado. - aceno.

- Disponha.

- Mas a gente não sabe se é isso que ele faz. - repito - Pode ser que ele seja muito bom em economizar.

- O perfume que ele usa custa mais que a roupa mais cara que eu tenho no meu guarda roupa. As bebidas que ele paga na sexta a noite... a prensa de café italiano que vocês têm no apartamento deve ter sido uma pequena fortuna. E tudo isso com um salário de barista? Não, Spencer.

Respiro fundo. Dou de ombros. Mas Laurie ainda tem algo estranho no olhar.

- Você devia perguntar pra ele.

- Não vou fazer isso. - minha risada é alta.

- De repente não é prostituição, nem nada ilegal...

- E você está dizendo que...

- Estou dizendo que a vida é uma merda. Você não consegue uma chance para o emprego que queria, o Rodolfo é um pequeno tirano com um inglês seletivo, sua ex-namorada não te deixa em paz e seu computador é um pedaço de lixo que pifou.

- Não é minha ex-namorada. - É tudo que consigo dizer.

- Se o Eric sabe de algo que pode te ajudar, não faz mal se você quiser saber o que é. E também não faz mal se me contar, logo depois, lógico. - ri.

- Ah, claro! - bagunço seus cabelos e olho pro relógio. Rodolfo vai começar a gritar meu nome daqui a quinze segundos - Melhor a gente voltar. - aponto - Quer ir assistir um filme comigo depois daqui?

- Não. - resmunga.

- Eu prometo que não passo a mão em você, nem fico de cueca. - provoco.

- De jeito nenhum.

- Lala, você entende que é a única amiga que eu tenho nessa cidade, não é?

- Spence. - ela respira fundo - Eu te adoro, mas esses filmes que você gosta são uma merda.

- O que tem de errado com os filmes que eu gosto? - eu a sigo através da porta de metal.

- O último foi duas horas de cinema mudo, seu idiota. - faz uma careta imensa.

- É um documentário sobre bruxaria que foi banido e censurado em uma porção de países! Você é feminista, achei que ia gostar!

Ela se vira pra mim, irritada:

- Duas horas. Cinema mudo. Acho que eu preferia se você tivesse ficado de cueca e passado a mão em mim.

- Isso foi um convite? - pisco o olho - Porque você fica muito gostosa nesse avental fodido.

- Nojento. - ela rosna, mas me dá um beijo rápido na bochecha antes de voltar ao trabalho.

E eu gostaria muito de dizer que o dia melhorou depois disso.

Mas seria mentira.

***************

A Alice tem algo fácil a seu favor: É quase GARANTIDO que ela abandonou tudo mas vai ganhar um amor verdadeiro. E o cara é um Lord! Eu acho. Condes são chamados de "lord" também? Ou só "conde"? Preciso ler uns romances de época de vez em quando, pra tirar essa dúvida.

O fato é que a Alice deixou pra trás tudo que conhecia, mas vai casar com um cara rico que ela ama. Ainda não cheguei nessa parte... ainda não cheguei sequer na parte que eles transam. Mas o Lord Conde de Lancaster acabou de agarrá-la para um beijo que descreveu como "transcendental" e, veja bem, caras não descrevem qualquer coisa como transcendental.

Fonte: eu sou um cara.

E aí temos eu. Se eu abandonar tudo, eu ganho o quê?

Se eu descobrir que abandonei a segurança da minha casa e da minha família na expectativa de um emprego que nunca vai acontecer, eu ganho o quê?

Se eu finalmente aceitar que, na real, eu nunca quis ser modelo ou ator, e só enfiei isso na cabeça porque me parecia fácil e eu nunca tive muitas capacidades ou talentos para fazer qualquer outra coisa além de "ser o cara bonito", eu ganho o quê?

Eu não fazia ideia que essas carreiras eram tão difíceis.

Nunca fui inteligente, mas hoje me sinto especialmente idiota.

"Destino" é uma mulher gostosa que queria me comer, mas tudo que fez foi me dar um orgasmo meia boca e uma DST.

Meu celular vibra no bolso da calça assim que aperto o botão do elevador velho no meu prédio.

Duas mensagens não lidas.

Rodolfo querendo que eu faça mais algumas horas extras, sem qualquer intenção de me pagar por elas.

Anna pedindo desculpas, de novo.

Respondo para o primeiro que tudo bem e para a segunda que não se preocupe, porque não quero me indispor com nenhum dos dois.

Entrar em casa é um alívio. Me jogar no sofá é um sinal de derrota.

Fecho os olhos, enfiando-me nas almofadas, e não tenho qualquer intenção de me mover até a fome me derrotar.

- Dia longo? - Eric está na cozinha americana, servindo-se de algum coisa.

Eu emito um rosnado grave.

- Imaginei. - ele ri - Daqui a pouco aparece alguma coisa, cara. Se fosse fácil, todo mundo fazia. Você só precisa persistir.

Abro um olho e o vejo erguendo os polegares.

Está vestido para um encontro.

No começo, eu achei que ele tinha alguma namorada rica que mantinha seu estoque interminável de roupas de marca e presentes caros. Mas, os carros que vinham buscá-lo eram diferentes, o que significa que ou ele tinha pelo menos quatro mulheres, ou sua namorada era dona de uma concessionária.

Laurie estava certa: A teoria da prostituição fazia bastante sentido.

- Vai sair? - pergunto.

- Hm. - confirma, com um menear breve da cabeça.

Encontro de negócios.

O Eric tem dois tipos de encontros.

Os normais: ele se veste de seu jeito de sempre. Traz a garota de volta pro quarto ou passa a noite fora. E não consegue calar a boca sobre todos os pequenos detalhes, mesmo que eu não tenha feito qualquer pergunta.

Os de negócios: ele se veste bem. Nunca volta pra casa acompanhado e pode até chegar muito tarde, mas nunca passa a noite fora. Nunca diz qualquer coisa sobre onde esteve mesmo que eu tente perguntar. Ah! E ele sempre volta com algo novo. Uma paletó de marca, um relógio que vale mais que meus últimos dois salários, ingressos pra um jogo de basquete.

Tento não me meter em seus assuntos, mas cada vez que eu tenho que ficar de cueca ouvindo uma recusa cheia de desdém, me pergunto se talvez o caminho de Eric não seja o mais inteligente.

Mordo a parte interna da minha bochecha enquanto ele verifica o celular.

- Tenho que sair. - avisa - Ei, antes que eu esqueça. Pode ficar com meu computador antigo, se quiser. - ele aponta para o aparelho sobre o balcão da cozinha americana, e eu percebo que tem dois laptops ali.

- O quê? - sento de volta no sofá, enfiando os pés no chão.

- Você não disse que o seu quebrou? Pode ficar com o meu antigo.

- Antigo? Você comprou um novo?

Ele inspira fundo como se fosse dizer algo, mas apenas dá de ombros.

Eu aceno e ele se despede verificando as horas e murmurando algo sobre estar atrasado.

Fico deitado no sofá encarando os dois laptops sobre o balcão.

O velho dele, que agora é meu.

O novo que ele ganhou... como?

Parece que "fome" não era a única capaz de me tirar do sofá.

"Curiosidade" é uma concorrente do mesmo nível.

Inspeciono as duas pecas e EU JURO que não estava bisbilhotando... mas assim que encostei no laptop dele para tirá-lo do caminho, a tela acendeu.

O site aberto em seu navegador tinha um design clean e elegante em tons escuros.

Passo a língua no lábio inferior e arrisco um toque no mouse apenas para...

A porta se abre e Eric dá de cara com uma cena que não dá pra explicar, não é mesmo? Porque eu to mexendo na porra do computador dele quando ele acabou de me dar um de presente.

- Ahm... eu só estava tirando do caminho.

Eric fica mudo por um instante.

- Esqueci meu casaco. - murmura apenas e, por um segundo, acho que ele vai ignorar o que aconteceu.

- Eu não estava mexendo nas suas coisas, cara, eu juro! - aviso sem saber quanto daquilo é verdade - Só fui tirar o computador do caminho, bati a mão no mouse, a tela acendeu e...

- Tudo bem, Spence. - promete - Eu estou atrasado. Não estressa.

- Tem certeza? Porque olha... eu não me incomodo se você se prostitui. Cada um faz o que...

- O quê? - ele para ainda na porta e olha pra mim. Dessa vez tem um pouco de sorriso no seu rosto e eu não me sinto tão mal.

Deixo a boca aberta por um segundo antes de decidir dizer algo.

- Não é isso que você faz? Se prostitui? Por isso todas as mulheres e presentes caros?

Eric ri e passa a mão nos cabelos antes de fechar a porta de casa.

Encara-me por um longo segundo.

- É um site. - sorri.

- Um site?

- Eles tem um aplicativo também. Acho que você pode chamar de "rede social", se quiser.

- De prostituição?

- Não! Dá pra você desistir da coisa da prostituição? - engole em seco - Não é exatamente isso.

- E como é, exatamente?

Ele ri sozinho e deixa os ombros caírem.

- Você já quis ir em algum lugar, ou fazer alguma coisa, mas desistiu porque sabia que não tinha dinheiro?

- Você sabe que sim. Que tipo de pergunta é essa?

- E se eu te dissesse que você pode fazer isso tudo: pode... - ele hesita por um segundo, procurando exemplos - ir a uma ópera, ou jantar em um restaurante super caro. Pode ir passar a semana em Paris. Com tudo pago. - avisa - E para ter isso tudo, só o que precisaria fazer é servir de companhia para alguém?

- Isso parece um bocado com prostituição. - abro os olhos e ele ri antes de sentar na cadeira a minha frente, verificando o relógio para verificar o quanto vai se atrasar.

- Spencer, não é sexo. Você não precisa transar com essas mulheres, a maior parte delas sequer espera isso. Você não precisa beijá-las, não precisa de nenhum tipo de intimidade. Só precisa...

- Sentar com ela e jantar?

- Basicamente. - dá de ombros - E conversar.

- E elas pagam a conta e te enchem de presente só por isso?

- Spence. Essas mulheres são viciadas em trabalho, são muito ocupadas e não têm tempo pra relacionamentos. Ou talvez tenham um casamento frustrado e não querem a complicação. Ou não são tradicionalmente bonitas e não conseguiriam arranjar alguém do jeito normal. Mas são solitárias. E ricas. O mesmo vale para os homens ricos, mas eu imagino que não seja seu público alvo?

Eu assinto, mas ainda não sei se estou certo do que ele está sugerindo.

- É uma soma simples, cara. Elas são ricas e solitárias, e não se incomodam de suprir alguns luxos em troca de companhia. Você é o cara jovem, bonito e simpático que não se incomoda em acompanhá-las em troca de algum luxo. Só isso.

- E elas te dão... - gesticulo - computadores e máquinas de café?

- Varia. - ele dá de ombros - Os presentes que você recebe depende de quão rica ela é e do nível de intimidade entre vocês. Se você começa a sair muito com uma mesma mulher e vocês têm química, ela gosta de você e te dá presentes melhores.

- Química?

- É muito fácil de fingir, Spence. Basta dizer como elas são lindas e como você gosta da sua companhia. Como é divertido e prazeroso pra você e blá blá blá.

Torço o nariz.

- Você mente pra essas mulheres pra ganhar coisas?

- Eu não minto. Todas elas sabem que não são exclusivas. Mas eu faço com que todas se sintam especiais. E aí elas me dão computadores e máquinas de café. E você é um cara charmoso, Spence. Você é boa companhia, tem esse sotaque sulista e um par de covinhas, tem muitas mulheres naquele site que te dariam montanhas de computadores por algumas horas da sua semana. Pensa nisso.

Mordo meu lábio inferior.

Não parece uma ideia ruim.

Mas também não parece uma ideia boa.

Ele verifica as horas pela milésima vez e adianta-se para o computador sobre o balcão, que era dele e agora - parece - é meu. Digita algo no navegador antes de me entregar o aparelho.

- Faz um perfil enquanto você decide. Eles normalmente demoram algumas semanas para autorizar novos usuários.

- Semanas?

- Pois é. - acena diante de minha surpresa - Eles são bem cuidadosos com quem eles deixam entrar no site. Um amigo meu foi recusado três vezes, antes de conseguir. Soa nojento, mas eu acho que o segredo são as fotos: eu juro, parece que os analistas dão prioridade para os candidatos mais bonitos.

- Quanto tempo levou pra você?

- Uma semana. - ele pisca um olho - Faz o perfil, Spencer! Depois você decide se vai usar ou não.

Ele vai embora, apressado, deixando a porta bater atrás de si.

O laptop em meu colo está aceso. A tela brilhando no mesmo site clean em tons escuros que vi em seu laptop.

No topo da tela, letras elegantes anunciam: Sugar Love.

***************

O cheiro do café automaticamente preparado já encheu o ar quando eu saio do quarto na manhã seguinte.

Eric ainda está com o cabelo molhado do banho e eu não sei como ele conseguiu acordar tão cedo. Eu caí no sono antes de ouvi-lo chegar.

- Fez o perfil? - ele diz, com um sorriso imenso, antes mesmo de desejar "bom dia".

- Fiz. - resmungo - Ainda não sei se vou usar.

- Vai usar. - cantarola.

- Como você sabe?

- Sabe o que eu ganhei ontem?

- Outro computador? Pro novo ter um amigo?

- Um carro. - pisca um olho.

- Filho da puta! Mentira!

- Calma. Não é uma Ferrari, nem nada assim. É um modelo simples, não foi uma fortuna.

- Mas é um carro!

- É um carro! - ele ri, oferecendo o punho fechado em cumprimento - Esse site é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida! - ri - Tudo bem que eu preciso sair com umas seis mulheres diferentes para conseguir manter um fluxo bom de lucros, mas vale a pena!

- Seis?

Ele ergue um ombro.

- Se você conseguir uma muito rica, pode se aposentar só com ela. Mas é raro.

Pesco o laptop sobre a mesa de cabeceira.

Foda-se.

- Abre o seu perfil. - peço - Me mostra como funcion...

Um email.

Confirmação de cadastro.

- Dá aqui e eu te mostro. - Eric pede.

Mas eu já abri um sorriso imenso.

Depois de um mês inteiro sendo recusado pela indústria da Moda, é uma delícia saber que alguém, em algum lugar, ainda me acha satisfatório.

- Não precisa. - dessa vez, sou eu quem pisca um olho - Meu perfil foi autorizado.

- O quê? - o sorriso desaparece do rosto do Eric - Em um dia? Impossível! - ele vem sentar ao meu lado e puxa o computador porque quer ter certeza.

- Menos de um dia, na verdade. - lembro.

- Vai se foder! - ele ri, encarando o email com o link de confirmação.

- e o que eu faço agora? - tento pegar o laptop de volta, mas Eric está se divertindo com minha virgindade.

- Agora você pesquisa mulheres por interesses. Se você quer causar uma boa impressão, a conversa no primeiro encontro precisa ser boa. Ter interesses em comum é o melhor jeito de garantir isso. Essa aqui é a barra de pesquisa. - ele aponta.

- E eu mando mensagens pra todas?

- Bem, tem dois jeitos de entrar em contato com elas. Vou te mostrar. - ele faz uma pesquisa genérica e abre o perfil de uma Anna. Ela se descreve como "dona de um pequeno hospital veterinário e uma invejável coleção de LP's". Exibe um sorriso imenso em sua foto de perfil e parece ter quase cinquenta anos. - Está vendo esse coração aqui? - aponta para o ícone bem ao lado do nome dela - Se você clicar nesse ícone, ela recebe uma notificação de que você "gostou" dela. E aí ela pode ir no seu perfil e, caso ela se interesse, pode te mandar uma mensagem. Esse é o jeito mais educado e discreto de entrar em contato com alguém. É como piscar o olho e sorrir para alguém do outro lado do bar. Mas presta atenção! Nem sempre as mulheres gostam de iniciar o contato. Às vezes, você vai dizer que "gostou" de uma delas, e elas apenas vão marcar o coração de volta, para dizer que também "gostaram" de você.

- Aí eu posso mandar uma mensagem?

- Exato.

- E o que é isso aqui? - aponto para um medalhão prateado do lado do nome da Anna.

- Ah! Isso é quanto ela ganha por ano. Não é obrigatório deixar essa informação disponível, mas muitas delas deixam. Do mesmo jeito que não é obrigatório colocar foto sem camisa, mas se você colocar, a chance de alguém te escolher é bem maior, entendeu?

- Entendi. - Eric ri da minha careta. Acho que eu ainda sou muito "garoto do interior" para esse tipo de interação. Mas eu fui aceito no site, o Eric ganhou um carro e minha vida é uma merda.

Então... foda-se.

- E o prata significa que ela ganha quanto? - pergunto.

- Bronze significa que a pessoa ganha até cem mil dólares por ano. Prata, até 250 mil. Ouro, até 500 mil. Platina, até um milhão. E os unicórnios são os que ganham mais de um milhão de dólares por ano. Minha recomendação é tentar focar no Ouro. São ótimos presentes, viagens e não são tão difíceis quanto as Platinas.

- Calma, calma, calma. - eu estou rindo porque ainda estou pensando em algo que ele disse antes - Unicórnios?

- É! - ri - É como a comunidade chama os bilionários raros e míticos. - exagera - Ninguém consegue um unicórnio. A etiqueta manda que você "goste" de todas elas e mande uma mensagem, só porque "nunca se sabe". Elas escolhem quem quiserem e dificilmente é um de nós. Mas... - ele realiza a busca pela categoria "Diamante", que deve ser o nome oficial dos "unicórnios", e encontra apenas cinco resultados em Nova York. Ele clica nos corações de todas e envia uma mensagem de "oi, linda" para cada uma.

- "Oi, linda"? - reclamo - Sério?

- Não estressa, elas não vão responder.

- Claro que não... você disse "oi, linda". Quem responderia uma mensagem assim?

Eric dá dois tapinhas no meu ombro e me devolve o laptop para que eu siga fazendo minhas próprias buscas.

- Bem vindo, irmão. - sua gargalhada vibra o sofá quando percebe que, assim como ele, eu também vou descer pelo buraco do coelho.

***************

O buraco é um lixo e o coelho deveria encontrar outro lugar pra morar.

COMO o Eric consegue fazer isso toda semana, há tanto tempo?

Nos últimos quatro dias, eu saí com quatro mulheres e tive quatro vontades de cancelar o meu perfil e não voltar àquele site nunca mais.

- Por que, Spencer? Por quê? - meu chef implora, com seu sotaque forte.

Fecho os olhos e mordo meu lábio inferior.

É só um pedaço de alho, mas o Rodolfo age como se eu estivesse assassinando sua irmã.

- Por que corta tudo assim, han? Por que não tem respeito com a comida? Precisa ter respeito com a comida. Minha avó, que Deus a tenha, morreria de novo se visse o que está fazendo com a receita dela.

Ele toma a faca da minha mão porque, aparentemente, eu não sei cortar um alho.

Também não sei atuar.

Não sirvo pra modelo.

Nunca tive boas notas.

Não fui pra universidade.

Nova York está fodendo minha auto estima.

Talvez eu devesse largar tudo e ir pra Inglaterra arranjar alguma condessa.

Mas até lá, eu preciso assistir meu chef cortando um alho.

Culinária pode ser arte. Mas na cozinha do Rodolfo é uma ciência exata. Você faz tudo exatamente como a avó dele fazia, ou está tudo errado. Eu não reclamo, mas dificilmente diria que é o tipo de trabalho que me inspira.

Ou talvez eu esteja ficando arrogante depois da porção de restaurantes chiques que conheci no último fim de semana.

"Chiques" não... "Premiados com estrelas do Michelin" é a definição correta.

Michelin é provavelmente o guia turístico mais famoso da história. Anualmente, ele premia os melhores restaurantes do mundo com suas preciosas estrelas. Basta receber uma delas para garantir que os preços no menu serão exorbitantes e inacessíveis. Acho que eu deveria agradecer o Sugar Love já que, sem ele, eu nunca teria conhecido um desses.

"Conhecido" entre aspas. Porque ou estive muito nervoso ou muito entediado para aproveitar. Os restaurantes de luxo que prometiam experiências gastronômicas acabaram sendo uma porção de comidas que eu enfiei na boca, depressa, esperando que a noite acabasse logo. Na maior parte das vezes, sequer pude escolher o que queria comer. Ou seja... bem divertido.

- Está com fome, Spence? - Laurie me encara com um meio sorriso que significa que ela provavelmente estava querendo dizer algo além do que dizia.

- Não, eu to legal. - observo sua indiscrição enquanto lavo as panelas do turno, deixando tudo preparado para o pessoal da noite.

- Certeza? Porque você encarando a Vanessa como se quisesse cobrir ela de chocolate e comer.

O peso da vergonha.

A expressão deveria significar algo abstrato, mas não é: é literal.

Meus ombros se curvam, minha cabeça abaixa.

Vergonha pesa.

- Ai meu Deus! - ela se aproxima - Você está a fim da Vanessa? Spencer, eu vou te matar! Vou te bater! Aliás, vou te matar e depois vou te bater!

- Não acho que essa ordem daria certo...

Ela bate em mim com uma colher de madeira.

- Ai! - esfrego meu braço.

- Nossa amizade acaba no instante que você encostar nela, me ouviu?

- Eu não to a fim da Vanessa. - tomo a colher da sua mão antes que ela me acerte de novo - É só que eu... - engulo em seco.

- Spencer, eu te conhecia há um dia quando disse que te achava gostoso. E você com vergonha de me dizer o quê?

- Eu tenho saídos com essas mulheres do site nos últimos dias, então... Faz uma semana que eu não transo.

Laurie ergue uma sobrancelha, divertindo-se.

- E isso pra você é tipo... uma eternidade?

- A última vez que eu passei tanto tempo assim sem sexo, eu era virgem.- exagero.

- Caralho, Spencer! Uma semana é o seu máximo? Sério?

- Minha experiência faz você me achar ainda mais gostoso, não é? - provoco, arrogante.

- Bem o oposto, na verdade. - ela torce o nariz - Um homem que não aguenta duas semanas na seca sem começar a desejar crias de satanás tipo a Vanessa... sua fraqueza é bem brochante.

Na verdade, eu estou exagerando.

Eu aguentaria mais tempo sem sexo. Já aguentei mais tempo sem sexo.

Mas sabe aquela frase que diz "faca o que você faz bem"?

Pois é.

Eu não sei atuar.

Eu não sirvo pra modelo.

Eu não sei cortar um alho.

Mas nu em cima de uma mulher eu sou glorioso e, pelo menos isso, esse caralho dessa cidade não vai tirar de mim.

Sexo tem sido um escape quando todo o resto dá errado.

Então, me perdoe se eu pareço um adolescente virgem quando digo isso mas: eu preciso de sexo.

É a única coisa que tem me salvado.

O problema é que, ultimamente, eu sinto como se nem isso eu estivesse fazendo bem.

Sexo tem a ver com confiança.

Ou pelo menos bom sexo.

Por que você acha que a maioria desses livros safados tem protagonistas poderosos, ricos e seguros que sabem exatamente o que estão fazendo?

Porque o Spencer gostoso com um emprego de merda sem saber o que está fazendo com a própria vida dificilmente é erótico para a maioria das mulheres.

Merda... Ultimamente o Spencer idiota sequer é erótico para o próprio Spencer.

A Alice não teria chupado o Lord Conde se ele não tivesse certeza que queria ela de joelhos ali no meio da padaria. Ou talvez tenha sido uma "pradaria". Não sei, eu li essa parte meio depressa.

O fato é que minha hesitação tem atrapalhado minha libido e minha confiança em minha performance na cama. Eu sinto muita falta de uma mulher que me olhe com uma fome inquestionável e é por isso que eu tenho medo de acabar comendo a Vanessa.

Visto meu casaco depois de guardar as últimas panelas e a sigo para a saída.

Vanessa ainda está limpando algumas mesas, ela vai ficar para o segundo turno e está usando uma porra de um short curto que faz meu sangue ferver.

Ao contrário de minha amiga, Vanessa é boa de um jeito bem evidente.

Um beliscão forte em minhas costelas.

- Olhos pra frente, Spencer.

- Sim, senhora. - engulo em seco.

- Com quem é o encontro hoje? - ela pergunta quando caminhamos juntos para o metrô.

- A Platina. - aceno - Tricia.

- Hm. A desagradável que acha que é sua dona porque tem um monte de dinheiro?

- A própria. Eu juro, quanto mais ricas essas mulheres são, piores elas ficam.

- A Ouro foi a que você mais gostou até agora, não foi? Ou ela é Platina também?

- Ouro.

- Sua vida sexual me deixa muito confusa.

- Não tenho vida sexual.

- É verdade. - ela ri - Mas resume pra mim de novo. Foram quatro encontros?

- Três Platinas e uma Ouro.

- E o Eric já está morrendo porque você conseguiu mais platinas em um mês do que ele em um ano?

- Ele não liga.

Lala me encara como se eu não fizesse ideia de como estou errado.

- Eu tenho uma pergunta. Se essa "Tricia" foi a que você mais detestou, por que vai sair com ela de novo?

Fico em silêncio sentindo a porra da vergonha pesando em todos os lugares.

Laurie entende com um aceno veemente:

- Ela te dá os melhores presentes. Spencer, acho que vou voltar no Mangiare pra pegar a colher porque você merece outra surra! Você SABE que ela só te deu aqueles presentes porque queria te levar pra cama. E ao invés de cortar o mal pela raiz você vai lhe dar exatamente o que quer?

- Não vou pra cama com ela.

- Você tá sem sexo há uma semana! Você iria pra cama com a Vanessa.

- Ela tava bem gostosa com aquele short hoje... - fecho os olhos.

- SPENCER! - ela não precisa da colher. Me enche de murros. Forte como um bebê elefante - Você acha certo isso de comer qualquer uma só porque passou sete dias sem mulher nenhuma? - seus gritos atraíram a atenção de transeuntes - E vocês estão olhando o quê? Perderam algo na minha roupa? - grita com os estranhos.

- Lala, por favor não grite com desconhecidos.

- Meu bem, eu sou nova-iorquina, eu grito com quem eu quiser. - mas suas bochechas estão vermelhas de vergonha. Lala é uma contradição humana - Aqui não é Ocean Springs, Mississipi. Se você não quiser que gritem com você, não se meta nos assuntos alheios.

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