ⓗⓐⓡⓡⓨ ①
Amanda amassa a folha de papel e joga para o outro lado do quarto, ela realmente quer esquecer sobre, porém é quase impossível.
Capítulo 1
São Paulo
Julho
O dia está partindo aos poucos e as únicas fontes de luz visíveis são as dos postes e das estrelas, os grilos trazem a melodia para o local junto as cigarras e tanto outros insetos. No quarto, a única claridade que passa pelas cortinas de ceda é a radiante luz vinda de um orbe acinzentado no céu. Harry olha fixamente para a lua e esboça a sensação de tristeza, seu travesseiro já está encharcado de tantas lágrimas derramadas somente naquela tarde. As situações soavam muito confusas em sua mente e ele não sabe como lidar, na verdade ele nunca soube.
Harry deseja se libertar da frieza de seu coração, assim como de sua falta de sentimentos. Cada dia a apatia o consume e tudo que ele faz é chorar como se nunca tivesse sofrido antes. Ele nunca entendeu o porquê daquilo tudo, ele sempre procurou respostas em suas memórias, mas nada disso foi o suficiente e nunca será.
As pessoas não ficarão para sempre em nossas vidas, mas mesmo assim é tão difícil deixá-las para trás. Ele poderia fazer um resumo de quantas pessoas ele supostamente havia amado e se dado mal, só que dessa vez é diferente, ele está realmente disposto a abandonar todos que o ama para recomeçar. A transferência para uma faculdade holandesa havia sido aprovada a poucos meses atrás, agora faltando somente aprovação de seu visto, que foi confirmado esta tarde.
A realidade deu-lhe um balde de água fria e agora não há outra saída sem ser amadurecer e deixar fugir. Ele não tem mais como adiar isso, infelizmente.
São Paulo – Roterdã
Agosto
— Mãe para de chorar, as pessoas estão olhando para nós.
Nenhum ser superior conseguirá demonstrar o tamanho amor vindo de uma mãe.
— Promete quando chegar lá irá me ligar?
— Prometo...
— Não terminei de falar, eu quero que me ligue sempre, sem exceções. Pelo amor de Deus se alimente direito e não pule refeições como você sempre faz. — Rosana põe suas mãos nos braços de Harry e os aperta bem forte, nem aquele imenso casaco azul conseguia esconder a sua magreza. — Olha como você está desnutrido filho, não faça isso com sua mãe.
Realmente, mas nada que exagero de mãe não piore.
— Mãe, logo, logo vão encerrar a chamada
— Harry por favor, não se meta em encrencas. Nem pense em fumar, ou beber, roubar, ou qualquer coisa do tipo. Não faça nada que te faça ser deportado.
— Rosana você está indo longe demais. Harry já tem 19 anos e já é um adulto, ele consegue distinguir certo do errado. — O seu pai sempre foi oposto de sua mãe, posso descrever como direito e frio.
— É isso que vai dizer o seu filho John? — Os olhos azulados dela já se afundava em lágrimas a muito tempo.
— Você ficará sobre bons cuidados de sua irmã, não precisa ter medo. Eu também contratei uma comissária para te verificar durante todo o trajeto, ela irá te vigiar durante as conexões para que você não saia do avião e faça sei lá o quê. — Harry odiava o sotaque britânico de seu pai, e estava certo que não iria sentir falta disso.
A voz da funcionária anunciou a última chamada do voo e aquele clima de tensão foi reduzido. Rosana estava a chorar ao ver seu filho partindo aos poucos, já John tentava amenizar aquela cena. Ele encostou o rosto dela em seu ombro e passava a mão de forma sútil nos cabelos escuros de sua esposa. Ela não estava pronta para isso. Ninguém estava...
Enquanto Harry aguarda a imensa fila em sua frente, ele dá uma olhada em sua passagem e analisa os destinos. O primeiro voo parte de São Paulo para Salvador, de Salvador para Paris, e finalmente de Paris para Roterdã. No total, mais de 10 horas de voo.
Após todo o processo de fila, analisar passagem, marcar o acento, guardar bagagem de mão, e.... a é muita coisa para narrar sabe? Harry se dirige a sua poltrona econômica ao lado da janela. Ele se sentiu ao menos sortudo por ficar em um lugar tão agradável como este. Por um momento ele se sente tranquilo e confortável. Harry está tão aconchegado que adormeceu durante o voo, e acordou somente para o serviço de bordo. Na verdade, quase não acordou... o passageiro ao seu lado precisou cutucá-lo mais de cinco vezes até.
Em meio de seus doces sonhos a comissária que vestia trajes vermelho com azul, tentou despertá-lo novamente. Com os toques e a serenidade de uma voz, Harry acordou e se assustou a reparar que os dois passageiros o olhava com impaciência. Ele passou a mão em seu cabelo escuro e coçou os olhos, tentando amenizar o seu sono.
— Senhor, precisa ajustar o acento, nós iremos pousar— a aeromoça não demonstrou cautela.
— Já saímos do país?
— Ainda não, esse voo é uma conexão, ajuste o acento, não vou falar novamente.
Estou cativada pela delicadeza
Harry até tenta voltar a dormir, porém isso se torna impossível, o barulho e o balanço do avião dificulta todo processo. Depois do pouso, começou o fluxo de passageiros, aquilo lhe deixava desapontado, pois agora terá que aguentar a dura realidade.
Em meio daquele corretor pequeno e com chão aveludado, uma garota com cabelos claros, assim como seu tom de pele, caminha segurando um papel. Seus olhos estão focados no papel mas também mudam o foco na numeração da poltrona. E assim fica: papel, poltronas, papel, poltronas, papel... BINGO, POLTRONA. Eu não sei se alguém já passou por isso aqui, então eu não hesito em explicar.
Além de dor de dente, a pior situação do Mundo é quando você reserva o acento do meio, isso mesmo, o do meio. "Tá, mas por que o acento do meio é tão ruim assim? ", simples. Porque está no meio. Você precisa pedir licença para quem está do seu lado quando for sentar, só que também precisa dar espaço caso a outra pessoa queira se levantar, e novamente, pedir licença para outra. Fica nesse loop até o destino.
Então, seguindo essa lógica, a garota solicita ao passageiro da poltrona direita que se levante para que ela possa sentar no acento do meio. Após essa tortura psicológica de ambos os lados, a aeronave estava pronta para decolagem, as portas foram fechadas, todas as poltronas em posição ereta, mesas e persianas das janelas travadas.
Em meio das instruções de voo a garota do meio cutuca o braço de Harry (que estava na segunda pior hierarquia de acentos, o acento perto da janela) buscando a sua atenção.
─ Só eu amo viajar de avião? ─ em inglês ela pergunta.
Ele não parece se importar, ou melhor, não se importa.
─ Eu falei com você cara pálida ─ ela insistiu.
─ Parece que só você mesmo.
─ Para que esse mau humor? Você está em voo internacional, ânimo!
─ Vocês dois podem ficar quietos por favor! Eu quero ouvir as instruções da aeromoça ─ a senhora ao lado deles ─ que ocupa o topo da hierarquia dos acentos─ reclamou.
─ Desculpa, eu irei falar mais baixo ─ a moça aguardou um pouco, mas retornou o assunto ─ Jura que nem um pouco?
─ Não ─ ele diz firme.
─ Parece que alguém aqui não está tendo um dia bom.
Harry deu um suspiro de pura frustação.
─ Olha a TV já está disponível, você poderia ligar e assistir. E ficar queita.
─ Cara pálida nesse momento você tem apenas duas opções, passar mais de 12 horas de voo calado e escutando essas músicas ruins, ou vendo esses filmes de cartazes pela décima vez. OUU, você tem a excelente oportunidade de aproveitar a minha humilde companhia.
Dessa vez Harry a observou da cabeça aos pés e logo após retirou os seus fones de ouvidos.
─ Olhando você em poucos detalhes, eu assumo que não eres nada humilde ─ a garota soltou um pequeno sorriso ao escutar isso ─ Você tem certeza que está na classe certa?
─ Hmmm, eu nem estou usando tão roupas caras, esse sobretudo é da Balenciaga, o vestido e a tiara da Prada.
─ Você está usando um Louboutin, isso é literalmente, sei lá, um rim e um pedaço do fígado?
─ Como você sabe? ─ ela olhou para os sapatos.
─ Eu não preciso de muito para saber de um sapato que tem fundo vermelho.
Ela riu, ou melhor gargalhou, gargalhou ao ponto de os passageiros olharem em volta. Claro que não pode faltar a clássico sonzinho de porco.
─ Mas você não respondeu minha pergunta, está na classe certa?
─ Claro que eu estou, o que você espera? Primeira classe?
─ Exatamente ─ Harry, um homem de poucas palavras.
─ Bom após gastar o dinheiro do meu pai em uma viagem paradisíaca na Guiana Francesa, achei que ir na econômica não seria tão ruim.
─ Pobre menina rica.
─ Se eu fosse ruiva, a gente poderia estar no Titanic.
─ Isso é bom?
─ Não ─ ele riu ─ nem um pouco.
E mais ou menos assim que aquela viagem foi, talvez alguém fale que eu sou óbvia demais e que esses dois provavelmente terminarão juntos, ou apenas diga que eu forcei uma conversa, estranhos não conversam tão bem assim. Mas, eu não acho que esse é o ponto, quantas pessoas ótimas passaram por nós? Quanta vezes nos prendemos a pequenos a detalhes, conversas e risadas? Todas essas pessoas significaram algo além?
É mais ou menos isso que passou pela cabeça de Harry, durante aquele tempo e com aquela companhia, foi um fator para melhorar um pouco do seu dia. Ele talvez nunca verá essa garota novamente, ele nem sabe o seu nome. Assim será.
Ou talvez não.
Não se deliberam sentimentos; ama-se ou aborrece-se, conforme o coração quer.
-Machado de A.
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