Capítulo Quatorze
Lembre-se todos, as rebeliões sempre
começam internamente.
Recordo-me com clareza do dia em que meu pai foi embora. Para mim não houve despedidas, e nem ao menos sei se ele chegou a dizer algo para mamãe. Sua partida foi simples, fui me deitar com a consciência de que meus pais estavam deitados no quarto ao lado e acordei encontrando apenas minha mãe na casa. Havíamos sido abandonadas.
Sempre me perguntei como era possível uma pessoa deixar tudo para trás. Esquecer das pessoas com quem compartilhou seus dias. Abdicar-se do seu lar. Foi uma decisão repentina ou uma ideia que se perdurou por anos até ser irresistível? O que era tão insuportável em nossa família que não valeu uma palavra de adeus?
De alguma forma, hoje eu encontrei as respostas que precisava.
— Devo dizer que não imaginava uma resolução como essa — Diaval falou ao meu lado.
Ele me deu a carta-branca para realizar um dos meus maiores desejos. Talvez fosse uma fantasia tola, uma travessura de criança, mas vê-los na mesma posição que eu estive durante anos encheu meu peito com algo mais intenso do que satisfação.
O sabor da vingança era inominável.
O que eles fizeram com minha família era impagável, as marcas das suas garras jamais abandonariam nossas peles. Anos foram perdidos e isso era irreversível. Porém, mesmo que por um instante, eu estava acima de todas essas pessoas. Intocável. Não exitaria em fazer meus pensamentos mais íntimos se tornarem reais. Eles saberiam o que era ser discriminados, sentiriam na pele e jamais seriam esquecidos por seus pecados.
Eles caminhavam com a cabeça baixa, as roupas outrora elegantes e de qualidade, agora não passavam do tecido fino das suas roupas de baixo. Uma multidão os seguiam os rodeando de cochichos curiosos. Soldados do arquiduque seguravam as corretes das suas algemas, os braços estavam presos atrás do corpo e os pês descalços estavam sujos de lama, evidenciando por quais lugares do povoado eles haviam passado, no momento, estavam em seu destino final.
Quando pararam em frente ao palco improvisado, foram lançados ao chão, prostrados diante do arquiduque e eu. Os borborinhos aumentaram significantemente quando minha identidade foi reconhecida, apesar de que para todos o homem ao meu lado era um mistério. Apenas os acusados tinham consciência do poder que ele havia deixado em minhas mãos.
Permaneci em silêncio quando um dos soldados do arquiduque subiu no palco e abriu um extenso pergaminho diante de todos. A praça estava lotada, pessoas de toda a parte do povoado seguiram a perambulação que se estendeu por todo o território, desde a área mais pobre até a mais nobre. Todos estavam aqui para testemunhar minha justiça, mesmo que ainda não estivesse ciente disso.
— Abaixo o mando do nosso senhor o Arquiduque Ambrose, abriremos a sentença sem direito a julgamento para punir os infratores Alva e Madson, que a partir desse comunicado estão afastados permanentemente dos seus postos de preceptora e reverendo pelos crimes de abuso de poder, envolvimento com o mercado ilegal de escravos, desvio de verba destinados a serviços ao povoado, roubo, calunia...— A multidão arfou diante do anúncio que se prolongou por alguns minutos enquanto todas as infrações eram listadas, suas vozes tomaram tanta intensidade que foi necessário que os guardas da praça os controlassem. Eu mantive a postura altiva, encarando as cabeças voltadas ao chão dos criminosos. — Como consequência dos crimes cometidos pelos réus citados, a punição total e irrevogável será atribuída conforme os termos já determinados pela senhorita Mabel, que foi a maior prejudicada pelos crimes já mencionados, sendo de direito dela e de sua família e demais afetados pelas ações desses indivíduos receber as posses e propriedades como indenização pelos danos causados.
A plateia gritava palavras de assombro e indignação, mas minha mente não se dava ao trabalho de absorver as palavras daquelas pessoas. A verdade é que muitas delas haviam contribuído para o padecimento da minha família, e sua falsa indignação embrulhava meu estomago, no entanto, eu encontrei satisfação em estar na frente dos seus falsos líderes portando tal poder de punição. Eles se lembrariam de que o poder é ambíguo, e variável.
— Conforme a lei imperial de Grifo, toda e qualquer pessoa envolvida com tráfico humano deve ser condenado a morte, porém, de acordo com a solicitação da senhorita Mabel e o poder outorgado a ela, pelo nosso mestre o arquiduque Ambrose, os indiciados serão condenados a reclusão perpétua para além da Floresta Osíris, onde deverão trabalhar nas minas, sem direito a proteção do nosso senhor.
Não contive o sorriso que se apossou do meu rosto quando Alva e Madson me olharam horrorizados. A sentença de morte era um balsamo se comparado com o terror que aquelas terras prometiam, com os monstros que os aguardavam. E suas súplicas soaram como doces canções aos meus ouvidos. A multidão agora estava no mais absoluto silêncio, com os olhos voltados para mim, talvez imaginando que seriam os próximos.
— De hoje em diante, quaisquer crimes cometidos contra a integridade ao povo seja pertencente de quaisquer classe social, será igualmente punido. — O soldado deu seu último aviso e fechou o pergaminho. — Dispensados.
...
O céu estava escuro quando retornamos para minha casa, tudo estava exatamente do jeito que deixamos quando saímos mais cedo, mas eu sentia que algo havia mudado. Agora eu olhava para aquelas paredes com carinho. Não percebi até então o quanto eu estava magoada com a minha mãe. Sempre imaginei que, caso ela voltasse para nós, deveria-nos muitas desculpas e eu nunca soube dizer se conseguiria perdoa-la, mas agora eu sei que ambas fomos machucadas demais. Não havia necessidade de ressentimentos entre nós.
— Mabel? — Diaval chamou-me. — Está se sentindo mal? — Olhei-o, estava a poucos passos atrás de mim esperando pacientemente que eu abrisse a porta para nos dois.
— Não, estou bem. — Sorri para ele. Ele piscou algumas vezes com a expressão atônita, encarava meu rosto como se estivesse me vendo pela primeira vez. — O que foi? — Foi minha vez de questionar.
— Acho que nunca a vi sorrir assim — falou.
— Como? — disse atordoada.
— O que devo fazer se sou cobiçoso? — Ele suspirou. — Quero ver mais sorrisos como esse...
Corei tão intensamente que senti o calor tomar conta do meu rosto, sem saber como reagir apenas me concentrei em abrir a porta de casa.
— Não faça isso ainda. — Ele me parou. — O que acha de darmos um passeio noturno?
Olhei para o céu estrelado acima das nossas cabeças, era uma noite de clima agradável, convidativa. Desci meus olhos para o rosto do homem que aguardava minha resposta, seus olhos brilhavam no costumeiro e encantador tom dourado, havia algo de mistico na forma como a cor tão incomum combinava tanto com ele. Aqueles olhos me prometiam muitas coisas e isso era aterrorizador.
Assustadoramente belo.
— Por onde pensa andar? — Olhei para o terreno que não nos proporcionava muitas opções.
Havia apenas um lugar, um qual eu não me aventuro a anos.
— Para ser franco não pensei nesse detalhe. — Sorriu envergonhado, sua voz soou mais baixa e intensa do que de costume.
— Deixe isso comigo, mas sugiro que deixemos nossos sapatos para trás.
Ele ergueu as sobrancelhas e um sorriso curioso brincou em seus lábios carnudos.
— Sinto que perguntar estraga a experiência — ele falou enquanto se inclinava para descalçar os pés, fiz o mesmo.
— Não esqueça as meias — falei sentindo uma diferente onda de animação preencher meu peito.
Um sentimento de antecipação borbulhava no meu estomago e me agarrei a essa nova sensação e a acolhi.
Descalços fizemos o caminho para dentro do bosque que rodeava minha casa. O caminho ainda me era familiar mesmo depois de cinco anos sem visitá-lo e mesmo na semi escuridão eu ainda seria capaz de nos guiar pelo labirinto de árvores. Não demorou muito para o meu pedido fazer sentindo para o arquiduque que sorriu surpreso quando a sola do seu pé tocou a grama fofinha.
— Isso é inesperado — comentou franzindo o cenho para o chão e experimentando a sensação da grama na sua pele.
— Não é? Eu adorava rolar por aqui quando criança, passear e dormi — ri da lembrança da época em que minha mãe vinha me chamar e me encontrava adormecida em meio a grama macia. A lembrança trouxe uma saudade nostálgica. — Meus pais e eu costumávamos fazer refeições aqui quando o tempo estava bom ou simplesmente ficamos ociosos, esse pedaço de terra era nosso segredo.
— Parece sentir falta daqui — Diaval afirmou.
— Sim, nunca mais voltei aqui desde que meu pai nos abandonou. — Me sentei no chão, encostada em uma árvore que recebia uma generosa porção da luz da lua, Diaval se acomodou ao meu lado. — Parecia errado cultivar um lugar que abrigou uma família que não existe mais.
— E por que agora? — Ele me olhava com interesse.
— Acho que perdoei algumas pessoas hoje e não sei, gostaria de dar um novo significado para esse lugar — confessei mesmo que a angústia ameaçasse fechar minha garganta. O medo de estar me entregando demais fez com que eu me calasse.
Ficamos serenos por um tempo, apenas aproveitando a sensação da grama em contato com nossas peles, admirando a beleza natural do lugar.
— Quando vim para cá, há alguns anos — Diaval começou a falar repentinamente, ele estava cuidadoso com as palavras, medindo-as antes que elas passassem por sua boca, — eu precisei dar novos significados para muitas coisas, até mesmo para essas terras.
— Como? — Não contive minha curiosidade.
— Tive que trazer força, proteção e beleza ou não teria súditos. — Ele encostou a cabeça no tronco da árvore e deixou que a lua banhasse seu rosto. — Todos conhecem a minha história e mesmo que eu tenha recebido um novo nome, um novo título e posses não muda o fato de que sou um homem temido. Mais de uma vez tive que dar um novo significado para minha vida e mais do que ninguém eu sei o quanto precisa ser forte para fazer isso e de quão cansativo isso é, mas não está sozinha. — declarou, e eu senti seu hálito tocar minha pele.
Não sei em que momentos havíamos nos aproximados tanto, parecia que tínhamos criado um novo habito, e me peguei querendo desesperadamente desacelerar meu coração. Me afastei desnorteada com o pensamento, desejei ser um pouco mais corajosa para acreditar nas suas palavras, audaciosa para cobrir o espaço que nos separava, mas a parte insistente que havia em mim me dizia que o mais seguro era ficar longe.
— A força e a proteção eu consigo decifrar, mas e a beleza?
Ele sorriu e fechou os olhos concentrado, antes que eu pudesse pensar em perguntar o que ele estava fazendo, obtive minha resposta. Fiquei sem folego enquanto observava a estrelas caírem ao nosso redor, seu corpo brilhante perdia a forma assim que alcançava o chão e desaparecia sem deixar rastros. Hipnotizada assisti elas dançarem iluminando todo o espaço e estendi a mão para acolher uma que estava caindo próximo a mim, mas assim como as outras ela se desfez.
Ambrose riu da careta que fiz.
— Elas são apenas ilusões sem formas — confidenciou. — Escolhi o inverno para que elas se misturassem com os flocos de neve, assim as pessoas não prestariam toda a atenção nelas.
— Inteligente — falei e ele voltou a rir. — Nunca pensei que era você que criava elas, todos os anos, sem falta. Não é muito exaustivo?
— Não realmente. — Ele deu de ombros. — Eu só preciso lembrar de manter o sortilégio, mas são por apenas algumas horas e atrai muitas pessoas para o arquiducado, então vale a pena.
— Seria incrível ser maga — falei, ainda admirada pela amostra de poder que ainda acontecia a minha frente.
— A magia pode ser incrível, Mabel, mas também perigosa — ele falou, com os olhos distantes. — Senão usar com sabedoria, ela pode se voltar contra você e as pessoas que estão com você. Nada é mais ambíguo do que a magia.
Quando as palavras terminaram de sair da sua boca as estrelas desapareceram todas de uma vez encerrando seu espetáculo. Até a lua parecia ter se escondido, fugindo do significado das palavras do mestre dessas terras, deixando-nos na mais absoluta escuridão.
NOTA DA OUTONNO:
Primeiramente gostaria de me desculpar (novamente) pela demora em atualizar os capítulos, infelizmente eu estou com problema de saúde que tem dificultado minha produtividade, mas garanto que vou atualizar a história mesmo que demore um pouco.....
Mas falando de coisas boaaaas..... A PRÉ VENDA DE "EU NÃO AMO VOCÊ" ESTÁ ABERTA! CONFIRA NO LINK ABAIXO E GARANTA SUA VILÃ!!!!
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