37. UMA HISTÓRIA DE MEOWTH
Por aquelas ruas movimentadas de Pewter, a escuridão era preenchida pelas luzes dos faróis dos carros que trafegavam pelo asfalto. Os postes de luz brilhavam como pequenos sóis. As pessoas caminhavam pelas calçadas, algumas caminhando de volta para casa ao final do expediente de trabalho, outras apenas aproveitavam o entretenimento e a diversão que aquela cidade tinha para oferecer.
Humanos são tão patéticos nyah, pensou o pokémon.
Humanos. Sempre em busca de formar conexões, movidos pelo medo da solidão e do desaparecimento de sua herança genética. Conformavam-se em se relacionar com um oposto, formar famílias e depois a morte, assim como seus herdeiros sucessivamente. Uma existência patética, a individualidade e a ambição eram quase inexistentes. Chatos, entediantes.
Meowth havia aprendido cedo que, se quisesse deixar a sua marca no mundo e viver a vida em plenitude, teria que seguir um caminho diferente.
Tudo começou quando era apenas um pequeno pokémon vivendo em uma cidade. Sua espécie era inapta a viver em meio selvagem, portanto, tinha que se contentar em sobreviver naquele meio competitivo e hostil, propiciado pela desenfreada expansão urbana.
As latas de lixo eram a sua maior fonte de alimentação.
Um dia, enquanto perambulava por uma ruela, em busca de sobras deixadas por humanos na lata de lixo, Meowth encontrou aquela que seria responsável por ensiná-lo a respeito a real natureza dos seres vivos.
Fuçando uma lata de lixo cheia de entulhos, estava uma Meowth. Era o pokémon mais lindo que já havia avistado na vida. Seu pelo era claro, cheirava a um perfume de rosas. Em seu pescoço havia um laço cor de rosa. Quando os dois cruzaram o primeiro olhar, foi amor à primeira vista.
Meowth carregava em sua boca um resto de enlatado de Magikarp. Resolveu compartilhar o alimento com a gata.
Os dois comeram e, a partir daquele momento, passaram a conviver juntos, caçando comida pelas noites e enfrentando as gangues de pokémons selvagens que habitavam aquela cidade.
Meowth havia se esforçado para conseguir proteger os dois da fome e do frio do inverno. Todos os dias, incansavelmente, ele havia observado os humanos, prestando atenção aos movimentos que faziam com a sua boca e na forma com a qual se comunicavam uns com os outros. Praticava no espelho, tentando imitar os sons.
“O-O-Obri-bri-bri-ga-ga-ga-do! Obrigado!”, aquela foi a primeira palavra que aprendera a falar.
A Meowth olhava o pokémon, com os olhos arregalados. Um feito considerado quase impossível. Um pokémon lentamente estava dominando a linguagem humana, superando a barreira que separava aqueles dois mundos diferentes.
A cada dia o pokémon dominava uma palavra diferente.
“Pokémon!”
“Dinheiro!”
“Comida!”
Logo estava praticamente fluente. Já conseguia manter uma conversa com humanos sem maiores dificuldades.
Também aprendera a andar com as suas duas patas traseiras, assumindo uma forma bípede.
O pokémon passou a performar nas ruas da cidade, cantando músicas para o público maravilhado com aquilo que estavam presenciando. O dinheiro se acumulava. Apenas uma vasilha não era mais suficiente para portar toda aquela quantia.
Sua parceira Meowth administrava as economias, guardando o dinheiro.
Logo já não estavam mais morando na rua. Conseguiram alugar um apartamento em um prédio e passaram a morar juntos.
Um dia, enquanto performava na rua, foi abordado por um sujeito excêntrico. Vestia calça e paletó, uma capa vermelha por trás das costas. Acima de sua cabeça, uma cartola.
“Ouvi falar de você. Um Meowth que sabe falar o dialeto humano, não é todo dia que se vê uma coisa dessas.”
Meowth interrompeu a cantoria, e olhou para o homem com uma expressão suspeita.
“E o que você tem a ver com isso, nyah. Se não vai me dar algum dinheiro então não me atrapalha nyah!”
“Não precisa ser tão ríspido, eu só quero ajudar”, respondeu um homem. “Sou dono de um circo que percorre a região de Kanto, trazendo alegria e diversão para as pessoas. Você pode ganhar muito dinheiro, a maior quantia que você jamais conseguirá na vida, caso aceite se juntar a minha trupe…”
Ao ouvir a proposta, Meowth passou a dar atenção para o que o sujeito havia para lhe oferecer.
Então, havia sido contratado pelo circo.
Se tornou a principal atração, todos estavam ali para presenciar o show do pokémon que sabia falar. Começou a ganhar tanto dinheiro que não sabia mais como gastar.
“Atenção, preparem seus olhos e ouvidos para presenciar o milagre da natureza. O pokémon que sabe falar a língua humana… Com vocês, o Meowth falante!” anunciou o apresentador.
Meowth surgiu no centro do local, as pessoas nas arquibancadas o olhavam com alta expectativa. As luzes dos holofotes apontadas em sua direção.
Então, começou a performance: “Espero que estejam ansiosos para o show, nyah!”, disse ele enquanto pilotava uma grande bola verde com as suas patas traseiras.
O público ia à loucura.
Porém, com a sua ascensão ao estrelato, sua parceira estava mudada. Um semblante de preocupação parecia indicar que algo de errado. Meowth começou a perceber que algo a incomodava cada vez que ele alcançava um novo patamar em sua carreira. Apesar de não se exteriorizar, o gato sabia que uma bomba estava prestes a explodir. Ele, porém, apenas esperava que as coisas voltariam ao normal.
Como havia sido um idiota por acreditar naquilo.
Um dia, repentinamente, sua parceira havia desaparecido. Meowth, desesperado, procurou por ela por toda a cidade.
Quando chegou em um beco escuro, habitado por membros de uma gangue pokémon, lá estava ela. Estava cercada por pokémons. Rattatas, Raticates, Meowths e, no centro, o que parecia ser o líder deles, um Persian. A Meowth estava ao lado do chefão.
Seu primeiro pensamento foi que ela tinha sido raptada contra a sua vontade. A verdade é que apenas estava em busca de um mísero motivo, razão ou circunstância para explicar o que estava bem na sua frente.
“Meowth, nyah. Por que você desapareceu? Não me diga que foi capturada, nyah.”
O pokémon mostrou as suas garras em tom de ameaça.
A felina o fitou com aquele olhar triste, prenunciando o que ele no fundo já sabia. “Você é especial, eu sou apenas uma Meowth qualquer. É questão de tempo até você me largar por outra mais bonita e rica. Apenas estou adiantando o inevitável. Não quero mais ser sua companheira!”
“M-mas por que? O que foi que eu fiz que deixou você magoada?", falou utilizando a linguagem pokémon
A gata suspirou.
“Nada… ainda.”
“E t-tudo que a gente viveu até aqui? N-não valeu de nada pra você?”
“Apenas era conveniente para os dois lados. Você tinha uma gostosinha para chamar de sua e eu alguém para me bancar. Foi apenas conveniência e você sabe disso!”
Ela virou de costas e se posicionou atrás do Persian. Os dois trocaram carícias. “Além disso, tenho um novo namorado, mais bonito que você inclusive.”
Meowth caiu no chão, em estado catatônico. Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo.
Lágrimas começaram a jorrar dos seus olhos.
“Que gay.”
“Vira macho, seu baitola!”
“Além de tudo ainda é corno manso.”
Ouviu os comentários virem dos pokémons que o circulavam.
Meowth levantou e correu, sem olhar para trás, limpando as lágrimas dos olhos.
Não sabia quando e como havia chegado no local.
Estava no último andar do prédio no qual morava.
Ele subiu em cima da borda da laje. Olhou para baixo. Os carros transitavam pela rua. Era uma queda alta e rápida. Uma morte instantânea, ele sequer sentiria a dor.
Apenas um passo e tudo acabaria.
Estava relutante, até um raciocínio cruzar a sua mente.
Por que estava pensando naquilo.
A sua vida era mais importante do que qualquer outra coisa, não fazia sentido querer se suicidar apenas porque levou um pé na bunda de uma ingrata e cretina como aquela que um dia tivera o desprazer de chamar de companheira.
A partir daquele dia, ele prometeu para si mesmo que jamais criaria laços com qualquer outro. Apenas se importaria com o seu próprio nariz, tomando decisões que favoreciam a si mesmo.
Até aqueles idiotas, Jessie e James, nada mais eram meios para alcançar um objetivo maior. Se fosse necessário, ele deixaria os dois para trás sem nem pensar duas vezes, como havia feito há pouco tempo atrás na floresta de Viridian, quando o trio fora atacado por um menina bizarra com poderes sobrenaturais.
A partir de sua convivência dentro do circo, Meowth percebeu que era apenas um mero entretenimento para aquelas pessoas. Que riam às suas custas, como se fosse apenas um objeto de zombaria. Porém, aquela era uma outra história.
Meowth chegou no estabelecimento.
“Bar Explosão de Chamas”, era o que estava escrito na placa próxima à entrada. Também havia uma ilustração de um Charmeleon soltando fogo pela boca enquanto segurava uma latinha de cerveja com uma de suas garras.
A música alta invadia o local. Nas mesas, pessoas trocavam conversas mundanas acompanhadas de taças de bebidas alcoólicas dos mais variados tipos.
Meowth rumou por entre aquela multidão de pessoas bêbadas, e chegou a uma mesa. Sentados em duas cadeiras, enchendo a cara e claramente com os organismos afetados pela bebida, estavam Jessie e James, seus companheiros de equipe.
“O que porra vocês estão fazendo seus idiotas nyah? Esqueceram que são criminosos procurados pela polícia nyah? Que parte sobre a ordem de evitar ao máximo chamar atenção vocês não conseguiram entender nyah?”, ralhou Meowth olhando para os dois com um olhar de reprovação.
“Foda-se!?”, respondeu Jessie em tom de deboche. “Quem você acha que é para nos dar ordem… Acha que eu já esqueci o que você fez na floresta de Viridian? Sua moral está bem baixa para se pagar de superior, bola de pelos.”
Meowth deu de ombros. “Não sejam hipócritas. Se vocês estivessem no meu lugar também fariam o mesmo, isso eu tenho certeza, nyah!”
James se intrometeu na conversa. “Com um covarde como você, com certeza. Porém, eu e a Jessie somos uma equipe, nunca viraremos as costas um para o outro”, disse James. Tomou um gole de bebida e continuou: “Pelo o menos isso serviu para descobrir em quem nós realmente podemos confiar nessa equipe.”
“Chega de conversa fiada, tenho algo de interessante para mostrar.”
Meowth entregou o panfleto que carregava consigo para James. Ele leu e depois repassou para Jessie.
“Um torneio?”, exclamou Jessie após terminar a leitura. “E por que isso nos interessaria?”
“Você por acaso pulou a parte que fala sobre a premiação nyah? Com a sua capacidade de manter atenção de uma velhinha caduca de 100 anos, não duvido nada nyah.”
Jessie fez uma careta e voltou a ler o panfleto.
“Hum, interessante. Um fóssil. Tenho certeza que poderíamos o vender por uma boa grana. Ou ainda impressionar o chefinho, garantindo uma promoção das boas! Finalmente deixariamos de ser motivo de piada na organização!”, berrou ela com animação. Seu hálito fedia a álcool.
Meowth a alertou: “Jessie, você por acaso esqueceu que não tem mais nenhum pokémon? Se quiser competir no torneio de igual para igual, primeiro você precisa de um pokémon com experiência em batalha. E a Arbok…”
James tinha dois pokémons: Weezing e Victreebel. Já Jessie tinha apenas um Lickitung fracote. Com a morte de sua pokémon mais forte, Arbok, ela estava enfraquecida.
Em um surto de raiva, a mulher de longos cabelos roxos partiu o panfleto com as unhas afiadas. “Minha preciosa Arbok… TUDO CULPA DAQUELE MOLEQUE DESGRAÇADO! Além de me deixar caolha, ainda levou a Arbok pra cova." Ela tocou seu tapa olho que cobria a orbe ocular que não existia mais. "Eu juro que se eu botar as minhas mãos nele vou fazê-lo se arrepender de ter nascido. Ele irá preferir ter morrido assim que saber o que eu tenho planejado para ele…”, disse ela com um sorriso sádico e macabro.
James bocejou.
“Fala baixo, Jessie, nyah. Tá chamando muito atenção, nyah.” Se bem que ele duvida que no meio daquela barulheira que fazia dentro do bar alguém daria atenção para conversas paralelas de uma bêbada qualquer.
James entrou na conversa: “Não é como se realmente precisássemos disso. Tudo bem que iremos nos registrar, porém, caso não consigamos vencer a competição então podemos fazer aquilo que sabemos fazer de melhor: roubar. Esse é o lema da equipe rocket, se você não conseguir algo, tome-o utilizando a força!”
“Mesmo assim, você tem que entrar em contato com o quartel general para conseguir um novo pokémon, de preferência uma bem forte, nyah. Assim poderemos nos disfarçar como competidores para conseguir um melhor acesso ao prêmio nyah.”
Jessie e James trocarem olhares, soltando risinhos. Meowth estava tendo um mau pressentimento sobre aquela interação repentina.
“D-do que estão rindo nyah!”
“Está decidido, você será o meu pokémon. Já que você teve a ideia do plano, acredito que não haverá problema nenhum, né? Irei fazer você dar suas lágrimas, suor e sangue dentro do campo de batalha. Podemos dizer que essa será a minha vingança.”
“P-p-para de palhaçada, você sabe que eu não sou bom em batalhas nyah.”
“Nesse caso, acho que você irá levar uma surra daquelas, com todos assistindo a sua desgraça ao vivo”, disse James.
Meowth percebeu que estava encurralado.
Puta que pariu!, reclamou mentalmente, já se conformando com o papel que iria assumir de saco de pancadas.
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