1. DEVIL
Eu estava dançando com o diabo, ele sempre foi bom para mim
E eu tenho andado na sombra de um inimigo amigável
A campainha tocou e eu suspirei, me levantando da mesinha e indo até à porta, espiando pelo olho mágico. O rapaz olhava ao redor, preocupado pela minha vizinhança nada acolhedora.
— Pode deixar aí que eu pego. — Eu o vi mover a cabeça antes de finalmente achar olho mágico.
— Merindah Nimhiùil? — ele se colocou na ponta dos pés, tentando ver através do olho mágico.
— Sim. — Ele sorriu simpático, deixando as compras em frente a porta e acenando para mim antes de se afastar.
— Tenha um bom dia. — Ele riu quando eu disse obrigado meio abafado e mal-humorado, logo desaparecendo do meu campo de visão. Eu esperei mais alguns instantes antes de abrir uma fresta da porta, vendo ele entrar no elevador antes de pegar as sacolas e as colocar dentro de casa.
Eu não saía de dentro do meu apartamento há mais de um ano, desde que tudo aconteceu. Passava meus dias no computador, descobrindo a internet, encomendando plantas e cristais e estudando bruxaria e saúde natural.
Minhas compras já estavam devidamente guardadas quando ouvi batidas na minha porta e me aproximei do olho mágico, espiando por ele e vendo o filho do meu senhorio do outro lado. Eu fiquei em silêncio, esperando que aquele adolescente insuportável fosse embora.
— Eu sei que você está aí! — ele falou alto, batendo na porta mais algumas vezes e se esticando para tentar enxergar no olho mágico. Burro. Ele tinha um sorriso, como o de quem faz uma grande descoberta. — É você nessas fotos, não é?
Ele mostrou o celular e eu senti meu estômago se revirar ao ver as formas embaçadas da tão familiar fotografia. Isso não pode estar acontecendo, não de novo. Será que isso nunca vai acabar?
Eu virei as costas para a porta, cobrindo minha boca e deixando que meu corpo escorregasse para o chão enquanto lágrimas grossas desciam pelo meu rosto.
As batidas na porta e os gritos do garoto continuaram por alguns minutos antes que alguém saísse e mandasse ele se calar. E eu fiquei no chão, chorando e me deixando ser tomada novamente pela raiva e pelas lembranças ruins.
***
Eu não sei por quanto tempo fiquei ali, sentada na porta, chorando até minha cabeça doer e meu corpo reclamar de cansaço, mas quando me levantei o sol estava se pondo e meu apartamento estava escuro.
— Chega. — Eu fui até a escrivaninha, acendendo o abajur e abrindo o notebook, me sentando de frente para ele e secando as lágrimas.
Uma das várias coisas que descobri depois de tanto navegar na internet é que contatos são tudo. Foi por meio de contatos que eu cheguei na camada mais superficial da DeepWeb. Sim, eu uso a DeepWeb para conseguir comprar flores raras.
— Vamos lá, vamos lá. — Eu estava esperando que a página do fórum abrisse de forma anônima e segura, batendo nervosamente meus pés sob a mesa e percorrendo com os olhos a sacada, observando as minhas plantas por uns instantes. — Isso.
A página de estética simples se abriu e eu comecei a procurar pelo tema de fachada, abrindo um tópico de anúncio.
Preciso de ajuda para me vingar do meu ex-namorado. Ele possui fotos minhas nua e me ameaça. Eu quero me livrar das fotos.
Eu deixei o tópico ali, me afastando do computador e indo preparar algo para comer, sem muita pressa, já que normalmente levava algumas horas até o tópico ter respostas.
— Quem é agora? — eu suspirei, deixando as coisas que havia acabado de tirar da geladeira sobre a mesa, indo até o celular. Havia uma mensagem de um número desconhecido.
'Você está aí?'. Eu abri o perfil, havia a foto de uma jolly roger* personalizada, no lugar do nome havia um emoji de caveira e zero informações. Era só o que me faltava.
'Quem é você?'. Eu me mantive encarando a tela, esperando pela resposta do misterioso. Foi quando uma chamada de vídeo se iniciou sem que eu a aceitasse.
— Mas que porra é essa? — eu encarei a figura na tela, ela era apenas uma sombra, mas pela forma eu sabia que era um homem, atrás dele estavam alguns neons que ajudavam a criar a sombra totalmente negra.
— Isso são modos? — ele riu com a voz distorcida quando eu o encarei extremamente irritada.
— Não te devo modos. Quem é você? — eu observei rapidamente a tela, percebendo o botão de encerrar a chamada.
— Sou ninguém. Depende apenas da senhorita, eu posso ser um aliado ou continuar como ninguém. — Ele mudou de postura, se aproximando um pouco mais da câmera. — Eu sei que está mentindo em seu tópico, mas vou ignorar isso.
— Eu vou ignorar você, é uma dor de cabeça a menos para mim. E quem é você para dizer que estou mentindo? Nem me conhece! — eu voltei meus olhos para a parte inferior da tela, levando meu dedo para o botão de desligar.
— Você está loira nas fotos e tem um gato daquela raça gigante cinza com uma mancha branca sobre metade da cara. — Eu congelei, encarando a tela sentindo um pânico crescente. — Suas fotos surgiram em um e-mail de um trabalho meu. O meu alvo as recebeu como um e-mail de trabalho importante, infelizmente estou investigando o trabalho dele e acabei por ver três das fotos.
— Okay... — respirei profundamente, fechando meus olhos e contando até cinco antes de voltar a encarar o hacker. — Você tem minha atenção.
— Ótimo. Eu tenho uma proposta para te fazer. — Eu ouvi o som de teclas ao fundo enquanto ele estava curvado para o lado. — Preciso de ajuda com um trabalho e creio que você possa me ajudar. Depois que eu concluir esse trabalho, eu faço o que você quiser sem cobrar nada.
— O que eu quiser? — eu o encarei com uma expressão cética e o ouvi rir.
— Sim, o que quiser. Vazar informações íntimas dele, apagar dados preciosos da empresa, uma dívida gigante no cartão de crédito que ele irá pagar pelo resto da vida. O que quiser. — Ele se aproximou um pouco mais da tela.
— Assassinato? — ele parou por um instante se afastando um pouco, havia um tom divertido em sua voz distorcida quando ele voltou a falar.
— Sim, como eu disse, o que quiser. — Ele fez uma pausa por um instante enquanto me encarava. — Agora, o que me diz, vai aceitar minha proposta?
Eu respirei profundamente, pensando por um momento. Um hacker, provavelmente muito perigoso devido a sua habilidade, estava me oferecendo um acordo. E eu estava com ódio o suficiente para aceitar.
— Eu aceito. — Eu o encarei, aproximando o celular um pouco mais do meu rosto. — Agora, o que eu tenho que fazer?
Como eu odeio esse cara. Esse novo trabalho estava me dando mais dor de cabeça do que eu podia imaginar. Esse cara era cauteloso e quase não tinha dados na rede a qual eu tinha acesso. Tudo o que eu podia ter encontrado ali para o Haytham eu já tinha passado a ele.
— Você parece irritado. — Killer passou carregando uma xícara do que eu acho ser chá, olhando a tela do computador pelo meu ombro.
— Eu tô sempre irritado. — Ele colocou a xícara do lado direito do teclado, me encarando até que eu a pegasse e tomasse pelo menos um gole. — Mas esse cara me irrita demais.
Ele riu, apertando meu ombro antes de se afastar, deixando que eu voltasse minha atenção para a tela. Eu estava fazendo uma 'limpeza' nos e-mails do infeliz, procurando com mais cuidado por dados que fossem do interesse do meu chefe. Não que eu ache que esse contador meia boca possa ter algo.
— Hm, isso é novo. — Eu encarei o e-mail recém recebido, o abrindo e fazendo uma careta pelo gosto do chá. Porque eu tomo essa porcaria? — Talvez seja promissor.
Era um e-mail enviado por um colega de trabalho, diretamente do escritório com arquivos de imagem anexados e marcado como sendo muito importante. Promissor.
Eu abri as imagens, com a xícara colada a minha boca cheia de chá e quase o cuspi no meu caro teclado mecânico quando as imagens carregaram.
Três fotos de uma mulher loira nua preencheram a tela em uma montagem. Na mais explícita ela estava claramente adormecida ou desacordada, as outras duas pareciam ser mais espontâneas e artísticas, com uma parede branca com plantas penduradas e um gato daquela raça gigante.
Aquelas duas fotos eram sem dúvidas muito pessoais, não eram do tipo que mulheres enviam para seus parceiros. São do tipo que fazem para se sentirem bonitas, para verem sua beleza. Em uma das fotos a loira estava gargalhando enquanto o gato no seu colo tentava alcançar uma das plantas.
Sem perder mais tempo eu acionei nosso alerta rosa, deixando todos os led's do QG cor de rosa.
— Estou fazendo o caminho inverso das fotografias. Quero todos que receberam e enviaram isso totalmente fodidos, quero que saibam que é por causa das fotos e que aprendam a lição. — Eu disse alto e ouvi os rapazes concordarem.
Não somos benfeitores. Não procuramos por casos assim. Mas se um deles caí em nosso radar, cuidamos deles. Não vamos deixar aquilo se repetir.
Levou algumas horas até que eu conseguisse zerar a lista, chegando até o merdinha que havia feito aquilo. Foi um pequeno prazer o assustar e expor seus crimes menores, isso o manteria fora do mercado por um tempo e o faria repensar da próxima vez que pensasse em vazar fotos íntimas de alguém.
Eu estava razoavelmente satisfeito com meu trabalho quando Killer se aproximou com uma expressão que não me deixou nem um pouco feliz.
— O que foi agora? — eu me virei para ele, bebendo um pouco da coisa que ele deixou sobre a minha mesa.
— Alguém a achou e vazou o endereço. — Ele virou o notebook para mim com um print da tela onde um perfil no twitter falava que talvez a loira fosse a vizinha dele, expondo o endereço e uma fotografia da porta dela. — Apaguei antes que alguém visse graças ao alerta de hashtag. E peguei o IP para você.
— Ótimo, vamos ver se ele vai gostar de ser exposto assim. — eu sorri cruel, encarando os códigos que corriam pela tela.
— Ele é só um adolescente com merda na cabeça, Kid. Pega leve. — Ele me olhou sobre o ombro, ignorando quando eu lhe mostrei o dedo.
Eu deixei uma risada escapar ao encontrar tantos dados desprotegidos, filtrando com cuidado o que seria do pequeno infrator e os apagando antes de fazer todos os eletrônicos dele queimarem. Um belo prejuízo.
O alerta na minha tela me tirou de meu pequeno momento, me deixando curioso. Será que o garoto sabia que aquilo era trabalho de um hacker?
Preciso de ajuda para me vingar do meu ex-namorado. Ele possui fotos minhas nua e me ameaça. Eu quero me livrar das fotos.
O curto tópico em um fórum nas camadas mais superficiais e fáceis de se acessar da DeepWeb surgiu na minha tela. Vinha da mesma rede do garoto.
— Não é comum nesses prédios eles dividirem a rede? — Killer parou atrás de mim, observando o tópico. — E o que ainda faz nesses fóruns?
— Algumas vezes algo divertido e simples aparece. — Eu dei ombros, pegando um doce em uma gaveta e o enfiando na minha boca. — Agora, você não tem algo melhor pra fazer?
Killer me encarou por dois segundos antes de rir e se afastar, me poupando do sermão pelos doces ou por eu falar com a boca cheia.
Demorou alguns minutos até que eu hackeasse a rede e conseguisse acesso quase ilimitado ao celular do criador do tópico, ele não era muito cuidadoso. Não havia praticamente nada no telefone, nenhuma foto, apenas e-mails com recibos ou ofertas de compras. Isso explicava o descuido com a segurança.
— O que vai fazer se for ela mesmo? — Aestus encarou a tela do celular enquanto eu esperava por uma resposta e arrumava a configuração da câmera e das luzes atrás de mim para garantir que nada além de uma sombra fosse vista.
— Uma oferta irrecusável. — Eu sorri de canto, mantendo meus olhos na tela por mais um instante antes que a mensagem da loira surgisse na tela.
*jolly roger são aquelas caveirinhas de pirata.
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