Capítulo 9

O barco e o urso

Quanto mais os meninos remavam mais se cansavam e mais a viagem desanimava.
Lúcia encarava as árvores por quais eles passavam e ficava um tanto quanto frustrada, não sentia vida fluido das mesmas. Susana logo percebeu o mesmo e um semblante triste formou-se em seu rosto delicado.

Estão paradas..- Lúcia murmurou cabisbaixa.

Lya que ainda encarava a água cristalina olhou para cima vendo tantas árvores silenciosas, como ela pode esquecer de como as árvores se moviam, cantarolavam, riam e dançava?
Um ponto de interrogação aparecu no centro do seu rosto quando olhou o pequeno homenzinho ao seu lado.

Devem esta dormindo!– Lya levantou-se o que fez o barco balançar e assustar um pouco a todos. Ainda olhando fixamente para o anão ela disse:— Certo, Trumpkin?

— Não.–Trumpkin falou friamente.— São árvores, vocês queriam o que?

O coração tanto da destemida Lúcia, da esperança Lya, Susana a gentil, do Justo Edmundo e do magnífico Pedro sentiram um aperto, um má pressentimento ao mesmo tempo.
Lya voltou devagar a se sentar no barco e encarou Edmundo que agora parecia aflito, como ela se sentia também.


— Elas dançavam.– Disse Lúcia

— Algum tempo depois que saíram.. – O anão respirou um pouco, evitando olhar a cara das crianças.— Os telmarinos invadiram, os sobreviventes se retiraram dos bosques.


O pequeno voltou a ficar em silêncio olhando as árvores desta vez.

— Mas e com elas?– Lya perguntou meio impaciente e preocupada.– Como elas se retirariam dos bosques?

— As árvores se retiraram para tão dentro delas, que nunca mais ouvimos falar.– O anão finalmente completou a frase deixando todos sem reação.

Lya suspirou fundo e sentiu as costas de Pedro se encostar em seu ombro. Parecia tomar a dor também, mas não parou de remar.

—Eu não entendo..– Lúcia falou em um fio de voz, sempre calma, como costumava a ser.— Como Aslam permitiu isso?

— Aslam?–Trumpkin lançou um olhar cínico enquanto as palavras ásperas fluíam de seus lábios. Pedro olhou por cima do seu ombro o homenzinho e todos os outros também colaram os olhos nele, tentando entender o sarcasmo na voz.— Achei que tivesse nos abandonado junto com vocês.

A princesa Lya sentiu um aperto em seu coração ao ouvir a descrença tão amarga. Porém, as lembranças das cartas de seu filho Arthur, encontradas antes, vieram à tona, como uma brisa suave em meio à tempestade. Nas palavras de Arthur, Aslam era mais do que uma figura presente, e compartilhava sua graça com o antigo Rei.

— Mas, Trumpkin..–ela começou, a voz embargada pela emoção contida.—Arthur mencionou Aslam em suas cartas. Ele jurou ter visto o grande leão.

— Ah, sim, a história de Arthur.– o Ruivo respondeu, seus olhos brilhando com um manto de ironia. – Parece que o Finado rei herdou uma imaginação fértil. Todos diziam que ele falava sobre Aslam, o tempo todo, Mas porque Aslam apareceria somente para ele?

O coração de Lya se contraiu com a descrença de Trumpkin. Já em Lucia uma chama de determinação queimava dentro dela. Ela não permitiria que as memórias sagradas que descobriram de Arthur fossem manchadas pela amargura do presente.

Mesmo que Arthur não tenha visto Aslam, Trumpkin, o que importa é que ele acreditou.– disse a jovem, sua voz firme apesar das lágrimas prestes a cair.— Se Aslam escolheu se revelar apenas a ele, não cabe a nós questionar.

Trumpkin balançou a cabeça

— Não Majestade.– Um sorriso triste dançava em seus lábios enrugados.— Aslam nos abandonou, assim como vocês.– Completou, sua voz áspera carregada com a tristeza de um reino perdido.

O silêncio pairou sobre o barco.

— Não quisemos abandona-los.– Pedro quebrou o silêncio após algum tempo.

— Não faz diferença agora, faz?– O anão murmurou e todos abaixaram a cabeça.

Lya sentiu como se seu coração estivesse sendo esmagado por um punho invisível. Ela queria gritar, queria negar as palavras dolorosas que ecoavam ao seu redor. Mas, no fundo de sua alma, sabia que Trumpkin estava certo.
Aslam os abandonara, assim como eles haviam deixado Nárnia para trás.
Um sentimento de impotência a envolveu, enquanto ela desejava poder desfazer todas as escolhas que os levaram a esse ponto. Se ao menos pudessem voltar atrás, se ao menos pudessem consertar o que estava quebrado. Mas o passado era imutável, e o futuro parecia sombrio e incerto.

Mas uma coisa era certo, Lya tinha esperança e tinha o coração de Leão nela
Ela não podia mudar o passado, mas podia salvar o futuro de narnia.

Pedro sentia-se como se estivesse carregando o peso do mundo em seus ombros. Ao olhar para Lya, ele recordou que era seu rei e que ela era seu coração de Leão. Naquele instante, enquanto seus olhares se encontravam, uma mistura de tristeza e determinação brilhava em seus olhos. Sabiam que juntos podiam mudar o destino de Nárnia.

Leve-nos aos narnianos e faremos.– Falaram eles em uníssono, as palavras ecoando como um juramento sagrado no silêncio do barco.

O anão pareceu meio surpreso pelas palavras e mais ainda pela conexão do rei e da rainha. Ele engoliu o seco e olhou para os outros três no barco que o soltaram um pequeno sorriso, confirmando o que havia sido dito.

Era o começo de uma jornada, uma jornada para restaurar a esperança perdida, para acender novamente a luz que havia sido apagada

•| ⊱✿⊰ | •

Quando finalmente avistaram terra, Pedro assumiu os remos com determinação, impulsionando o barco em direção à praia. O anão desceu primeiro, seus pés tocando a areia firme enquanto ele buscava um ponto adequado para ancorar a embarcação e mantê-la segura. Encontrando uma parte estável da costa, ele cravou as estacas com força, garantindo que o barco permanecesse estável.
Lúcia desceu em seguida, seus olhos curiosos varrendo o novo horizonte que se desdobrava diante dela.
Enquanto isso, Lya, Susana, Pedro e Edmundo uniram suas forças, puxando o barco com determinação para a terra. Cada um deles sentia o peso do passado sobre seus ombros.

Lúcia, animada pela vista, avistou de longe algo marrom e peludo um pouco mais à frente. Ao se aproximar, percebeu que era um urso, bebendo água tranquilamente. A menina, sem hesitar, gritou "Oi, senhor urso!", o que chamou a atenção do restante das crianças e do anão, que olharam na direção indicada.

—É um narniano?– Lya perguntou para ninguém em específico, achando estranha a movimentação do urso. No entanto, suas suspeitas se confirmaram quando o urso se levantou e rugiu de forma estranha.

— Está tudo bem! Somos amigos.–Lúcia tentava acalmar o urso. Mas ele apenas continuava a rugir, mais agressivo.

— Gente, aquilo não é um narniano..– alertou Lya, começando a correr para lucia quando percebeu que o animal era um urso comum e perigoso.

— Não se mova, Majestade!–gritou o anão no instante em que o urso avançava ferozmente na direção de Lúcia.

Somente então Lúcia percebeu o perigo iminente, seu coração batendo forte enquanto ela recuava, seus olhos arregalados refletindo o medo que agora dominava o cenário tranquilo da praia.

Lya corria em direção a Lúcia, que corria na direção de Lya também. O urso vinha atrás da pequena, rápido como um trovão em meio à tempestade.
Os meninos foram pegar suas armas no barco, agindo com rapidez diante da emergência. No mesmo instante, Susana segurou seu arco e mirou, suas mãos tremendo com a responsabilidade de tal ato.

– Susana acerta ele!–Edmundo gritava, sua voz carregada de medo e preocupação.— Susana, acerta ele! Acerta ele!

Lúcia, no tumulto do momento, caiu no chão, sua vulnerabilidade exposta diante da fúria do urso. No momento crucial, Susana ainda hesitava, sua mente tumultuada pela possibilidade de tirar uma vida, mesmo sendo a de uma criatura feroz.
Foi então que o anão ruivo, percebendo a urgência, tomou a iniciativa. Com coragem, ele pegou seu arco e atirou a flecha, mirando diretamente no peito da besta.

Lya, vendo o perigo iminente quando a besta cambaleou, lançou-se na frente de Lúcia, rolando com ela para o lado direito no momento exato em que o grande animal caiu com um estrondo, uma flecha cravada em seu peito, exatamente onde Lúcia estava caída antes do ato de Lya.

O silêncio que se seguiu foi como uma pausa na tempestade, onde o ar estava impregnado com a tensão e o alívio misturados. Lya permaneceu ao lado de Lúcia, seu coração ainda disparado pela adrenalina da situação.

Susana olhou para trás dela, surpresa, vendo que quem deu a flechada foi Trumpkin. Ela engoliu em seco e perguntou, sua voz trêmula de emoção e incredulidade:

— Por que ele não parou?‐ A menina ainda mantinha a esperança de que o urso pudesse ser um narniano disfarçado.

— Talvez estivesse com fome.– respondeu o anão em um resmungo, suas palavras carregadas com a realidade cruel.

Pedro e Edmundo, no entanto, olharam para Susana com desapontamento evidente em seus olhos. Se dependesse dela, Lúcia poderia estar morta.
Enquanto isso, Lya permanecia abraçada a Lúcia, que chorava copiosamente em seu colo. Lya depositava beijos na testa da jovem e enxugava suas lágrimas, ao mesmo tempo em que verificava se ela havia se machucado.

Os três jovens e o anão correram em direção às meninas no chão.

Lya olhava apreensiva para o urso caído e ameaçou tocá-lo quando Pedro segurou sua mão e apontou a espada para o animal caído.


—Não toque nele! Pode estar vivo ainda.– disse ele com firmeza.

Lya se afastou um pouco, confusa, enquanto Pedro ajudava Lúcia a se levantar e a abraçava. Logo ele abaixou sua espada e observou a besta com certa confusão, assim como os demais.
Lya, por sua vez, ainda no chão, sentiu uma dor em seu braço e percebeu alguns arranhões. Ela se levantou com uma expressão dolorosa, enquanto Edmundo lançava um olhar de preocupação para a mesma, logo seu olhar foi atraído de volta para o urso.


— Obrigada.– Lúcia agradece olhando o anão.

—Ele era selvagem...?–Lya sussurrou em uma pergunta.— Era raro ver um como esse, se lembram?

— Não há dúvidas! Ele era selvagem.– confirmou Edmundo, encarando Pedro.

— Acho que nem mesmo podia falar!– completou Pedro e segurou Lúcia mais firme nos braços.

—Isso é triste.– murmurou Lya, abaixando-se novamente até o animal. Dessa vez, acariciou sua cabeça enquanto Trumpkin o cutucava com um pedaço de madeira que encontrou ali próximo.

— Seja tratado como um animal burro por muito tempo, e é isso que você vira.– explicou o anão, em seguida tirou uma faca do bolso. —Vão descobrir que Nárnia está mais selvagem do que se lembram.

Ele começou a se aproximar do urso com a faca, e Lya sentiu os olhos úmidos enquanto se levantava. Viu Lúcia abraçando Pedro e cobrindo seus olhos da cena agonizante, e então, Lya, como impulso, abraçou Edmundo e cobriu seus olhos também, repetindo "que a graça do Leão proteja sua alma"
várias vezes como uma forma de reza para o animal.
Edmundo pareceu meio envergonhado, mas retribuiu o abraço dela e disse as mesmas palavras para acalmá-la.


— Que a graça do Leão proteja sua alma.– Ed repetiu. embora não acreditasse mais tanto no Leão agora.

Pedro olhou para os dois, um pouco enciumado, mas respirou fundo, aceitando o momento de desolação que os envolvia.
As crianças se afastaram enquanto o anão cortava a carne do urso.

Lya, com tudo, parou um momento no barco e começou a procurar algo para seu braço dolorido, mas foi sem sucesso. Quando virou-se novamente, deu de cara com Edmundo e soltou um pequeno grito, em seguida tampou a boca.


—Não apareça assim, eu já disse!– ela levou a mão para o coração.

—Ei! Se acalma, não sou um animal selvagem.– Edmundo riu e, em seguida, imitou um rugido.

Lya ficou séria, tentando segurar o riso, mas não conseguiu resistir quando Edmundo rugiu mais alto dessa vez.


— Deixa de ser bobo!– o riso dela foi desaparecendo até sobrar um pequeno sorriso açucarado em seu rosto.

Aquilo de alguma forma fez o coração de Edmundo disparar e ele começou a fuçar sua bolsa para desfocar da rainha.


—Seu braço...machucou..– Ed olhou para o braço da menina e, de sua bolsa marrom, ele tirou três curativos e a encarou com os olhos cintilantes.

— Sua bolsa é um poço? Não tem fim?– Lya parecia encantada agora. — Pode cuidar do ferimento se quiser, Dr. Edmundo.

A loira estendeu o braço, e Edmundo ficou corado por alguns segundos. Quando ele se aproximou, percebeu os curativos sumindo quase como mágica de suas mãos. Pedro os pegou e encarou os dois jovens à sua frente.


— Agradeço os curativos, Ed.– Pedro disse.— Pode deixar que tomo conta da Lya por agora.

A jovem Plummer olhou rapidamente Pedro e desviou o olhar para Edmundo, que parecia meio tenso agora.
O de cabelos negros afirmou com a cabeça, deu uma última olhada para Lya e foi embora.

Obrigado por ter salvo Lúcia. O urso poderia tê-la esmagado.– O loiro quebra o silêncio um tempo depois, e parecia meio assombrado com o pensamento logo foca nos machucados de Lya.

Plummer observa o menino limpando seu ferimento com cuidado e, ela com sua outra mão, levanta o queixo dele, trazendo seu olhar junto ao dela.


— Se algo ruim acontecesse com ela, acho que eu morreria junto– diz Lya, rindo meio triste.— Lúcia é como minha irmã também. Fiz o que achei certo.

Pedro pareceu tímido e apenas afirmou com a cabeça.
As pupilas dos olhos da jovem dilataram  um pouco, e Pedro sentiu o coração apertar ao ver isso.
A beleza dela sempre o deixou desnorteado.


—Teus olhos, suas palavras, seu rosto... tudo soa como mágica– O Pevensie mais velho pensa em voz alta, deixando a menina meio surpresa.

Envergonhado, Pedro volta para a ferida, tentando mudar o rumo da conversa que ele mesmo iniciou. Começou a aplicar o curativo, e Lya fez uma careta de dor.

— Você só diz isso agora porque estamos em Nárnia. Sabe que esse sentimento fora daqui não é real.– diz Lya, por um instante lembrando-se da forma como Pedro agia em Londres.

Pedro sente um aperto ao ouvir as palavras de Lya, sabendo que há verdades difíceis que precisam ser enfrentadas, mesmo no mundo mágico de Nárnia.

Um tempo depois ele nega com a cabeça, terminando o curativo e dá as costas. Por um segundo, sua mente é preenchida com a lembrança do dia em que Lya chegou em sua casa pela primeira vez: uma menina baixinha, loira, com olhos enormes. Um sorriso involuntário surge em seus lábios ao lembrar que, desde aquele dia, seu coração bateu forte por ela.
Ele se vira e a abraça, mas Lya não demonstra reação.


— Sempre foi real. Eu só tinha medo.– sussurra Pedro no ouvido dela. — Era difícil conversar sobre Nárnia sem querer voltar a ela. Era difícil falar de um relacionamento que existiu só em Nárnia. Tivemos relações, tivemos um filho. Mas no nosso mundo, isso não aconteceu de verdade.

Pedro se afasta e se espanta ao ver Lya vermelha como pimenta. Talvez seja pelo lembrete de que ambos tiveram "relações" em Nárnia, ou talvez seja pelo recuerdo de como essa relação íntima foi.


— Pe..Pedro.– A menina engole o seco desviando o olhar.

— É sério! Eu nem mesmo sei se o que houve aqui vale para fora daqui.– Ele se adianta dizendo de forma impulsiva.— Eu sempre me perguntei se eu ainda sou vi.......

— Eu ja entendi!- Lya tampa a boca dele o interrompendo apressadamente e o encara com certo terror.

Plummer se afasta um tanto quanto desorientada
Pedro agora pensando no que disse, fica travado e solta um: "desculpa" meio atrapalhado, logo sai andando rapidamente e some da vista da mocinha.

Lya engole em seco nervosa, ela encara o braço enfaixado pensando no Pevensie mais velho. Ela sabia que teria sido duro conversar sobre tais coisas, já que, praticamente, elas não afetaram nada em sua pacata vida em Londres. Ela queria compreender Pedro, mas seu coração parecia ainda mais indeciso agora.
A confusão e a incerteza pairava no ar enquanto Lya tentava processar as complexidades do passado e do presente entrelaçados em Nárnia.

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