Capítulo 6
O anão conta uma história.
— São vocês? – O anão pergunta, ainda angustiado. — Os reis e rainhas do passado?
— Bom... depende de quem pergunta. - Lya diz em tom irônico e solta uma risadinha. O anão esbugalha os olhos ao perceber só agora os detalhes da menina; Era como uma canção da antiga Nárnia.
— "Ela é a esperança, brilhante como o sol, Seu sorriso é como o raio de luz após a tempestade, Sua risada é forte e cheia de vida. Ela é um lembrete de que a beleza é mais do que a aparência A pele branca como a neve, tão bela e delicada Seus olhos tão azuis quanto o céu no verão Ela está sempre rodeada de alegria e amor Pois onde quer que ela vá, o coração é aquecido pelo seu coração de leão..." – O anão recitou a canção.
— "Sua luz brilha e ilumina o caminho para os outros" – Susana, Lúcia e Ed completaram a música deixando Lya um pouco sem jeito.
— Parem pessoal, não precisam de tanto! Acho que ele entendeu. – A menina desvia o olhar sem graça antes de voltar a encarar o anão. — Sou Lya, a esperança.
— Agora eu vejo claramente... – Os olhos do pequeno brilham.
— Sou o grande rei Pedro, o magnífico. – Pedro estende a mão para o anão, enquanto os demais seguram a risada pela apresentação do loiro.
— Você podia ter omitido a última parte. – Susana brinca arrancando a risada dos irmãos e de Lya.
— Podia. – O anão diz risonho pela primeira vez. E Pedro recua com a mão meio sem jeito.
— Pode se surpreender! – Pedro estende a espada para o anão, como um desafio. O pequeno pensara que pela juventude dos Reis e rainhas a experiência fosse pouca também.
— Podem fazer isso outra hora? Confesso que estou caída de fome. – O estômago de Lya foi ouvido roncar e Pedro baixou a espada. — Estamos desde ontem apenas com maçãs no estômago! E eu duvido que carne de anão tenha um gosto bom, Pedro...
— Digam o que disserem, vocês não parecem fantasmas! – O Pequeno falou encarando os jovens à sua frente. Como quase todos os anões, ele era muito atarracado e peitudo. De pé, devia ter cerca de um metro de altura; usava uma barba imensa e suíças de cabelos ruivos e rebeldes, que lhe encobriam quase todo o rosto, deixando apenas à vista um nariz que mais parecia um bico e os olhinhos cintilantes. – Seja como for – continuou ele –, fantasmas ou não, vocês me salvaram a vida. Muito obrigado.
– E por que iríamos ser fantasmas? – perguntou Lya.
– A vida toda me disseram que nestes bosques ao longo da costa havia mais fantasmas do que árvores. É o que reza a lenda. Por isso, sempre que desejam eliminar alguém, é para cá que o trazem, como fizeram comigo. Queriam entregar-me aos fantasmas. Por mim, sempre pensei que iriam me cortar o pescoço ou afogar-me. Nunca acreditei muito em fantasmas. Mas aqueles valentões que vocês alvejaram acreditavam. Tinham mais medo do que eu.
– Ah! – exclamou Susana. – Foi por isso então que fugiram!
– O quê?! – disse o anão.
– Fugiram – confirmou Edmundo – fugiram para a terra.
– Não atirei para matar – falou Susana. Ela não queria que pensassem que pudesse errar o alvo a uma distância tão pequena.
– Hum! Isso é mau. Pode trazer futuras complicações. A não ser que eles fiquem de bico calado para salvarem a pele. – Resmugou o anão.
– Podemos achar algo para comer enquanto conversamos sobre. Tens muito o que nos contar. – Pedro exclamou.
— Então serei o convidado de vocês! – Disse o menor animado. – Estou morto de fome.
— Mas só temos maçãs – lamentou-se Lúcia.
– É melhor do que nada, mas peixe fresco é ainda melhor – disse o anão. – No fim, parece que vocês é que serão meus convidados. Vi no barco caniços de pesca. Aliás, o barco tem de ser levado para o outro lado da ilha: não convém que as pessoas do continente apareçam por aqui e deem com ele.
– Eu já devia ter pensado nisso! – falou Pedro.
Acompanhadas pelo anão, as quatro crianças entraram no barco. O anão assumiu imediatamente o comando das operações. Como os remos eram grandes demais para ele, Pedro remou, e o anão foi conduzindo o barco para o norte, ao longo do canal, virando depois para leste e contornando o extremo da ilha. Daí via-se todo o curso do rio, todas as baías e cabos da costa. Pareceu-lhes que alguns lugares não lhes eram estranhos, mas a floresta, que crescera muito, dava a tudo um ar diferente.
— Sua Majestade, estamos passando por tempos difíceis em Nárnia. Desde que os Telmarinos chegaram, a paz e a estabilidade estão em falta. – O ruivo falou baixinho para Lya que o encarou surpresa pela fala.
— Pode me chamar apenas de Lya. – A loirinha pediu e esperou o anão continuar a falar.
— Me permita dizer, as histórias sobre seu filho, o Rei Arthur, deram-nos muita esperança nesses 100 anos. – Ele disse.
Lya sentiu uma onda de emoção crescendo em seu peito. Ela adoraria ouvir histórias sobre Arthur, seu filho, que não pôde conhecer. "Me conte mais sobre ele", disse ela empolgada e chamando a atenção dos Pervensie para ouvir também.
— Dizem que o Rei Arthur governou Nárnia até o fim de sua vida. Ele foi um monarca insubstituível. – o anão assumiu um tom mais solene enquanto compartilhava as lembranças. — Enquanto Nárnia sofria sob o controle dos Telmarinos, a mera lembrança de Arthur nos confortava. Sentíamos que um dia ele voltaria para nos libertar da opressão, igualmente você e os irmãos.
Lya se emocionou ao ouvir essa história, e Pedro gabou-se:
— Sempre soube que minha linhagem era especial. – disse o loiro fazendo todos rirem.
Naquele instante todos pensaram no tempo que passaram em Nárnia adultos, os detalhes da família e seus papéis na história pareciam nebulosos agora.
— Eu sinto como se pudesse chorar. – disse Lya, com lágrimas enchendo o olho. — É bom saber que ele se saiu bem...
— Sua Maje... Lya, eu sinto muito pelos tempos difíceis de Nárnia. – o menor inclinou a cabeça respeitosamente. – Nós, anões, não podemos expressar adequadamente nossa gratidão por vocês e por tudo o que fizeram por nós. Protegeram-nos e melhoraram nossas vidas. Espero sinceramente que vocês possam encontrar consolo no fato de que seus descendentes mantiveram suas memórias vivas em Nárnia e que agora vocês têm a chance de nos salvar mais uma vez.
Lya apertou a mão dele agradecendo-lhe pela gentileza e ternura em suas palavras.
— Eu entendo que o sofrimento deve ser difícil agora, estou curiosa para saber tudo o que vem ocorrendo. Mas estou orgulhosa de tudo o que meu filho fez para ajudar Nárnia também. – A menina limpou as lágrimas.
— Pode nos contar mais histórias sobre o rei Arthur, mais tarde também? – Lúcia pediu com empolgação.
— Claro! – O anão abaixou a cabeça em respeito às rainhas.
Quando chegaram ao mar alto, o anão começou a pescar. Apanharam uma grande quantidade de trutas coloridas, um peixe muito bonito, que se lembravam de já terem comido em Cair Paravel. Depois, levaram o barco para uma angra, onde o amarraram. O anão, que era muito eficiente (existem anões maus, é verdade, mas não conheço nenhum que seja bobo), abriu os peixes, limpou-os.
— Só nos falta a lenha. – Disse o pequeno.
— Temos alguma no castelo – Respondeu Edmundo.
— Com trinta diabos! Quer dizer que existe mesmo um castelo? – O anão assobiou.
— Só as ruínas – informou Lúcia.
— Ruínas? – O anão olhou para todos os lados com uma expressão esquisita. – E quem é que… – mas não terminou a frase. – Não interessa.
— Tem medo de fantasmas morarem lá? – Lya provocou o pequeno e riu.
— Não tenho! – Ele aumentou o tom de voz. – Vamos primeiro à comida. Só quero que me digam uma coisa: vocês juram mesmo que ainda estou vivo? Têm certeza de que não morri afogado? Sabem mesmo se não somos todos fantasmas?
Depois de o terem tranquilizado, o problema era saber qual a melhor maneira de levar o peixe. Não tinham cesto nem corda para o prenderem. Acabaram utilizando o chapéu de Edmundo, pois só ele tinha chapéu guardado em sua bolsa. Claro que Edmundo teria ficado uma fera se não estivesse caindo de fome. O anão, a princípio, não se sentiu muito bem no castelo. Olhava para todos os cantos.
— Hum! Tem um ar esquisito. E cheira a fantasma. – Dizia o anão fungando.
Mas, quando chegou a vez de acender o fogo e de mostrar como se assam trutas frescas, animou-se. Comer peixe tirado da brasa com um canivete, para seis pessoas, não é mole; por isso, quando a refeição acabou, não é de admirar que houvesse alguns dedos queimados. Mas, como eram nove horas e estavam acordados desde as cinco, ninguém ligou muito para as queimaduras. Depois de arrematarem com um gole de água do poço e uma maçã.
— Conte-nos primeiro a sua história – propôs Pedro. – Depois lhe contaremos a nossa.
— Como foram vocês que me salvaram a vida, é justo que lhes faça a vontade. Mas nem sei por onde começar. Antes de tudo, tenho de confessar que sou um mensageiro do rei Caspian.
— De quem? – perguntaram os cinco ao mesmo tempo.
— De Caspian X, rei de Nárnia. Isto é, ele é que devia ser rei de Nárnia, e esperamos que ainda venha a ser um dia. Por enquanto, é apenas o nosso rei, o rei dos antigos narnianos. — Explicou o anão confuso.
— Por favor – disse Lya – quem são os antigos narnianos?
— Somos nós, é claro – respondeu o anão. — Somos uma espécie de rebeldes
— Já estou começando a entender – falou Pedro. – Então Caspian é o chefe dos antigos narnianos?
— Sim, de certa forma – respondeu o anão, coçando a cabeça, meio atrapalhado. – Se bem que ele seja, na verdade, um dos novos narnianos, um telmarino, não sei se me compreendem.
— Não entendo patavina! – disse Edmundo.
— Isto é mais complicado que a história da Inglaterra – declarou Lúcia, e Lya riu.
— Que espeto! – exclamou o anão. – Eu é que não soube me explicar direito. Prestem atenção. Acho que, no fim das contas, é melhor recuar até o princípio da história para contar-lhes como Caspian cresceu na corte do tio e como agora passou para o nosso lado. Mas é uma longa história.
— Melhor! – gritou Lúcia. – Adoramos histórias.
— Sem dúvidas, Lu! – Lya concordou sorridente.
Foi assim que o anão se ajeitou para contar a sua história. Não irei contar para você novamente a história de Caspian, nem com as palavras do anão e nem com as perguntas das crianças, porque seria uma confusão danada, e sem fim. Vocês sabem a história de Caspian após sair do castelo e depois? O principal da história é o seguinte…
•| ⊱✿⊰ |
Quando Caspian acordou, estava deitado perto de uma fogueira, sentindo uma horrível dor de cabeça. Ouviu falar baixinho:
– Temos de resolver o que vamos fazer com ele, antes que acorde.
– Matá-lo! – disse outra voz. – Não podemos deixá-lo vivo: iria trair-nos.
– Deveríamos ter feito isso na hora, ou então deixado ele sozinho – atalhou uma terceira voz. – Não podemos matá-lo agora; não depois de termos tratado seus ferimentos. Seria o mesmo que assassinar um hóspede.
– Senhores – disse Caspian, numa voz que era quase um murmúrio – decidam o que quiserem a meu respeito, mas peço-lhes que tratem bem do meu cavalo.
– Seu cavalo fugiu muito antes de o encontrarmos – disse uma voz roufenha, que parecia vir da terra.
– Não se deixem iludir com palavrinhas doces – falou a segunda voz. – Por mim, insisto em…
– Calma aí! – exclamou a terceira voz. – É claro que não vamos matá-lo. Você devia ter vergonha, Nikabrik. O que acha você, Caça-trufas? Que vamos fazer com ele?
– Vou dar-lhe de beber – disse a primeira voz, provavelmente a de Caça-trufas.
Uma sombra escura aproximou-se. Caspian sentiu que um braço lhe amparava cuidadosamente as costas – se é que era mesmo um braço. O rosto que se inclinou era também um tanto esquisito: pareceu-lhe que estava coberto de pelos e que tinha um enorme nariz, com umas engraçadas manchas brancas dos lados. “Deve ser máscara”, pensou Caspian, “ou então estou delirando.” Uma taça de um líquido quente e adocicado tocou seus lábios, e ele bebeu. Nesse instante, um dos outros atiçou o fogo, fazendo levantar uma labareda. Caspian quase gritou de susto, ao ver o rosto que o fitava. Não era um homem, mas um texugo! No entanto, o rosto deste era maior, mais amistoso e mais inteligente do que o dos texugos aos quais estava habituado. Fora ele que falara, sem dúvida. Viu também que estava deitado numa gruta, sobre uma cama de urzes. Ao pé do fogo encontravam-se dois homenzinhos barbudos, muito mais baixos e peludos que o doutor Cornelius. Caspian percebeu logo que eram anões verdadeiros, dos antigos, em cujas veias não corria uma só gota de sangue humano. Havia encontrado enfim os antigos narnianos. Sua cabeça começou a rodar de novo. Nos dias seguintes, aprendeu a conhecê-los pelo nome. O texugo chamava-se Caça-trufas. Era o mais velho e o mais bondoso dos três. O anão que desejara matá-lo era um anão negro (isto é, tinha o cabelo e a barba negros, ásperos e duros como crina de cavalo): seu nome era Nikabrik. O outro era um anão vermelho, com cabelo da cor dos pelos de uma raposa: chamava-se Trumpkin. Na primeira tarde em que Caspian teve forças para sentar-se e falar começou ouvindo:
– Agora temos de resolver o que fazer com o humano. Vocês acham que lhe fizeram um grande favor, impedindo que eu o eliminasse. Agora, acho que a solução é conservá-lo prisioneiro pelo resto da vida. Porque não estou nada disposto a deixá-lo solto por aí… para que um belo dia encontre os outros de sua raça e nos denuncie. – Disse Nikabrik.
– Com mil diabos, Nikabrik! – protestou Trumpkin. – É preciso ser tão descortês? No fim das contas, o pobre coitado não teve culpa de bater com a cabeça numa árvore aqui na frente da nossa caverna. E, por mim, acho que ele não tem cara de traidor.
– Mas – disse Caspian – vocês ainda não sabem se eu quero voltar para junto dos meus. Para ser franco, não quero. Preferia ficar por aqui mesmo… se me deixassem. Tenho procurado por vocês a vida toda!…
– Esta é boa! – rosnou Nikabrik. – Você é ou não é um telmarino e um humano? Como não quer voltar?
– Mesmo que quisesse, não podia – respondeu Caspian. – Quando caí do cavalo, estava fugindo para salvar a minha vida. O rei quer me matar. Se tivessem me matado, teriam feito a vontade dele.
– O quê?! – exclamou Caça-trufas.
–Que conversa é essa? – perguntou Trumpkin. – Com a sua idade, que fez você para cair no desagrado de Miraz?
– Miraz é meu tio – começou a dizer Caspian, e nesse instante Nikabrik levantou de um salto e agarrou o punhal.
– Não disse?! – gritou ele. – Não só é telmarino, mas parente e herdeiro do nosso maior inimigo. Vocês estão malucos?! Querem mesmo deixar viver esta criatura?!
Teria apunhalado Caspian ali mesmo, se Trumpkin e o texugo não se tivessem metido no meio, impedindo-lhe o avanço
– De uma vez por todas, Nikabrik – disse Trumpkin – ou você se controla ou Caça-trufas e eu nos sentamos em cima de sua cabeça…
Nikabrik, mal-humorado, prometeu ter mais calma, e os outros dois pediram a Caspian que contasse a sua história. Quando acabou, houve um momento de silêncio.
– É o caso mais estranho que conheço! – disse Trumpkin.
– Não acho graça nenhuma! – rosnou Nikabrik. – Não sabia que os humanos se divertem falando de nós. Quanto menos souberem de nós, melhor. Foi então a velha ama? Era melhor que ela tivesse ficado de bico calado. E, ainda por cima, esse preceptor, um anão renegado. Odeio eles! São piores que os humanos! Ouçam o que eu digo: tudo isso só vai nos trazer aborrecimentos!
– Não diga besteira, Nikabrik! – disse Caça-trufas. – Vocês, anões, são tão esquecidos e inconstantes quanto os humanos. Eu, não, sou um bicho; mais que isso, sou um texugo, e os texugos sabem o que querem. Não andam por aí sempre a mudar de ideia. E eu digo que um grande bem está por vir. Temos conosco o verdadeiro rei de Nárnia: um verdadeiro rei, que volta à verdadeira Nárnia. E nós, os bichos, estamos lembrados (mesmo que os anões tenham esquecido) que Nárnia só foi feliz quando teve no trono um filho de Adão.
– Espere aí, Caça-trufas – falou Trumpkin –, não vá dizer que pretende entregar nosso país aos humanos?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top