12. Recomeço

Ela olhava a grande torre que se remexia para o lado, e depois para o outro.

Não importava se estivesse chuva. Ou calor. Neve. Nem mesmo chuva de granizo. A Torre Bellsprout continuava em seu mesmo lugar, balançando, sorrateiramente, como um Bellsprout dançante.

Ela ouviu um zumbido passar perto do ouvido, porém estava mergulhada demais em seus pensamentos para investigar sobre o que se tratava.

Suas lágrimas continuavam a escorrer de seus olhos, molhando o gramado e a terra fofa. 
Estava sentada em um pequeno morro de terra e grama. Seu corpo estava ali, porém sua mente flutuava em algum lugar da imensidão do universo. Indagava-se algum dia a conseguiria encontrar novamente.

Será que o meu pai estava certo?
E se Antony estivesse certo? Será que realmente seu destino era se tornar uma pescadora ao invés de uma treinadora Pokémon?

Sua primeira batalha oficial contra um líder de ginásio havia sido um fiasco. Ela não conseguiu ao menos fazer um arranhão no Pokémon oponente.

E, se não bastasse isso, ainda levara um sermão de Falkner.
As palavras voltaram a ecoar em sua mente: "Lembre-se: não se vence uma batalha apenas com poder bruto, mas também com a estratégia e harmonização entre Pokémon e treinador. Sinto falta justamente disso com você, uma conexão e conhecimento maior com o seu Pokémon."

Mas como eu vou conseguir me conectar com meus Pokémons se ao menos consigo vencer uma batalha?, pensou ela. Até o momento havia apenas conquistado derrotas consecutivas, com excessão do seu duelo contra Malli, que era apenas uma iniciante em batalhas. 

Talvez nunca conseguisse criar laços genuínos com seus Pokémons. E isso a dava medo, pois significava que ela nunca se tornaria uma treinadora tão poderosa quanto Gold.

Beth continuou sentada no chão, abraçando os joelhos.

Ouviu passos se aproximarem.
Uma sombra fora projetada logo a frente de Beth. Havia alguém atrás de si.

Virou de costas para ver quem era.

"O que esta pequena treinadora está fazendo em um lugar como esse?", disse a voz. 

Era um dos monges que habitava a torre Bellsprout. Um Bellsprout o seguia.

Beth não imaginava que alguém fosse a encontrar ali. Enxugou as lágrimas. 

"Nada. Apenas vim para dar um tempo de todo mundo."

"Sinto um pouco de mágoa em sua voz", disse ele enquanto batia o seu bastão no chão. "O que aflige a alma de uma jovem tão nova e energética como esta?"

O Bellsprout pareceu completar: "Bellsprout Bellsprout!".

Beth olhou melancólicamente para o chão.

"Nada... Apenas... Eu não sei se o caminho que eu quero seguir é o certo para mim...", respondeu ela sinceramente. "Não sei se me encaixo no perfil ao qual tanto idealizei por toda a minha vida." 

O monge tocou três vezes no chão com seu bastão.

Ele começou a falar: "Uma vez, em um lugar muito distante, existira um homem...". Beth começou a prestar atenção. "Um homem feliz e realizado na vida. No entanto, havia um porém, algo incomodava ele. Ele percebeu que todos os seus amigos haviam sucedido na vida, construído famílias e lares para seus filhos, enquanto ele permanecera sozinho, sem encontrar um amor para o chamar de seu."

Beth não estava entendendo aonde aquele conversa deveria chegar. Afinal, o que a história de um solteirão qualquer haveria de possuir em relação com o seu problema de auto-estima?

"Então, ao perceber isso, o homem entrou em uma severa depressão. O rosto pelo qual, antes exibia um semblante sorridente e alegre, fora trocado por expressões frias e mórbidas. E, assim, ele continuou pelo resto da sua vida, até a morte."

Essa conversa deveria servir para me animar?, pensou Beth. Apenas estava acentuando o seu grau de melancolia.

"Não entendi qual a moral dessa história", disse Beth por fim.
O homem bateu três vezes com o bastão no chão, novamente.
"Pense pequena flor do dia, pense..."

Beth pensou. Recapitulava toda a história em sua mente, em busca de algum propósito. Porém, nada veio.

"O homem morreu triste e sozinho... pois não conseguiu formar uma família nem encontrar uma parceira, é isso?"
Ele bateu com o bastão novamente, dessa vez sem falar nada.

"Hmm... Acho que... Espera, já sei!", exclamou Beth. "Ele ficou triste e sozinho porque ele equiparou a sua vida com a de seus amigos e, percebeu que, não se pode almejar aquilo que os outros têm!?"

O monge remexeu a cabeça.
"Está quase lá... A moral da história é a seguinte: você não deve se comparar a ninguém. Cada um de nós tem a sua individualidade, sonhos, diferenças e perspectivas de vida divergentes. As pessoas não precisam se igualar, e sim se completar. Apenas você mesma conhece seus limites. Não tente alcançar uma meta a qual não condiz com a sua realidade. "

Agora ela começava a entender melhor o que ele queria dizer.
Estava tão preocupada em seguir o passos de Gold que esquecera o essencial que todo treinador deveria possuir, a individualidade. Idolatrava ele, porém, agora compreendia que os dois eram muito diferentes. 

Deveria parar de desejar apressar as coisas e deixarem elas seguirem o seu ritmo.

Preciso de um recomeço.
Beth sabia do que precisaria para dar o próximo passo como treinadora.

O monge a olhou e sorriu. "Vejo que finalmente entendeu."

Ela levantou do chão, limpou o resto de grama nas suas vestes e ficou em pé olhando pela última vez a grande torre que se remexia.

"Obrigado!", agradeceu. Então, correu desembestada de volta para o centro de Violet.

✳️✳️✳️

Beth entrou no seu quarto e pegou o resto de dinheiro que ainda havia restado.

Só 12 dollars.

Teria que fazer o milagre com aquela quantia de dinheiro.

Colocou o dinheiro no seu bolso, fechou o quarto e saiu correndo pelas escadarias da hospedaria.
Enquanto corria pelo saguão, vira Freddy com seu Totodile e seu Ledyba, sentados em sofás de couro.

Ao a avistar, ele falou alto: "Beth, onde você..."

Beth, porém, havia saido antes de ouvir o que ele tinha para falar.

O centro de Violet estava cheio. 

Abrindo espaço pela multidão de pessoas que andavam pelas ruas, ela começou a passear pelos estabelecimentos, em busca de alguma loja de roupas usadas.

É só o que o meu dinheiro dá.

Parou em frente ao brechó chamado "Queen's Beauty."
Beth entrou pela porta e foi recebida por uma atendente.

"Bem vinda ao Queen's Beauty, em que posso ajudar?"

"Estou em busca de algumas roupas baratas."

A mulher a guiou pelos cabides cheios de roupas.

Beth fuçou por entre todas as roupas, até achar aquelas que a agradavam.

Pegou algumas bermudas masculinas brancas com bainhas vermelhas, uma camisa de algodão preta e uma longa meia preta que chegava até os seus joelhos. E, para completar, um chapéu branco, redondo e bordado.

Ao pegar tudo, organizou e levou a até o caixa.

A atendente levantou as sobrancelhas ao avistar as roupas que havia pegado.

"Tem certeza que vai querer levar isso? Não me leve a mal, mas essas roupas são da sessão masculina."

Apenas faça o seu trabalho e me poupe da sua idiotice, Beth teve o impulso de falar. Porém, respondeu delicadamente: "Eu gosto de roupas masculinas."

O preço total foi 5 dollars.

Até que saiu barato.

Tinha sobrado 7 dollars.

Agora o salão.
Saiu do estabelecimento com as compras nas mãos.

Novamente, percorreu grande parte do centro, a pé, até parar na frente de um salão de beleza chamado "Jynx Stylus". 

Entrou pela porta giratória.
Dentro do lugar, havia diversas cadeiras giratórias e, para sua surpresa, e espanto, vários Jynx realizavam cortes de cabelos em mulheres das mais diversas idades.

Logo fora atendida por uma moça. Ela usava um avental cor rosa bebê e possuía longos cabelos loiros.

"Bom dia e boas vindas ao Jynx Stylus, em que posso ajudar?" Ela a recebeu.

Beth largou os sacos de roupa na chão e se sentou na cadeira giratória. A mulher a passou um portfólio com vários modelos de cortes e tinturas realizadas no salão.

Folheou as folhas com o dedo até encontrar um corte que a agradasse.

"Esse aqui", apontou Beth com o dedo.

A mulher olhou e disse: "Já vi que você é do tipo radical! Esse é um corte de cabelo bem interessante, embora as clientes quase nunca optem por um corte tão drástico pelo medo do cabelo ficar curto demais." Ela pegou um maço de cabelo de Beth. "Mas já vi que com você é tudo ou nada. Seu cabelo é muito longo e sedoso. Tem mesmo certeza que quer cortar-lo tão curto assim?"

Beth fez que "sim" com a cabeça e ainda acrescentou: "E também quero tingir. Pode ser de qualquer tom que seja parecido com ruivo escuro."

A mulher anotou tudo.
"Ótimo, apenas aguarde que logo será atendida!"

Não demorou muito e logo vira uma Jynx ao seu encontro.

As madeixas de Beth começaram a cair conforme a Jynx passava a tesoura pelos seus cabelos.

Preciso de um novo começo, e isso significa uma nova aparência também. Estava fazendo aquilo, em parte pois queria se sentir renovada, e também para não correr o risco de ser reconhecida por alguém. Principalmente agora que sabia estar sendo procurada.

Fitou seu rosto no espelho. Já até podia ver a mudança estampar seu semblante.

✳️✳️✳️

Ela ficara algum tempo aproveitando os últimos minutos em sua cama confortável. Afinal, já que voltaria a retomar seu caminho pelas rotas, eram grandes as chances de ter que dormir no chão de algum lugar novamente, sendo protegida apenas pelas árvores.

Ao terminar de arrumar as suas coisas e vestir suas novas vestes de treinadora, ela trancou a porta com a chave. Então, começou a descer as longas escadas que levavam para os andares inferiores da hospedaria.

Ao chegar no saguão, fora falar com a atendente que estava na recepção.

"Aqui está a chave do quarto 10." Entregou a chave na mão dela. "Se vir o Freddy, você sabe, aquele garoto que pagou a minha estadia, diga que eu agradeço a ele pelo favor e sempre estarei em dívida pelo que ele fez."

"Falarei sim", respondeu ela. "Espero que tenha aproveitado a estadia em nosso estabelecimento, volte sempre."

Nunca, pensou Beth. Nunca teria dinheiro para pagar um lugar como aquele. Porém, apenas sorriu esperançosa.

Quando iria sair pelas grandes portas do estabelecimento dara de cara com o garoto do qual falara a pouco.

Ele a olhou, então caminhou normalmente como se não a tivesse visto.

No entanto, Beth virou para trás e viu ele parar no meio do lobby, confuso. Por fim, ele virou e olhou novamente, dessa vez a vendo realmente.

"Beth...?", disse ele.

"Sim, sou eu", respondeu ela.
Ele caminhou e parou na sua frente.

"Nossa, quase não reconheci você. Achei que fosse outra pessoa." Ele a olhou de baixo para cima. "Você está, como eu digo, diferente."
Esse é o objetivo.

"Onde você vai toda organizada assim? "

"Estou deixando Violet e rumando em direção de Goldenrod."

"Mas... Espera ai..." Notou que ele estava confuso. "Você não vai desafiar o Falkner novamente?"
Beth não queria falar sobre aquilo.

"Não tenho a paciência de esperar sete dias para desafiar ele novamente. Prefiro rumar em direção a Goldenrod e tentar a sorte", disse ela. "Além disso, ficar nessa cidade muito tempo não está me fazendo muito bem."

Ele olhou para o chão. Notou que Freddy mudava o apoio de seu corpo de um pé para o outro.

"Então é isso... adeus", falou Beth, dando fim na conversa. 

Beth deu às costas e partiu do estabelecimento.

✳️✳️✳️

Beth estava perto do ponto em que a cidade de Violet encerrava e dava lugar à rota 36.

Suspirou de cansaço.

Já estava cansada daquela forma e não estava sequer no começo do caminho.

Pelo ao menos esse chapéu me protege do sol. Agradeceu mentalmente por ter comprado aquele acessório.

Quando ficou completamente descansada, decidiu prosseguir com os passos.

"ESPERA", ouviu um grito atrás de si. 

Ela virou e olhou.

Uma bicicleta vinha acelerando e, nela, um menino minúsculo de bochechas avermelhadas estava pedalando em grande velocidade.

Freddy!?, pensou ela. O que aquele tapado estava fazendo ali?

O menino logo chegou no ponto aonde ela estava.

Ele parou e ficou ofegante por um instante.

"Beth... Ainda bem... Que eu alcancei você."

"O que você está fazendo aqui?" 

"Eu decidi ir para Goldenrod também!", disse ele.

Era só o que faltava.

"O que você vai fazer lá? ", perguntou Beth. Talvez não fosse uma má ideia, afinal, ele tinha muito dinheiro e ela estava lisa até a alma.

"Bom... Eu esqueci de dizer, mas eu moro lá."

O sentido de Beth a alertava que aquela era uma oportunidade que não deveria desperdiçar.

Hmm... Eu posso tirar proveito disso, pensou ela, ardilosa.

"Tudo bem!", respondeu. "Mas você tem que seguir o meu ritmo de viagem. Além disso, vou precisar usar sua tenda para dormir."

"Okay", respondeu ele, animado. Mal sabia que estava sendo usado por ela.

Beth voltou a caminhar acompanhada por Freddy, em sua bicicleta.

Ela olhou uma última vez para Violet.

Sabia que um dia teria que voltar para a cidade central de Johto, com o objetivo de obter a insígnia que não conseguira durante sua estadia.

Todavia, ainda tinha uma longa jornada pela frente.

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Esse capítulo literalmente me deu arrepios. Gostaram do novo visual da Beth? O que será que aguarda em Goldenrod para nossa vilã-heroína preferida-odiada? Só lendo para saber. :) 

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