53. PAUL E KIARA
˖࣪ ❛ PAUL E KIARA
— 53 —
A VELHA CAMINHONETE de Bella parou do lado de fora da pequena cabana, seu motor funcionando enquanto esfriava. A garota no banco do motorista desligou a ignição e ficou sentada por um momento, as mãos segurando o volante, enquanto a suave brisa do inverno brincava com as mechas de seu cabelo preto que haviam escapado do rabo de cavalo. Os carvalhos sussurravam segredos acima do local, suas folhas farfalhavam como um público impaciente esperando o início do espetáculo.
— Tudo bem, Kiara, apenas respire. — ela murmurou para si mesma, sua voz era um estrondo baixo que combinava com o som distante das ondas da praia de La Push.
Ela não tinha estado tão perto de Paul desde a explosão deles. Kiara sabia que ela era mal-humorada, mas ele também, e a discussão deles foi explosiva. Pelo bem da matilha e de sua estranha e extensa família de pelos e presas, eles precisavam acalmar as coisas. Ela planejou atropelar, sentindo como se não esticasse as pernas há algum tempo, mas Jacob perguntou se ela poderia levar a caminhonete até a casa deles, já que Bella pediu a ele para substituir algumas peças.
Saindo da caminhonete, ela bateu a porta com um pouco mais de força do que o necessário e começou a andar pela calçada de cascalho, cada passo esmagando o chão como se ela estivesse esmagando sua ansiedade na terra. Ela não conseguia se lembrar da última vez que se sentiu tão ansiosa para falar com alguém. Com tudo acontecendo tão rapidamente com o nascimento de Renesmee, ela realmente não teve muito tempo para sentir... Nada.
— Kiara?
A voz interrompeu seu debate interno e ela se virou, com o coração batendo forte nas costelas. Lá estava Paul, encostado no batente da porta, a postura rígida, os braços cruzados sobre o peito – uma barricada humana de músculos e expressões ilegíveis. Ele usava um short cáqui e uma camiseta preta apoiada em seu torso geralmente nu.
— Ei, Paul. — ela conseguiu dizer, com a voz firme apesar da súbita secura em sua garganta.
— Não esperava ver você aqui. — disse ele, seu tom cauteloso, os olhos estreitando-se ligeiramente. — E aí?
— Não posso passar na casa de um velho amigo sem ter uma agenda? — ela respondeu, tentando injetar um pouco de seu sarcasmo natural nas palavras. Mas a piada não deu certo, caindo entre eles com um baque surdo.
Sua tentativa de ser alegre não conseguiu mascarar a corrente de tensão que pairava entre eles. Havia muita coisa não dita entre eles para ignorar sua aparição repentina, mesmo que ela sempre tivesse sido capaz de fazer isso antes. A testa de Paul franziu, sua própria ansiedade quase palpável no espaço que os separava.
— Kiara... — ele repetiu, sua voz mais suave agora, uma pitada do antigo calor se infiltrando. — Por que você está realmente aqui?
E por um momento, apenas um piscar de olhos, ela quis dar meia-volta e correr de volta para a segurança daquela caminhonete estúpida e feia e para longe da vulnerabilidade que o contato visual com Paul sempre parecia exigir dela. Ele sempre foi capaz de ver através dela. Sempre.
Kiara arrastou os pés, raspando a terra com seu tênis gasto enquanto procurava a indiferença que sempre parecia evitá-la em momentos como este.
— Sabe... — ela começou, sua voz mais firme do que ela se sentia. — Desde as matilhas... Olha, estamos todos conversando de novo. Achei que você e eu provavelmente deveríamos fazer o mesmo.
A postura de Paul mudou ligeiramente, um afrouxamento sutil de seus ombros que sugeria que suas defesas estavam caindo.
— Sim. — ele disse, balançando a cabeça lentamente. — Acho que isso faz sentido.
Ela o observou, notando a forma como seus olhos se desviaram por um momento antes de encontrar os dela novamente. Havia uma vulnerabilidade ali que ela não via nele desde que eram adolescentes, escapando durante a noite para ficar bêbado em sua cabana antes mesmo de seu pai perceber que ela havia partido. Muito antes de seu mundo ter sido perturbado por fases e impressões, antes de cada emoção ser ampliada dez vezes.
Eles podiam não sentir mais aquela atração um pelo outro, mas havia algo tão profundamente platônico em suas veias que nunca os abandonaria. Ambos sabiam disso. Claro, eles tiveram suas impressões - e eram muito gratos por elas - mas platonicamente... Eles sempre estariam unidos.
— Olha, Paul... — Kiara suspirou, cruzando os braços não em defesa, mas em uma imitação inconsciente de sua postura anterior. — Não estou dizendo que vai ser como antes. Mas temos que começar de algum lugar, certo?
— Certo. — ele concordou quase rápido demais, sua voz misturada com um alívio que Kiara captou instantaneamente. A leve curvatura de seus lábios era um sinal revelador que ele não conseguia esconder. Foi uma coisa pequena, aquele quase sorriso, mas falou muito.
Kiara praticamente podia ouvir as palavras não ditas entre eles - as desculpas de Paul, os arrependimentos de ambos e os 'e se' de Kiara que se acumularam como folhas caídas aos seus pés. Outra coisa também. Esperança, talvez. Ou o início da cura.
— Você quer sentar? — ele perguntou, a voz baixa e áspera como cascalho caindo em um riacho. Ele apontou para o pequeno banco encostado na madeira desgastada de sua cabana com uma espécie de graça hesitante.
Os lábios de Kiara se curvaram em um sorriso gentil enquanto ela se movia em direção ao assento oferecido. A nostalgia envolveu seu coração como um cobertor quente enquanto ela se empoleirava na beirada, a madeira desgastada familiar sob as pontas dos dedos.
— Lembra como costumávamos sentar aqui no verão passado, apenas... Observando Jared e Sam fazendo papel de bobos? — ela riu, olhando de soslaio para Paul, seus olhos brilhando com a lembrança. — Todo esse tempo, e eu não tinha ideia sobre toda a coisa do metamorfo.
— Ha, sim. — a risada de Paul foi uma exalação suave, mais ar do que som, mas carregava consigo os resquícios de tempos mais felizes. — Nós nem tínhamos ideia de que você acabaria sendo um de nós também, Kie. Muito menos uma alfa.
Houve uma centelha de orgulho em seu olhar quando ele disse 'alfa', como se, apesar de tudo, ele não pudesse deixar de admirar a força dela. Um silêncio caiu sobre eles, suas palavras perdurando. Foi quebrado apenas pelo leve farfalhar do tecido enquanto Kiara puxava distraidamente as mangas do moletom, os dedos brincando com as bordas desgastadas.
— Você não está com muito calor para isso? — a testa de Paul franziu ligeiramente, preocupação em suas feições enquanto ele olhava para o material grosso do moletom dela. Ele olhou para sua própria camiseta, percebendo que ela também usava jeans mais grossos.
— Tenho estado um pouco calma ultimamente. — ela admitiu, sua voz carregando um tom que sugeria que havia mais na história - mais que ela não estava pronta para compartilhar ainda. Ele sabia que isso aconteceria, que haveria coisas na vida dela das quais ele perderia o privilégio de ouvir. Ele só não esperava que doesse tanto.
Kiara deixou seu olhar vagar pelas feições de Paul enquanto o silêncio se estendia entre eles. Sua habitual personalidade descontraída parecia silenciosa, seu brilho natural quase esmaecido. Uma carranca franziu sua testa quando ela notou a curvatura de seus ombros, as olheiras, o leve vazio em seu rosto...
— Paul... — ela começou, com a voz gentil, mas sondadora. — Você está bem? Sério?
Ela se inclinou para frente, olhando em seus olhos. Eles estavam nublados, como o céu antes de uma tempestade, escondendo emoções estrondosas em suas profundezas. Seu olhar desviou-se dela quase como se o contato visual o tivesse queimado, virando a cabeça para olhar as árvores.
— O que você quer dizer? — houve uma leve inclinação em sua cabeça, uma pergunta em sua expressão cautelosa.
Foi então que ela percebeu – o cheiro que permanecia ao redor dele, não muito certo, misturado com o sabor salgado do oceano e o almíscar terroso da floresta. Foi enfraquecido por outra coisa, um aroma de inquietação que Kiara não tinha notado até agora. Um aroma que ela conheceu imediatamente, que ela conhecia muito bem.
— Você está parecendo... Bem, mais ou menos como eu fiz quando tentei me livrar da minha... Você sabe. — disse ela, parando quando a memória de sua própria turbulência veio à tona. — Quando eu estava tentando rejeitar minha marca.
Seu olhar se desviou, pousando em algum lugar além do ombro dela. A floresta ao redor deles parecia prender a respiração, esperando pela resposta dele. Kiara observou enquanto os músculos de sua mandíbula se contraíam levemente, traindo a luta interior que ele mantinha escondida atrás de uma fachada de indiferença.
Merda - ela estava certa.
— Paul... — Kiara continuou, sua voz suave, mas insistente. — Você está se punindo, não está? — suas palavras pairaram no ar, delicadas, mas carregadas de preocupação.
O silêncio que se seguiu falou muito. Ele não precisou confirmar nada; a mudança sutil em sua postura, a forma como suas mãos cerraram os punhos e depois relaxaram, transmitiam a admissão que ele não estava pronto para expressar em voz alta.
Kiara estendeu a mão timidamente, a mão pairando logo acima do braço dele antes de fazer contato - um toque destinado a aterrar, para lembrá-lo de que, apesar de tudo, ela estava lá para ele. Sua própria ação quase a surpreendeu, mas ela deixou sua diversão de lado.
— Olhe para mim, Paul. Não me importo se estamos conversando ou não. — disse ela, suas palavras cortando a tensão como uma faca na manteiga. — Você não pode continuar fazendo isso consigo mesmo.
— Ela não vai me ver, Kiara. — ele admitiu, com uma nota de derrota em seu tom. Um suspiro escapou dos lábios de Paul quando ele finalmente encontrou o olhar de Kiara. — E talvez... Talvez seja melhor assim. Ela merece alguém melhor... Alguém bom.
— Pare com isso. — disse Kiara, sua voz firme, mas gentil. — Você ao menos se ouve? Você é uma das pessoas mais leais e apaixonadas que conheço. Vi como você é com Rachel. Não consigo imaginá-la apaixonada por mais ninguém.
— Como você pode dizer isso? Eu literalmente tentei te matar? Como diabos é ser leal?
Kiara não vacilou com suas palavras, em vez disso lançou-lhe um sorriso triste.
— Você foi leal, Paul. — ela murmurou, sua voz um pouco mais tensa agora. — Só não para mim.
Os ombros de Paul caíram, suas defesas desmoronando sob o peso da sinceridade de Kiara. Ele sabia onde ela queria chegar e era verdade. Ele havia escolhido um lado e planejava acompanhá-lo até o fim - não importava quanto custasse. Ele sabia que estava errado agora, mas isso não mudava isso.
Ele se recostou, seu olhar se desviou para um ponto em algum lugar distante. O sol estava mergulhando no céu, pintando longas sombras em seu rosto, dando-lhe um brilho quase etéreo. Era como se ele estivesse reunindo forças dos últimos raios de luz do dia para o que tinha a dizer a seguir.
— Kiara... — ele começou, sua voz cheia de desculpas silenciosas. — Eu me arrependo, sabe? Não ter ido com você quando você deixou a matilha de Sam. Eu estava tão preso em minha própria raiva e lealdade... Pensando que estava protegendo algo sagrado. — Ele balançou a cabeça, olhando para as mãos entre os joelhos. — Eu não vi até que Jacob teve um imprinting com Renesmee. Então... Tudo deu certo.
Ela o observou, seus olhos escuros refletindo a luz fraca, uma brisa suave bagunçando seu cabelo preto. Não houve julgamento em sua postura. Ela só queria saber onde isso estava indo.
— Paul, eu não entendi então. — admitiu Kiara, com a voz firme, mesmo enquanto ela puxava um fio solto do moletom mais uma vez, um hábito nervoso mais recente do qual ela não conseguia se livrar. — Mas eu sei agora. Vai levar algum tempo para te perdoar pelo quão longe você foi, você sabe toda aquela coisa de 'tentar me mata '... Mas posso ver de onde você veio.
Estava claro que as palavras dela haviam chegado até ele, atravessando o espesso véu de dúvida que obscurecia seu julgamento.
— Veja, se alguma coisa ameaçasse Rose... — ela parou, uma proteção feroz brilhando em seus olhos, um brilho do alfa dentro. — Não quero pensar no que faria.
Eles caíram em um silêncio confortável, Kiara cruzando os tornozelos enquanto a brisa ficava mais fria com o sol começando a desaparecer.
— Você vai assumir o controle da matilha de Sam? — Paul perguntou, quebrando o silêncio que se instalou entre eles como um manto de neve. Ela balançou a cabeça, uma mecha solta de cabelo preto caindo sobre seus olhos.
— Não. — ela respondeu, com a voz firme apesar da vibração em seu peito. — Eu queria falar com você primeiro, antes de contar o resto. Eu não quero o título alfa. E... Eventualmente estarei deixando Forks com os Cullen. Sam está bem há anos. Estou contente com minha própria pequena matilha.
Paul permaneceu em silêncio, com o olhar fixo em algum ponto acima do ombro de Kiara. Então, como se fosse puxado por uma corda invisível, os olhos dele encontraram os dela mais uma vez.
— Você poderia... Você me levaria? — sua voz vacilou, traindo a vulnerabilidade que ele raramente demonstrava.
O coração de Kiara deu um pulo.
— O que você quer dizer? — sua voz era pouco mais que um sussurro. Ela sabia o que ele queria dizer. Ela só precisava ouvir.
— Posso me juntar a sua matilha? Sair da de Sam?
Lá estava. Por um momento, Kiara ficou sem palavras. Os pensamentos corriam por sua mente, rápidos demais para serem captados.
— Paul, você não precisa tomar essa decisão para eu perdoar. — sua voz era firme, mas não cruel. Ela precisava que ele entendesse que seu perdão não poderia ser negociado ou conquistado – tinha que ser conquistado e sentido.
— Não se trata de perdão, Kiara. Sinto falta da minha melhor amiga.
Ele balançou a cabeça, um pequeno sorriso aparecendo no canto dos lábios, um vislumbre do garoto que costumava ser seu confidente mais próximo. Seus olhos castanhos continham uma sinceridade que ressoava profundamente dentro dela, quase como se as coisas nunca tivessem mudado entre eles.
— Se você não pode me perdoar, vou conviver com isso. Mas só quero estar ao seu lado.
Kiara se recostou, o velho banco de madeira embaixo deles gemendo em protesto enquanto ela esticava as pernas. O sol finalmente havia mergulhado no horizonte, deixando um céu em aquarela de roxos e azuis que parecia refletir a vibração de La Push.
— Paul... — ela começou, sua voz tingida de um cansaço que desmentia o impacto emocional do dia. — Você deveria dormir bem. — ela o observou atentamente, a maneira como sua mandíbula se contraiu levemente, um sinal revelador de sua luta interna.
Os olhos de Paul se voltaram para ela, uma tempestade de pensamentos por trás de seu olhar cauteloso. Ele assentiu lentamente, reconhecendo a verdade nas palavras dela, sem se render a elas completamente.
— Vem comigo para a casa do Sam? — Kiara ofereceu, seu tom mais leve agora, um ramo de oliveira estendido no crepúsculo refrescante. — Eu tenho que deixar todo mundo saber da minha decisão... Que eu não vou assumir e transformar La Push em algum tipo de império de lobos lobisomens.
Uma risada escapou dos lábios de Paul, um som áspero, mas genuíno.
— Mega matilha, hein? — ele refletiu. — Parece algo saído de uma história em quadrinhos.
— Exatamente. — ela respondeu com uma risada suave, saindo do banco e se levantando. — E eu não sou nenhuma super-heroína.
Paul não tinha tanta certeza se concordava com isso. Ela certamente não era como o resto deles - ela era como um diamante em uma mina de carvão.
O cascalho rangeu sob seus pés enquanto eles caminhavam de volta para a caminhonete de Bella, uma pequena careta em seus lábios enquanto ele olhava para o lixo surrado. Ele nunca entendeu a obsessão de Bella com a coisa, e ele meio que imaginou que os Cullen já teriam comprado um substituto para ela. Ele realmente não se importava muito - ele estava apenas feliz por Kiara ter decidido ir buscá-lo.
Quando Paul abriu a porta do passageiro e sentou-se no banco ao lado dela, o canto da boca se contraiu para cima, tentando e não conseguindo suprimir o sorriso que ameaçava se libertar. Foi uma pequena vitória, e Kiara captou o breve brilho de felicidade em seus olhos antes que pudesse escondê-lo.
Pela primeira vez em muito tempo, ambos se permitiram apenas respirar – existir neste momento fugaz de paz. E para Paul, aquela trégua tácita, aquela conversa única e livre de conflitos, foi uma centelha de esperança na noite tranquila.
★
O riso borbulhou no peito de Kiara enquanto ela pressionava seus lábios nos de Rosalie de brincadeira. O som do gemido exagerado de Emmett ecoou no grande hall de entrada da casa dos Cullen, misturando-se com o farfalhar das folhas de outono lá fora como uma melodia familiar.
— Arrumem um quarto. — Emmett brincou, sua voz envolta em falso desgosto, mas suavizada pela corrente de calor familiar.
— Com ciúmes, Em? — Kiara respondeu, seus olhos dançando de alegria. — É difícil ser tão adorável.
Rosalie abriu um raro sorriso reservado apenas para esses momentos com Kiara. Emmett, no entanto, fez uma careta e bufou enquanto Beverly ria, simplesmente revirando os olhos com as brincadeiras deles.
— Fique segura. — Kiara sussurrou para Rosalie, enquanto o grupo de Cullen se preparava para escapar para o abraço denso da floresta para sua caçada. Eles não tinham nada com que se preocupar – as mochilas estavam desamarradas e nenhuma ameaça conhecida estava escondida nas árvores.
— Sempre sou. — Rosalie respondeu, com a voz baixa e tranquilizadora, antes de se virar para se juntar à sua família. Com um aceno final, os vampiros se dispersaram, deixando para trás nada além do eco de sua partida.
Quando a porta se fechou com um clique elegante, o silêncio caiu sobre a casa como um cobertor macio. Kiara virou-se para Carlisle, sua expressão mudando perfeitamente de alegre para solene.
— Kiara? — ele perguntou gentilmente, encorajando-a a falar.
Esme, a única outra vampira que escolheu ficar para trás, pairava por perto. Seus sentidos aguçados captaram a tensão que agora pairava no ar, fazendo com que seus lábios formassem uma linha tensa quando ela percebeu a maneira como sua (espero) futura nora estava olhando para o marido.
— Está tudo bem, Kiara? — Esme perguntou, sua voz cheia de preocupação.
Kiara arrastou os pés, o silêncio pesado envolvendo-a como um xale. Ela olhou entre os dois, mordendo o lábio inferior - um preâmbulo silencioso para a tempestade de palavras que fervia dentro dela. Seus dedos brincavam nervosamente com o pequeno colar em volta do pescoço, aquele que Alice havia lhe dado antes do casamento de Edward e Bella.
— Carlisle... — ela começou, sua voz era uma estranha mistura de hesitação e franqueza. — Você acha que poderia pegar sua maleta de médico para fazer alguns testes à moda antiga?
A confusão era quase cômica nas feições refinadas do vampiro diante dela. A cabeça de Carlisle inclinou-se para o lado, suas sobrancelhas franzidas em uma demonstração de preocupação que teria sido divertida se os nervos de Kiara não estivessem dançando sapateado na corda bamba.
— Teste? — ele repetiu, seu tom misturado com curiosidade e preocupação. — De que tipo de mudanças estamos falando aqui, Kiara?
— Apenas algumas coisas... Tenho notado ultimamente. Nada grave, eu juro. Mas acho que é melhor prevenir do que remediar, certo?
Esme deu um passo à frente, sua mão indo até o ombro de Kiara, um toque leve como uma pena, mas carregado de empatia.
— Você falou com Rosalie sobre isso? — Esme perguntou, sua voz suave como seda, mas firme com a corrente de autoridade matriarcal.
— Não, não adianta mexer a panela a menos que haja algo realmente cozinhando, sabe? — Kiara disse, balançando a cabeça com desdém, um lampejo de sua teimosia característica brilhando.
Eles começaram a se mover, seus passos ecoando suavemente contra o chão polido enquanto se dirigiam para o escritório de Carlisle, enquanto Esme continuava tentando descobrir o que estava acontecendo.
— Edward não ficará fora do circuito por muito tempo — Esme acrescentou, com uma nota de cautela em suas palavras. — Ele saberá dessa conversa assim que voltar.
— Deixe-o. — Kiara rebateu com um sorriso malicioso, sua confiança aumentando. — Ele me deve muito desde que interpretei o super-herói com a filha dele. Além disso, um pouco de mistério nunca fez mal a ninguém.
O trio entrou no escritório de Carlisle, o espaço repleto de livros e instrumentos, uma prova de sua busca secular pelo conhecimento. Kiara meio que odiava esse quarto agora - era uma lembrança dos momentos caóticos de sua vida que constantemente a traziam de volta para cá.
— Tudo bem. — Carlisle disse, arregaçando as mangas tanto metaforicamente quanto fisicamente. — Vamos ver o que está acontecendo com nosso lobisomem residente.
Sua voz carregava uma leveza, mas por baixo estava a preocupação inabalável que ele não conseguia esconder. Kiara sentou na cadeira de exame com mais graça do que sentia, o couro rangendo sob ela. Balançando a cabeça, ela se concentrou novamente em Carlisle.
Kiara balançou as pernas para frente e para trás como um pêndulo, o movimento quase no ritmo do relógio na parede de Carlisle. Ela não pretendia transformar isso em um experimento científico, mas aqui estava ela.
— Ok, então é como se... O termostato pessoal do meu corpo estivesse fora de sintonia. — Kiara começou, sua voz firme apesar da estranheza da situação. — Percebi que quando não como ou bebo muito, ao anoitecer estou praticamente com frio.
Carlisle estava diante dela, seu rosto marcado pela reflexão enquanto refletia sobre seus sintomas. Ele distraidamente bateu um dedo no queixo, um hábito que parecia ignorar sua quietude vampírica.
— Uma flutuação como essa certamente seria motivo de alarme em um ser humano. — ele meditou, seu tom leve, como se estivesse discutindo um quebra-cabeça intrigante, em vez de uma anomalia médica. — Mas você, Kiara, suas habilidades de cura são... Excepcionais. Elas provavelmente estão compensando. Pode não ser motivo de preocupação neste momento...
Ele notou seu olhar aguçado e pigarreou.
— Mas é claro, farei alguns testes.
Esme pairava por perto, sua presença estimulante como sempre. As linhas de preocupação que brevemente tomaram conta de suas feições diminuíram com a análise de Carlisle.
— Você está com alguma dor? — Esme perguntou a Kiara, percebendo como ela estava achando difícil ficar parada.
— Não, nada. — Kiara respondeu com um rápido aceno de cabeça. — Honestamente, me sinto muito bem. É como se tudo tivesse sido ajustado um pouco. Minha visão é insana na forma de lobo... Tipo, insana em alta definição. E minha audição? Digamos apenas que eu provavelmente poderia escutar o batimento cardíaco de uma pulga no momento. Ele vem e vai.
— Interessante. — Carlisle disse, seu fascínio claro como a luz do dia. — Parece que você pode estar experimentando melhorias em todos os aspectos.
— O que? Como o modo de inicialização do Mario Kart? — Kiara brincou, o canto da boca se erguendo em um meio sorriso. Seu sarcasmo era um escudo, um desvio da incerteza que a atormentava. Carlisle e Esme claramente não tinham ideia do que ela queria dizer, mas sorriram para ela de qualquer maneira.
Foram esses momentos, aninhados na bizarra tapeçaria de suas vidas, que a deixaram grata por esta família estranha e improvisada. Com a destreza de alguém que já fez isso milhares de vezes, Carlisle tirou uma amostra do sangue dela, com as mãos firmes e seguras.
— Vamos dar uma olhada no que está acontecendo nos bastidores, certo? — Carlisle sugeriu, meio para si mesmo, enquanto depositava a amostra em uma lâmina de vidro. Kiara observou-o, com curiosidade despertada, enquanto ele deslizava a amostra sob o microscópio e espiava pela ocular. Esme estava por perto, sua expressão era uma mistura de preocupação maternal e intriga.
As sobrancelhas de Carlisle se ergueram, e uma risada silenciosa escapou dele, liberando um som que não combinava muito com a situação, mas era tão inerente a Carlisle que não despertou preocupação. Kiara esticou o pescoço, tentando ver o que nela agora poderia divertir um vampiro de sua idade e sabedoria.
— Algo engraçado? — Kiara perguntou, o canto dos lábios se contraindo apesar do desconforto que fazia cócegas em sua espinha.
— Muito pelo contrário. — ele respondeu sem erguer os olhos. — É fascinante. — ele se endireitou então, gesticulando para que Kiara se aproximasse. — Você tem uma fisiologia única, Kiara. Mesmo para os nossos padrões. Suas células sanguíneas. — Carlisle começou, sua voz misturada com um entusiasmo acadêmico que poderia fazer até mesmo o assunto mais árido parecer atraente. — As células de veneno de nossa espécie - elas estavam presas às suas, coexistindo. Mas agora...
— Eles se fundiram? — Esme adivinhou, sua voz suave, mas segura.
— Você só pode estar brincando comigo. — Kiara suspirou, recostando-se na cadeira e gemendo. Ela estava realmente farta disso. Por que ela não podia ter um único momento sem que algo totalmente estúpido e bizarro acontecesse com ela? Era como se alguma força vinda de cima estivesse afetando sua vida, provocando reviravoltas na trama sem motivo aparente.
— De fato. — Carlisle assentiu, seus olhos brilhando com intriga. — Eles se tornaram algo novo. Uma espécie de híbrido. É como se eles tivessem... Evoluído.
— Evoluiu? — a palavra ecoou na cabeça de Kiara. Evoluiu para quê? Imagens de criaturas monstruosas de mitos e lendas passaram por seus pensamentos, nenhuma delas reconfortante. Seu orgulho lupino recusou a ideia de ser outra coisa senão puramente, simplesmente isso.
— Seu corpo se adaptou, criando uma simbiose que nunca vi antes. Você ainda é muito Kiara, mas melhorada.
— Vou crescer presas ou brilhar à luz do sol a seguir? — ela disse, embora não houvesse humor em seu tom. Carlisle reprimiu um sorriso, sabendo que ela provavelmente já estava se imaginando exposta como uma bola de espelhos.
— Improvável. — Carlisle assegurou-lhe, um sorriso tocando seus lábios. — Mas fique tranquila, monitoraremos isso de perto.
— Ótimo. — Kiara suspirou, o sarcasmo de volta com força total. — Sempre quis ser um experimento científico.
Kiara mexeu-se desconfortavelmente na cadeira de exame médico, o pé batendo num ritmo errático contra o chão estéril. A ideia de abrigar atributos de vampiro fez seu interior se contorcer; era como se seu próprio DNA estivesse traindo sua herança lupina. Ela quase podia ouvir os grunhidos coletivos de seus ancestrais ecoando através do tempo, a desaprovação deles ressoando com a dela.
— Podemos... Apenas manter isso entre nós? — Kiara perguntou, seu olhar passando dos olhos compassivos de Esme para os olhos analíticos de Carlisle. — Quero dizer, até que realmente entendamos o que está acontecendo aqui.
— Claro, Kiara. — Esme disse suavemente, apertando seu ombro antes de recuar. — Sua privacidade é fundamental e nós respeitamos isso.
Os estrondos vibrantes da risada humana de Bella entrelaçados com as risadas mais profundas e ressonantes de Jacob subiram pelas tábuas do piso, puxando Kiara de volta ao presente.
— Falando em lidar com as coisas...
Com isso, Kiara virou-se e caminhou em direção à escada, o som da alegria de seus entes queridos agindo como um toque de sereia.
O sorriso de Carlisle desapareceu quando ela saiu da sala.
★
A risada de Bella tilintou como sinos de vento enquanto ela observava Renesmee estender sua mão pequena e enluvada em direção ao céu, tentando pegar os flocos de neve únicos que serpenteavam do dossel cinza acima. Cada cristal de gelo desapareceu ao tocar sua pele quente, deixando apenas uma gota de água e uma risada de prazer.
Não muito longe delas, a forma corpulenta de lobo de Jacob se lançava de brincadeira ao redor da garota, seu pelo espesso eriçado a cada movimento, imune ao abraço frio da neve. Kiara revirou os olhos, sabendo muito bem que os outros irmãos da matilha lhe diriam que ele estava degradando a imagem deles.
— Você acredita nisso? — Bella disse, seu casaco grosso contrastando fortemente com Kiara, que estava ao lado dela vestindo apenas um suéter e jeans, sua respiração visível no ar gelado, mas seu comportamento não se incomodava com o frio. — Finalmente, um pouco de paz... E podemos aproveitá-la com um pouco da magia do inverno.
Os lábios de Kiara se curvaram em um sorriso malicioso, seus olhos brilhando com a mesma faísca travessa que frequentemente dançava nos de Jacob.
— Eu sei, certo? Tem sido um caos sem parar. Não consigo me lembrar da última vez que simplesmente saímos juntas, sem que o mundo acabasse ou algo assim.
— A conversa de garotas tem sido escassa. — Bella concordou, puxando o casaco mais apertado em volta dela, como se para enfatizar a normalidade que ambas desejavam por tanto tempo. Ela realmente não sentia frio, mas era um hábito humano que ela aparentemente mantinha.
— Definitivamente atrasado. — Kiara assentiu, seu olhar seguindo as travessuras brincalhonas de seu irmão e sobrinha. Ela então olhou para Bella, sua expressão suavizando. — Mas ei, olhe para nós agora - nos alcançando no meio de uma floresta encantada. Muito perfeito, hein?
— Mais do que. — Bella disse, os cantos de sua boca se erguendo em um sorriso que alcançou seus olhos.
Elas compartilharam um momento de silêncio confortável, cada mulher perdida brevemente em seus pensamentos antes de Bella quebrar a quietude.
— Honestamente. — ela sorriu para Bella. — Eu culpo você e Edward por iniciarem toda essa epidemia de insanidade. Vocês dois ficando... Ocupados dispararam algum alarme cósmico.
A risada de Bella ecoou, clara e desprotegida.
— Bem, se for esse o caso, não sinto muito. Nem um pouco. — disse ela, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Especialmente agora que nós dois somos... Bem, você sabe.
— Vampiros? — Kiara brincou, arqueando uma sobrancelha. — Imortal? Inquebrável...
— Exatamente. — Bella assentiu com um sorriso malicioso. — É diferente, intenso... Mais do que eu jamais imaginei. — suas bochechas poderiam ter corado se ainda pudessem. Ela olhou para onde Renesmee e Jacob estavam perdidos em seu próprio mundo de flocos de neve, risadas e latidos - uma imagem de inocência em meio à conversa de paixão que as duas garotas estavam tendo.
— Não posso dizer que estou surpresa. — respondeu Kiara com um sorriso conhecedor. — Corpos imortais, toda essa força? Parece uma receita para alucinantes...
— Tudo bem. — Bella interrompeu, rindo. — Sua vez. Fale sobre você e Rosalie.
— Ah. — Kiara suspirou, seu sorriso suavizando enquanto ela olhava para longe, provavelmente imaginando sua amante loira e feroz. — Nossa primeira vez foi na noite de núpcias. Acredite, foi... Mais incrível do que qualquer sonho... Não tivemos muito tempo depois disso - com toda aquela coisa da Nessie - foi muito, mas as coisas mudaram. E agora tem sido... Realmente ótimo desde então. Eufórico, até.
A enorme forma de lobo de Jacob, um borrão avermelhado contra a floresta coberta de neve, parou abruptamente de brincar com Renesmee. Em vez disso, ele lançou um olhar penetrante através da clareira em direção a Bella e Kiara. Seus olhos grandes e expressivos diziam mais do que palavras jamais poderiam: chega de aventuras românticas de sua irmã.
— Opa. — Kiara murmurou baixinho, um sorriso malicioso brincando em seus lábios quando ela captou a dica não tão sutil de Jacob. — Parece que estamos escandalizando a vida selvagem.
— Acho que deveríamos mudar de assunto. — Bella concordou, sua voz misturada com diversão enquanto ela enrolava o casaco mais apertado em volta dela. Ela olhou para a marca no colarinho de Kiara, onde o amor de Rosalie havia deixado uma impressão indelével. — A propósito, como está a mordida? Ainda incomoda você?
Kiara estendeu a mão instintivamente, seus dedos roçando a cicatriz agora familiar. A sensação era estranha - como um lembrete constante de algo fervendo logo abaixo da superfície, perigoso mas emocionante. A conversa dela com Carlisle naquele dia ressoou em sua cabeça, um arrepio quase percorrendo seu corpo.
— É estranho, sabe? Ter veneno em mim, mas não... Mudar. — ela encolheu os ombros, tentando ser indiferente. — Mas estou me acostumando.
Bella estudou o rosto de Kiara, procurando por qualquer sinal de desconforto ou arrependimento. Ela não tinha certeza se Kiara estava sendo totalmente sincera com ela, mas sabia que era melhor não sondar.
— É bom saber que você está conseguindo. — Bella disse, balançando a cabeça, tranquilizada pela aparente facilidade de sua amiga.
— Gerenciar é meu nome do meio. — Kiara brincou com um sorriso, seu olhar piscando brevemente para o local onde Renesmee estava pulando no ar – mais alto do que qualquer criança humana seria capaz de fazer.
— Ei, olhe isso. — disse Kiara de repente, com a cabeça inclinada para o lado como um cachorrinho curioso. Ela apontou para um aglomerado de pinheiros congelados ao longe, onde flocos caíam preguiçosamente. — Acho que não somos os únicos a gostar da neve.
Bella seguiu o olhar de Kiara e apertou os olhos, encontrando o contorno de uma figura parcialmente obscurecida por um véu de neve branca. Uma sensação de familiaridade a invadiu, reconhecimento instantâneo cruzando seu rosto enquanto ela olhava para a mulher.
— Irina? — ela gritou timidamente, sua voz cortando o silêncio.
A figura enrijeceu, um cervo apanhado pelos faróis do reconhecimento, depois virou-se e fugiu com uma rapidez que falava de mais do que mera surpresa - uma fuga marcada pelo medo ou talvez pela culpa. A forma em retirada de Irina logo foi engolida pela espessa tela de árvores, deixando para trás nada além de uma sensação fugaz de desconforto.
— Bem... Isso foi estranho pra caralho. — Kiara disse, Renesmee gritando que ela precisava colocar dinheiro no pote de palavrões. Kiara olhou para ela, revirando os olhos. Para uma criança com pais imortais e uma conta bancária sem fim, ela realmente gostava de roubar dinheiro dela e de Emmett sempre que podia.
— Sempre a esquiva. — Bella murmurou, franzindo a testa ligeiramente. — Ou talvez ela ainda não tenha superado aquela coisa com Laurent.
Enquanto Bella observava sua filha e o irmão de sua melhor amiga, uma onda de contentamento a encheu. Parecia uma pausa no tempo, uma respiração profunda para saborear a paz que eles lutaram tanto para encontrar.
— As coisas estão realmente melhorando, não estão? — Kiara refletiu em voz alta, sua voz suave, quase melancólica. Bella assentiu, seu coração ecoando o sentimento.
— Definitivamente. — Bella respondeu.
Mesmo quando as palavras saíram de seus lábios, Kiara não conseguiu afastar a sensação de que esse interlúdio tranquilo era apenas a calmaria antes de outra tempestade. Ela só esperava estar incrivelmente errada.
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— Eu tenho que denunciar um crime. Os Cullen... Eles fizeram algo terrível... Duas vezes.
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