Capítulo 8

Monte Aslam

- Já que todos entendemos as circunstâncias. - exclamou Pedro. - Foi a trompa... a sua trompa, Susana... que ontem de manhã nos arrancou do banco da estação! É difícil acreditar nisso, mas a verdade é que tudo se encaixa...

- Não sei por que é difícil de acreditar, se você acredita em magia. - disse Lúcia. - Não há tantos casos em que por magia as pessoas são chamadas a sair de um lugar... até a passar de um mundo para outro? Nas Mil e uma noites, quando o mago conjura o gênio, ele tem de aparecer. Foi mais ou menos o que aconteceu conosco.

- Exato - concordou Lya. - Mas o que faz isso parecer tão estranho é que, nas histórias, é sempre alguém do nosso mundo que faz o chamado...

- Ninguém realmente para pra pensar de onde vem o gênio. - Pedro completou.

- E agora podemos compreender como o gênio se sente! - disse Edmundo, com uma gargalhada. - Caramba! Não é muito agradável saber que podemos estar à mercê de um assovio. Ainda é pior do que ser escravo do telefone, como papai se queixa tanto...

- Mas não estamos aqui de má vontade. - disse Lúcia. - Desde que seja a vontade de Aslam.

- E agora? O que vamos fazer? - perguntou o anão. - Acho que o melhor seria dizer ao rei Caspian que afinal o auxílio não veio...

- Não veio, o quê! Essa é boa! Veio sim senhor, e aqui estamos nós! - Lya se levantou meio confusa pelas palavras de Trumpkin.

- Bem... que estão aí, estão... Mas acho que... - gaguejou o anão. - Mas... bem... quer dizer...

- Oras! Ainda não percebeu quem somos nós? - gritou Lúcia. - Que anão mais bobo!

- Devem ser as cinco crianças da lenda, de fato! - disse Trumpkin. - Tenho muito prazer em conhecê-los, é claro. Não há dúvida de que este encontro é muito interessante... Mas, sem querer ofender... - e voltou a ficar hesitante.

- Vá em frente e diga o que tem a dizer - falou Edmundo, impaciente.

- Bem, não fiquem ofendidos... Mas, como já disse, o rei, Caça-trufas e o professor de Caspian esperavam por auxílio. Não sei se estão me entendendo. Mas eles imaginavam vocês como grandes guerreiros. Não sendo assim... bem, nós adoramos crianças, mas a esta altura... em plena guerra... acho que vocês estão entendendo...

- Ah, você pensa que não aguentamos uma gata pelo rabo, não é? - disse Edmundo, corando muito.

- Por favor, não fique zangado! - interrompeu o anão. - Asseguro-lhes, caros amiguinhos...

- E ainda trata a gente por amiguinhos?! É demais! - protestou Lya e Edmundo levantou-se num pulo pronto para discutir.

- Não acredita então que fomos nós que ganhamos a batalha do Beruna? Bem, de mim pode dizer o que quiser, mas a verdade...

- Não vale a pena discutir - disse Pedro, interrompendo Ed.

- Talvez seja hora daquela conversinha de hoje cedo acontecer, Pedro.‐ Lya encarou empolgada a espada do rei. - Prove que é um verdadeiro guerreiro.

Pedro levantou-se e Susana entregou sua espada, logo ele a apontou para o anão.

- Quer se surpreender agora? - Disse o loiro solene.

- É melhor não fazer isso, Rapaz. - Murmurou o anão.

- Eu? - Pedro riu um pouco. - Eu não, ele. - Logo encarou Edmundo, o de cabelos negros pareceu surpreso e sem muito jeito.

Ed puxou sua espada da bainha e Pedro entregou a sua para o anão, que de imediato não conseguiu segurá-la e pareceu tomar força para a levantar, Ed queria rir quando foi pego de surpresa, e atacado. O anão apenas fingira, na verdade, era muito forte para pouco tamanho! Enquanto os outros quatro pulavam animados para ver o que aconteceria. E valia a pena. Porque não era um daqueles ridículos combates à espada, que a gente vê no cinema. Nem mesmo uma daquelas lutas de mentira que costumam ser um pouco melhores. Não, era um verdadeiro combate à espada. O principal num encontro desses é atacar as pernas e os pés do inimigo, visto serem as únicas partes do corpo sem armadura. E, quando o outro faz o mesmo, o jeito é pular, para que os golpes passem por baixo. Para o anão isso foi uma vantagem, pois Edmundo, sendo muito mais alto, tinha de abaixar-se a todo momento. E não acho que Edmundo teria tido alguma chance de ganhar, caso tivesse enfrentado Trumpkin vinte e quatro horas antes. Mas, desde que tinham chegado à ilha, a atmosfera de Nárnia estava atuando sobre ele; o entusiasmo dos antigos combates invadiu-o nos braços e nos dedos, e voltou a sentir a antiga destreza. Era outra vez o rei Edmundo! Os golpes seguiam-se, obrigando os combatentes a se moverem em círculo, e Susana não gostava disso, e nunca conseguira habituar-se a esse gênero.


- Cuidado! Cui-da-do! - A mais velha gritava.


Já Lya parecia encantada ao ver Edmundo agindo como homem; era quase como sentir seu coração acelerar por ele como antigamente. A luz do sol batia em seu rosto, mas Lya mal conseguia notar, pois seus olhos estavam fixos no jovem que se encontrava ali na frente. À medida que a batalha avançava, Lya começou a reparar em detalhes que nunca havia notado fora de Nárnia. Ela notou o suor escorrendo pelo rosto de Ed, criando pequenos sulcos que se desenhavam em seu rosto. Ela percebeu a beleza do movimento do corpo dele, os músculos flexionando-se sob a pele enquanto ele lutava. Lya se surpreendeu com esses pensamentos e imediatamente se sentiu envergonhada. Como poderia estar sentindo aquilo bem ali, em frente a uma batalha? Logo afastou seus pensamentos e se concentrou novamente em ver a luta, mas não conseguia resistir a olhar para Edmundo de vez em quando. A menina se chacoalhou para tirar aqueles pensamentos de sua mente.

A certa altura, em um movimento tão rápido que ninguém conseguiu ver bem o lance (a não ser Pedro, que já sabia o que ia acontecer), Edmundo, dando um jeito especial à espada, desarmou o anão, deixando Trumpkin a esfregar a mão vazia, como a gente faz depois de ser picado por uma abelha; o anão se jogou para trás caindo no chão.

- Com trinta mil diabos! - Disse Trumpkin. - A trompa funciona mesmo!

•| ⊱✿⊰ |•

Cornelius, que ainda estava no castelo, dirigiu-se à sua biblioteca, mas foi tomado pelo medo ao avistar Miraz à sua espera.

- É uma biblioteca realmente grande. - Debochou o Telmarino, com ironia ressonando em sua voz.

- Busca algo em específico? - Indagou o doutor, com a voz quase sumindo.

Miraz aproximou-se de um dos livros sobre a mesa. Com um olhar irritado, enfiou uma flecha vermelha, diferente de todas as outras que ambos já haviam visto.


- Já encontrei em um dos meus soldados. - Miraz apossou-se do assento do meio-anão e encarou o livro à sua frente, que exibia a imagem dos Pevensie e de Lya.

Cornelius fez um esforço tremendo para esconder o sorriso de felicidade mesclado com emoção que brotava em seu rosto.

- O que sabe sobre a trompa da rainha Susana? - Inquiriu o suposto rei.

- Dizem que ela era mágica. - Respondeu Cornelius, e Miraz levantou uma sobrancelha, esperando por mais explicações. - Os narnianos acreditavam que podiam chamar seus reis e rainhas do passado. Pelo menos era essa a superstição.

- Reis e rainhas? - Miraz levantou-se com uma expressão quase cômica. - Diz que o Arthur XV, que Caspian 1, meu parente, matou, pode voltar? Que ajuda isso traria? - Miraz riu.

- Não. Mas sim os reis e rainhas do tempo de ouro, esses mesmos dos livros. - Respondeu Cornelius.


Agora Miraz havia realmente fechado a cara, parecia pensativo e um tanto assustado.


- O que Caspian sabe sobre essa superstição? - Perguntou Miraz.

- Meu lorde, o senhor me proibiu de mencionar lendas antigas. - Cornelius engoliu seco, percebendo o rei se aproximar mais dele de maneira ameaçadora.

- Eu proibi mesmo. - Miraz riu falsamente, e em seguida dois de seus guardas entraram na biblioteca com expressões sérias.

- Eu te digo o seguinte, se Caspian conhecer bem a magia profunda, meu senhor tem boas razões para ficar nervoso. - Cornelius, sabendo seu destino, finalmente tomou coragem para desafiar o impostor do trono.


Enquanto o doutor era arrastado para os calabouços, Miraz estava atormentado pela própria desgraça. Primeiro um anão que lhe aparece e depois fantasmas? Mas o que o rei não esperava era a traição vinda de seu próprio povo. Não notará o que um de seus serviçais mais próximos, Sopespian, planejava sob seu nariz. Grandes temores se escondiam em suas próprias fileiras..


•| ⊱✿⊰ |

- Nunca um anão fez um papel tão imbecil quanto eu hoje. Apresento minhas humildes homenagens a Vossas Majestades. Agradeço-lhes por terem salvo a minha vida, o almoço, e agradeço também pela lição que me deram.

- Se agora está disposto a acreditar em nós... - disse Pedro.

- Claro que estou! - falou o anão.

- Então sabemos o que temos de fazer - disse Lya, roendo as unhas. - Devemos ir logo ao encontro do rei.

- Já está o chamando de rei? - Pedro encarou a menina com desconfiança.

- Por Aslam, Pedro! É o que ele é. - Lya revirou os olhos.

- Não acho que dê tempo para mais uma briga de vocês dois! - Susana reclamou.

- Quanto mais depressa, melhor! - concordou o anão. - A minha burrice já nos fez perder uma hora.

- Se formos pelo caminho por onde você veio, serão uns dois dias de viagem - disse Pedro. - Para nós, é claro, pois não conseguimos andar dia e noite como os anões.


Trumpkin havia dito às crianças que Caspian os esperava no monte de Aslam.


- O que Trumpkin chama de Monte de Aslam é, sem dúvida, a Mesa de Pedra. Certo...? - Lya se questionou por um instante.

- Só pode ser. - Edmundo respondeu.

- A gente andava uma manhã toda, talvez um pouco menos, para ir dali às margens do Beruna... Lembram-se? - Perguntou Pedro, animando-se com o caminho mais curto.

- Ponte do Beruna - interrompeu o anão.

- No nosso tempo não havia ponte. E do Beruna até aqui era mais de um dia. Andando a passo normal, a gente costumava chegar no segundo dia, mais ou menos na hora do lanche. - Susana lembrou e encarou Lya.

- Com um pouco de esforço, talvez possamos fazer o caminho em um dia e meio? - a loira perguntou e em seguida encarou o anão à sua frente.

- Não se esqueçam: agora é tudo floresta - disse Trumpkin - e temos de evitar o inimigo.

- Mas será que precisamos seguir o caminho por onde veio o nosso caro amiguinho? - perguntou Edmundo.

- Pare com isso, Majestade, se me quer bem - implorou o anão.

- Pois não - concordou Edmundo. - Posso então chamá-lo de N.C.A.?

- Está propondo que os chamemos de "nosso caro amiguinho"? Mas de uma forma mais convincente para ele? - Lya riu muito e em seguida um pequeno sorriso dócil se formou. - Eu amei.

- Está bem, crianças... quero dizer, Majestade! - disse Trumpkin, com uma gargalhada.

E, a partir daí, muitas vezes o trataram por N.C.A., até quase se esqueceremo do que significava.

- Mas, como ia dizendo - continuou Edmundo -, acho que podemos ir por outro caminho. Por que não vamos de barco em direção à baía do Espelho D'Água e seguimos depois lá por cima?

- Aí sairíamos por trás da colina da Mesa de Pedra... - Lya pensou alto e Ed balançou a cabeça.

- Ao menos enquanto estivéssemos no mar, estaríamos seguros. Se partirmos imediatamente, poderemos chegar ao Espelho d'Água antes do anoitecer, descansar ali um pouco e estar com Caspian amanhã de manhã - Ed continuou.

- Não há nada como conhecer a costa - disse Trumpkin. - Nunca tinha ouvido falar do Espelho d'Água.

- E quanto à comida? - perguntou Susana.

- Teremos de nos contentar com maçãs - disse Lúcia. - Mas vamos embora! Há quase dois dias que estamos aqui e ainda não fizemos nada.

Com uma capa de chuva que encontraram na mochila de Ed, fizeram uma espécie de saco, que encheram de maçãs. Depois, foram beber água no poço, porque só no Espelho d'Água voltariam a encontrar água doce. E seguiram para o barco. As crianças tiveram pena de deixar Cair Paravel, porque, mesmo em ruínas, sentiam-se bem lá.

- É melhor que N.C.A. fique no leme - sugeriu Pedro. - Ed e eu tomaremos conta dos remos. As meninas vão na proa, para darem indicações ao N.C.A., pois ele não conhece a costa. Melhor pegar o mar alto até termos passado a ilha.


Daí a pouco, a costa arborizada e verdejante foi ficando para trás. As pequenas baías e cabos pareciam cada vez menores, e o barco vagava acompanhando a suave ondulação. O mar começou a alargar, e, se a distância a água parecia agora mais azul, perto era verde e borbulhante. Tudo cheirava a sal, e só se ouvia o chapinhar dos remos e o deslizar da água, que batia. O sol começou a ficar quente. Lúcia e Susana, na proa, se deliciavam brincando, tentando em vão enfiar as mãos dentro d'água. Lya, do outro lado da proa, via seu próprio reflexo na água e se perguntava como fora de Nárnia havia crescido e virado uma pessoa tão banal. Beleza e popularidade importariam tanto assim? A resposta era óbvia, Lya era uma rainha, não era só uma menininha; por anos, a mesma esqueceu-se disso. Ela se esticou na barca e colocou a cabeça dentro da água.

- Lya! - Edmundo e Pedro gritaram, mas a menina fez apenas um sinal de joia com uma das mãos que a segurava dentro do pequeno barco para mostrar que estava tudo bem.


Embaixo d'água via-se a areia branca, colorida às vezes de algas vermelhas.

- Tudo como antigamente! - Lya puxou a cabeça para fora da água, rindo alegre, enquanto de seu cabelo e rosto escorria água.

- Você lembra quando fomos a Terebíntia... e a Galma... e às Ilhas Solitárias... e às Sete Ilhas...? - Susana perguntou, alegrando-se.

- Se me lembro! E me lembro também do nosso barco, o Esplendor Hialino, com a cabeça de cisne na proa e as longas asas entalhadas que chegavam quase ao meio do barco... - Lya respondeu, quase pulando de alegria.

- Lembra das velas de seda? E dos grandes lampiões da popa? - Lúcia, dessa vez, falou como se visse o próprio barco antigo à sua frente.

- E das festas no convés? E dos músicos? - Ed entrou na conversa.

- E daquela vez em que os músicos foram tocar flauta no alto dos mastros e a música parecia vir do céu? - Pedro deu uma gargalhada, lembrando-se de tudo.


Tinham passado a ilha e aproximavam-se agora da costa arborizada e deserta. Se não se lembrassem do tempo em que era aberta ao mar e sempre cheia de amigos, é possível que a tivessem achado muito bonita.


- Puxa! Isso acaba com um homem! - disse Pedro sobre remar, o suor escorria em seu pescoço.

- Posso remar um pouquinho? - perguntou Lúcia.

- Os remos são grandes demais para você - foi só o que Pedro disse, não porque estivesse aborrecido, mas porque não podia gastar energia falando.

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