56. A despedida de Amphy
O clima na câmara era tão espesso que Beth achou que podia cortá-lo com uma faca.
No centro, em um caixão de vidro, repousava o corpo do pokémon. Ao seu lado, Jasmine olhava para o falecido, parecendo segurar lágrimas que ameaçavam desabar a qualquer momento.
Seu rosto já estava vermelho de tanto chorar. Seus cabelos castanhos possuíam um aspecto desgastado, estavam bagunçados. Acreditou que, desde que Amphy morrera, a líder de ginásio não tinha tempo para cuidar de sua aparência, já que dedicava a maior parte do seu dia encarando o nada, perdida em pensamentos.
Beth segurou o sino com as duas mãos. Era pesado. Em seguida, balançou o artefato.
O instrumento emitia um som espectral, as notas eram delicadas e passavam uma sensação melancólica. As notas etéreas ecoavam, tocando no coração daqueles que escutavam. Além de Beth e Jasmine, Souto e Joy assistiam ao canto da sala, com grandes expectativas sobre o que estava prestes a ocorrer.
De repente, uma névoa começou a se formar, inundando o recinto. Era gélida. Ao sentir a névoa tocar a sua pele, um calafrio porcorreu o corpo de Beth.
Aquele mesma sensação que sentiu ao ser atacada em Ecruteak, como se algo desconhecido estivesse espreitando. Incompreensível aos preceitos humanos.
Uma silhueta começou a ser desenhada. Aos poucos a imagem estava se tornando mais nítida.
Era um pokémon amarelo, com listras pretas em formato de cone ao redor do pescoço, orelhas e cauda. Sua barriga era branca. Havia uma orbe vermelha em sua testa e outra na ponta de sua cauda.
Os olhos de Jasmine se arregalaram, como se estivesse avistando um fantasma. E de certa forma estava.
Sua boca permaneceu boquiaberta por alguns minutos, sem emitir qualquer som.
“Não pode ser… Amphy!?”, exclamou ela, quebrando o silêncio que se instaurou. Cobriu a boca com as duas mãos.
“Amphy”, respondeu o pokémon.
Jasmine tentou abraçar o pokémon, porém, seus braços apenas atravessaram o vazio, sem tocar em nada concreto.
“Eu sinto tanto a sua falta, você nem imagina. Às vezes acordo no meio da noite e acabo abrindo um pacote de berries adocicadas. Coloco elas em seu comedouro, até o momento em que lembro… Você partiu para sempre.”
“É claro que a possibilidade estava lá. Cada vez em que você adoecia eu fingia não ver, mas a sua saúde estava deteriorando-se cada vez mais… Eu dizia para mim mesma: enquanto eu fingir que está tudo bem, nada de ruim vai acontecer. Agora vejo que isso foi um erro. Talvez, se eu tivesse me preparado, a sua morte não teria sido tão impactante quanto foi para mim. No momento me sinto arrasada, mal tenho forças para permanecer em pé, as cores desapareceram da minha visão, restando apenas um mundo preto e branco, vazio e solitário. E esse sentimento é insuportável.”
“Amphy”, respondeu o espírito.
Então, caminhou em direção de Jasmine. Abraçou ela com seus braços. Em seguida, sua imagem se transformou em um clarão brilhante, sendo dissipado logo em seguida. Pequenas orbes de luz foram lançadas, espalhando-se para todo lado.
Beth enxergou uma orbe se aproximando. Tentou tocar. Ao tocar sua mão, a luz tornou-se uma pequena explosão que causou cócegas em sua pele.
Do lado de fora, a luz do sol pareceu movimentar-se, lançando um raio ensolarado em direção de onde Jasmine se encontrava, iluminando aquele grande quarto escuro.
Jasmine desabou de joelhos no chão, as lágrimas escorrendo de seus olhos como duas torneiras ligadas.
Funcionou?, Beth questionou-se mentalmente, sem saber como reagir àquela situação.
De alguma forma lembrar que, assim como os humanos, pokémons também eram seres mortais, era algo perturbador. Estava acostumada com a ideia de que, não importava o tipo de ferimento que afligisse um pokémon, sempre seria recuperado assim que visitasse um centro pokémon. Seres imortais, que suportavam qualquer tipo de dano em batalhas. Saber que os pokémons tinham a possibilidade de adoecer e morrer do dia para noite era aterrorizante.
Olhou para o lado. Souto deu de ombros, provavelmente tão perdido quanto ela.
Finalmente, Jasmine falou: “Obrigado… Eu realmente precisava disso.”
Ela limpou seu rosto com o vestido.
“A morte súbita de Amphy me causou feridas que ainda demorarão para curar… No entanto, agora estou mais que disposta a finalmente deixá-las cicatrizarem de maneira completa.”
“Não posso afirmar com certeza quando poderei voltar a exercer o meu cargo de líder de ginásio, mas prometo a vocês que não deixarão a cidade sem batalhar comigo antes!”
Ainda bem, pensou Beth.
Guardou o sino dos espíritos em seu bolso.
“Agora, se me permitem, gostaria de ficar sozinha, por um tempo.”
Beth olhou para Souto com um olhar do tipo “vamos sair daqui agora mesmo”.
Ele entendeu o recado.
Os dois deixaram a sala dentro do farol, e se prepararam para descer as longas escadas.
Foram abordados por Joy quando iam sair.
“Não tenho como agradecer vocês pelo que fizeram. Conseguir o sino dos espíritos em tão pouco tempo… Se não fosse por vocês, temo que a saúde mental de Jasmine apenas continuaria se deteriorando… Até que… Até que…”
A mulher não conseguiu completar a sentença, deixando apenas implícito o que queria realmente dizer.
“Foi um pouco difícil sim, principalmente considerando que tive que caminhar por um cemitério lotado de fantasmas, no meio de uma névoa, não enxergando sequer as minhas mãos”, falou em tom de brincadeira, tentando quebrar o clima pesado. “Consegui a minha segunda insígnia de ginásio e capturei um novo pokémon no caminho, então acho que não estou no direito de reclamar… Afinal, foi conveniente para os dois lados. Não é mesmo, Souto?”
O menino, que estava silencioso, entrou na conversa: “S-sim, com certeza! Não tinha visitado a fazenda moomoo no caminho até Olivine, então a oportunidade de a conhecer foi incrível.”
Beth continuou: “É claro que não conseguiríamos chegar tão rápido se não fosse pelo táxi voador do Jill.”
“Irei enviar os agradecimentos de vocês para ele. Tenham uma ótima estadia em Olivine.”
Joy deu as costas e foi se juntar à Jasmine.
Souto e Beth começaram a jornada pelas escadas.
Enquanto faziam o caminho, os dois iniciaram uma conversa.
“E então… Acha que ela disse a verdade? Será que ela vai resumir a sua função de líder de ginásio e batalhar contra treinadores pokémon… Tenho minhas dúvidas.”
Beth deu de ombros. Também fazia-se o mesmo questionamento.
“Espero que sim. Ainda preciso coletar o resto das insígnias. No momento tenho duas, então, se acabar perdendo tempo demais nessa cidade, acabarei procrastinando o meu objetivo.”
Participar da liga pokémon.
“Tô ligado. Nós temos um prazo de seis meses para conseguir todas as insígnias… Meu medo é acabar me atrasando e não conseguir me inscrever na liga a tempo.”
Beth preferia nem pensar naquela possibilidade.
Enfim chegaram no solo.
Ainda era tarde.
Virou para Souto.
“E agora. Você vai para onde?”
“Tenho um amigo que mora na cidade, então passarei minha estadia na casa dele.”
“Ah legal…”
De repente, um feixe de luz vermelho foi materializado no campo.
“Ai ai”. O Aipom havia saído de sua pokébola por conta própria.
Em seguida, o macaco saiu correndo, não antes de mostrar a língua em direção à Beth de forma zombadora.
Beth olhou, carrancuda, enquanto o pokémon corria, fugindo de seu treinador. Atravessou a rua desembestado, fazendo com que os veículos que atravessavam o asfalto orquestrassem uma orquestra de buzinas.
Enquanto Souto estava perseguindo o pokémon, deu uma última virada de costas, despedindo-se de Beth: “Tchau, Beth. A gente se vê por aí.”
Os dois desapareceram de vista.
Novamente, estava sozinha naquela cidade.
Suspirou.
Tentou evitar ao máximo encarar a realidade que espreitava desde que chegara à cidade.
Onde iria passar a noite?
Enfiou as mãos nos bolsos. Havia apenas uma moeda. Dentro de sua mochila a situação não era muito diferente. Apenas cinco dollars. Aquele valor não dava sequer para comprar uma latinha de refrigerante.
Então começou a andar, à procura de qualquer estabelecimento em que pudesse barganhar um lugar para ficar.
✳️✳️✳️
“Não!”
Aquela era a quinta resposta negativa que conseguira.
“Mas eu-”
“Vaza daqui garota, ou será preciso chamar os seguranças?”
Ao ouvir a negativa da recepcionista daquele hotel barato, Beth deixou o lobby do estabelecimento, cabisbaixa, sem energia sequer para respirar.
Um Mr. Mime limpava o chão em que ela pisava com uma vassoura, sem sequer trocar um olhar. Aquilo fez piorar a sua situação. Sentia como se fosse uma espécie de lixo ambulante.
Saiu pelas portas da frente.
Beth caminhou sem destino fixo, lentamente. Os calos formados em seus pés doíam, o suor manchava as suas roupas de algodão.
Chegou numa praça. A mesma praça na qual havia batalhado contra o Aipom de Souto no dia de sua chegada em Olivine. Era noite.
Sentou em um dos bancos.
Ficou um tempo olhando para o nada. Estava tão cansada que não tinha energia para pensar.
Acho que isso é o que chamam de estar no fundo do poço, lamentou ela.
Havia ido a diversos estabelecimentos, hotéis, pousadas e hospedarias.
“Eu posso pagar com juros, assim que conseguir dinheiro.”
“Posso ajudar na limpeza.”
“Aceito dormir em um depósito se for preciso.”
A resposta sempre era um sonoro: “Não!”
Os olhos começaram a pesar.
Estava com sono.
Aquela vida de treinador pokémon definitivamente não era para pessoas como ela. Pobres. Caso você não tivesse condições financeiras para pagar hospedagem, dificilmente encontraria algum lugar para ficar de graça.
E é claro que o fato de não ter economizado dinheiro, o gastando com coisas supérfluas durante sua jornada, também não melhorava muito a sua situação. Mas havia aprendido a lição. Da próxima vez pensaria duas vezes antes de gastar.
Eu poderia conversar com a Jasmine.
Pensou em entrar em contato com Jasmine, em busca de algum lugar para passar a noite. Tinha certeza que depois do seu feito, conseguir o sino dos espíritos, Jasmine não recusaria ajuda. Porém, depois do que havia presenciado mais cedo, não tinha certeza se seria uma boa ideia encará-la olho a olho.
Montou sua mochila na beira do banco, como se fosse um travesseiro. Retirou o chapéu de sua cabeça e usou para cobrir seu peito.
Olhou para as estrelas no céu, sonolenta.
Acho que terei que deixar as preocupações de lado… Apenas por hoje.
Pensou em relaxar, deixar a mente longe de problemas. Apenas aquela noite. Na manhã seguinte iria atrás de Jasmine, Joy, Souto, ou qualquer um que pudesse a ajudar.
Bocejou.
Não racionalizando o perigo que corria ao dormir naquele banco de praça, Beth apagou.
A cama era desconfortável. Suas costas doíam.
Revirou de um lado para o outro.
Estava em uma floresta escura.
Logo à frente, uma pequena estrutura de madeira, que lembrava um santuário. Um altar.
Um pokémon flutuava de costas, parecendo olhar para dentro.
Seu corpo parecia ser feito de folhas. Voava com a ajuda de pequenas asas. Sua cabeça tinha o formato de um bulbo de flor. Duas antenas saiam de sua testa.
Ele virou o olhar em direção à Beth.
“Beth!”, ouviu a voz vir de algum lugar.
Sentiu seu corpo ser tocado.
Virou para o lado em cima do banco, tentando pegar no sono novamente.
Sentiu a mão tocá-la novamente.
“Me deixa dormir mais um pouco… Por favorzinho”, balbuciou, ainda grogue de sono.
Dessa vez foi beliscada.
Acordou, finalmente.
Lentamente, abriu os olhos, limpando a remela do olho com as pontas dos dedos.
Sua visão ajustou-se.
Olhou para baixo e viu um par de sapatilhas rosas que, de alguma forma, eram familiares. Subiu o olhar e avistou um vestido branco com bolinhas. Segurava um saco com pães dentro com uma das mãos. Ao seu lado, um Cyndaquil olhava com olhos desejosos para o saco.
O cheiro de pão assado entrou pelas suas narinas.
Sua barriga soltou um ronco sonoro.
A figura riu.
Percebeu finalmente de quem se tratava.
Era Malli.
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Rip Amphy 😔. Pra quebrar um pouco o clima de morte, vamos comemorar que a best girl Malli finalmente deu as caras! O que será que essa menina quer em Olivine? Só acompanhando para saber, é claro! E a Beth está em situação de barril (pra variar rs). Tá na hora de começar a economizar o dinheiro. Não deixe de apoiar a história com o seu comentário.
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