15. ANGÚSTIA
Tw: Auto mutilação
Toc. Toc. Toc.
As batidas na porta continuavam.
Do lado de fora do centro pokémon o sol brilhava, emitindo aquele calor veraneio característico daquele período do ano. O cantigo dos Pidgeys, os quais preenchiam a imensidão do céu azul, alegrava a cidade.
No quarto, porém, a escuridão dominava.
Por baixo de uma grossa camada de lençóis, Ash olhava para o teto, apenas respirando e existindo.
Já se fazia exaltamente uma semana desde que o corpo de Gary fora levado pela funerária para a cidade de Viridian. Soube por uma conversa de corredor que ele fora cremado em um enterro íntimo, apenas com a presença de alguns familiares próximos e amigos.
Toc. Toc. Toc.
Ash suspirou.
"Pode deixar a comida na porta", disse ele alto tentando fazendo aquele barulho dos infernos cessar. "Já disse que não quero falar com ninguém."
A enfermeira Joy insistia em o forçar a ter uma visita com um psiquiatra.
"Ash, sei que você passou por alguns momentos traumáticos nesses últimos dias. Se quiser conversar eu posso marcar uma consulta com uma psiquiatra que eu conheço por aqui...", falava ela do outro lado da porta tentando o convencer a sair daquele quarto.
Ash, porém, apenas respondia com seu silêncio.
Não tinha nada contra a mulher - ele sabia que ela estava tentando o ajudar da forma com a qual ela podia. Porém, ele não tinha a menor vontade de deixar aquele recanto sombriamente aconchegante o qual havia se tornada a sua zona de segurança.
Enquanto continuasse ali não teria que encarar a dura realidade.
O mundo real é um lugar assustador, pensava ele.
Quando fechava os olhos ainda podia ter flashes de memórias daquele dia.
O Arbok. O sorriso sádico daquele mulher. O sangue de Gary encharcando a sua mão.
"Ash, estou realmente preocupada com você. Sei que está deprimido com tudo que aconteceu mas não pode passar o resto da sua vida se culpando por algo que não foi sua culpa...", dissera Luna através do link telepático tentando remover os lençóis de seu corpo. "Você não sorri e nem come mais, se continuar assim não vai durar muito tempo."
Ash, porém, apenas puxou as cobertas novamente e se escondeu.
"Será que não foi minha culpa mesmo?", havia respondido ele. "Aquele golpe foi direcionado na minha direção. Se ele não tivesse me empurrado eu poderia muito bem ter morrido no lugar dele."
Tinha apertado suas mãos com tanta violência que temera furar a sua pele.
"Se eu não tivesse furado o olho daquela mulher isso não teria provocado uma reação em cadeia, talvez o Gary poderia ainda estar vivo..."
Luna apenas se calou, sabendo que naquele momento nada que falasse fosse aliviar a angústia do menino.
Quando chegara no sétimo dia, Ash finalmente havia decidido levantar da cama. Entrou no banheiro e se olhou no espelho.
Seu rosto estava acabado. Duas olheiras enormes formavam bolsas logo abaixo de seus olhos. Seu cabelo estava oleoso. Seus dentes amarelos.
Quando levantou a camisa para entrar no chuveiro tinha percebido que suas costelas estavam amostra. Sua barriga, negativa. Suas pernas e braços finos como dois palitos.
Ele apenas retirou a sua roupa e entrou debaixo da água, deixando o chuveiro molhar todo o seu corpo.
Poderia ter passado horas ali, se estivesse vontade o suficiente para se importar com o passar do tempo.
Que dia é hoje? Será que já é noite?
Os dias pareciam correr rapidamente, mas não fazia diferença. Todos eram os mesmos. Passava o dia olhando para o teto.
Quando sua mente não era dominada pelo completo vazio, eram os pensamentos pessimistas. Memórias que relutavam em deixar sua mente, correndo infinitamente como filme. Uma tortura cruel.
Lembrou de um dia específico. Um dos únicos momentos de sua vida em que Gary tinha sido legal com ele.
Aquele dia.
Estava caminhando no corredor da escola carregando seus materiais quando fora abordado por Trevor e seus amigos. Era a hora de sua sessão diária de bullying.
"Opa Opa, parece que temos um fugitivo saído direto do instituto de retardados de Pallet. Ash Ketchum, o mestre pokémon", disse Trevor ao avistar Ash passar. Tinha uma cara de fuinha e um rosto tão delicado que ele se pegava constantemente pensando como ficaria após o contato com os seus punhos.
Os outros dois garotos que andavam com ele tinham rido.
Derrubaram seus livros no chão e o encostaram na parede, o presando.
"Retardado!"
"Esquisito!"
"Mongoloide!"
"Viadinho!"
"Come merda!"
Os insultos costumavam durar uns cinco minutos, ele sabia disso pois já havia memorizado a rotina. Ele apenas ficava apático esperando tudo acabar. No começo ele tentava reagir, porém, com o tempo, apenas não se importava mais.
Porém, naquele dia, algo diferente acontecera.
Gary havia chegado no local e removido os garotos de cima de Ash.
"Qual é Gary, tá me zoando?", havia reclamado Trevor ao ser abordado pelo neto de Carvalho.
"Não tem algo mais importante para fazer não? Preciso falar com o Ash, vão arranjar outro fracassado para fazerem de saco de pancadas."
Trevor tinha feito uma careta mas havia seguido a ordem dele. Não tinha peito o suficiente para enfrentar o todo poderoso Gary.
Ash havia juntado seus livros do chão. Então, olhou para Gary com olhos indagadores: "O que você quer?"
Gary havia o encostado na parede. Ash já tinha se preparado para o que estava por vir, porém, fora surpreendido.
Gary tinha colado seu lábio no dele por alguns segundos. Então, havia se afastado.
Em choque, Ash disse: "P-p-porque você fez isso?"
Gary havia dados as costas. "Apenas queria testar uma coisa... Conseguir resposta de algo que estava martelando em minha mente."
Ash estava vermelho com o acontecimento. Porém, por algum motivo, não ficara com raiva.
Quando Gary já estava longe, Ash teve coragem de perguntar: "E você conseguiu a resposta?"
O garoto havia respondido, ainda sem virar para ele: "Talvez."
Então, desde daquele dia, Ash tinha guardado aquela memória a sete chaves nas profundezas de sua mente. Sua relação com Gary, é claro, continuara a mesma.
Desligou o chuveiro.
Olhou seu rosto outra vez no espelho.
"Lixo, você não passa de um pedaço de lixo. Tão insignificante que nem um Muk aceitaria ficar com você", disse para sua reflexão.
Então, começou a chorar. Deu um soco no espelho, o partindo.
Ouviu batidas na porta.
"Ash, Ash", era Luna.
Alguns cacos de vidro estavam caidos sobre o chão.
Sem saber o que estava fazendo, ele pegou um pedaço caído próximo ao seu pé. Olhou para ele por alguns segundos, reflexivo.
Se eu não tivesse... Se eu não tivesse...
Sentiu a sua pele ser cortada. O vidro tocava sua carne, causando uma divergente sensação de dor e prazer sádico.
O sangue começou a escorrer por sua mão, melando a pia.
Fez outro corte, dessa vez de forma mais lenta e profunda.
"Temo que a minha jornada acabe aqui... Você tem que prometer..."
De repente, um relapso de racionalidade tomou conta de si.
O que eu tô fazendo?
Sua vida não podia acabar daquele forma. Preso em um quarto escuro e sombrio, sozinho e depressivo. Seu sonho era se tornar um mestre pokémon. Além disso, ainda tinha que reencontrar seu pai. A sua promessa...
"Um dia eu ainda vou encontrar ele!"
Lavou o seu braço na pia, limpando o sangue com água corrente.
Ele saiu do banheiro. Quando abriu a porta, viu que Luna estava encostada na porta, o espiando.
Ao notar que ela havia sido pega no flagra, ficou vermelha.
"N-não é isso que você tá pensando", disse ela, vermelha.
Ash abriu as cortinas da janela, permitindo a luz do dia adentrar o recinto. Vestiu um par de roupas casuais, uma camisa de mangas longas e bermuda. Então, saiu pela porta, acompanhado por Luna que ainda não tinha coragem de o olhar nos olhos.
Ao chegar ao corredor havia percebido que os pratos de comida estavam acumulados na frente da porta, azedos e passados.
Passou por cima deles e desceu as escadas em direção do Lobby do Centro Pokémon.
Joy examinava um Sandshrew de um treinador com um estetoscópio. Quando o viu, ela mudou seu semblante para preocupação. Saiu correndo e parou em sua frente.
"Ash, finalmente você saiu daquele quarto. Como está se sentido?", indagou ela.
Olhou para o seu pulso e se espantou. Ash escondeu seu braço por baixo das mangas.
"Ash... Você está se automutilando?"
Ele apenas virou a cara, evitando o olhar da enfermeira.
"Sua mãe e o professor Carvalho já estão a dias tentando falar com você, acho que..."
Ash a interrompeu e respondeu de forma seca: "Cuide da sua vida."
"Olha, sei que no momento você está passando por um momento difícil, mas acho que realmente deveria visitar uma psiquiatra ou alguém que o ajuda a superar essa dor que carrega consigo...", disse ela ignorando a expressão de Ash de poucos amigos. Retirou do bolso de seu na jaleco um tipo de cartão. "Essa é a localização do consultório da doutora Jude, uma profissional ótima e amiga minha."
Joy estendeu a mão para entregar o cartão para Ash.
Seu rosto ficou sombrio. Aquele tinha sido o estopim. Ele deu um tapa na mão de Joy, fazendo a enfermeira largar o cartão no chão. A expressão no seu rosto era de choque.
"VOCÊ ACHA REALMENTE QUE A PORRA DE UMA PSIQUIATRA VAI RESOLVER TUDO!?", berrou Ash com uma voz grave.
"Ash, você..."
Ela deu um passo para trás, com medo.
"É MUITO FÁCIL FALAR ISSO QUANDO NÃO FOI VOCÊ QUE VIU ALGUÉM SER MORTO NA SUA FRENTE. O SANGUE, A EXPRESSÃO DE TERROR ANTES DE MORRER. ME POUPE DA SUA FALSA COMPAIXÃO, EU NÃO PRECISO DA AJUDA DE NINGUÉM."
Todos no centro olhavam para discussão, alguns com medo, outros temerosos. Luna segurava suas duas mãos, melancólica.
Não preciso da pena de ninguém!
"Nada vai trazer ele de volta...", falou ele com a voz falha.
Então, deu as costas e saiu correndo para fora do centro pokémon, sem destino fixo, apenas querendo fugir daqueles olhares julgadores e acusativos.
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