Capítulo 3
Após beber a água Rick recostou-se na cama grande aonde estava algemado. As algemas não estavam diretamente ligadas a ela, entre ambas havia aproximadamente 50 cm de corrente, o que lhe permitia algum movimento.
— Eu vou lhe poupar o esforço avisando que a cama é feita de carvalho e a menos que você seja o superman não vai conseguir quebrar a madeira.
O homem foi até uma pequena mesa plástica localizada perto da porta e voltou até a cama carregando uma bandeja, que foi colocada sobre o colo de Rick. Ao ver a comida seu estômago pulou que nem pipoca no carnaval de Salvador, não embalado pela música, mas pela náusea mesmo. A sensação era familiar, sentiu a mesma náusea e sabor agridoce ao acordar de uma cirurgia na infância, após inalar gás anestésico.
— Engula o enjôo e coma. É a única refeição que terá hoje porque eu preciso sair. — Sem esperar por nova ordem Rick começou a comer.
Ele não olhava para o homem, pois não queria ver aquele sorriso sarcástico e aqueles estranhos olhos cinza, mas era nele que pensava enquanto comia. Não era o que esperava de um sequestrador. O cabelo cortado em estilo militar, a barba bem cuidada, o sorriso de dentes alvos e a voz branda passavam a impressão de uma pessoa de comportamento exemplar e totalmente confiável. "Quem vê cara não vê coração é um bom ditado". Pensou.
— Sem perguntas? Qual é, eu não mordo! Pelo menos não sempre. — Até a risada do homem era gostosa de ouvir.
A última lembrança que Rick tinha da noite anterior era de ter aceitado uma garrafa de água de um estranho. "Nunca aceite nada de estranhos". Relembrou a voz de sua mãe lhe dizendo isso mil vezes. Tal conselho fez Rick desconfiar do homem.
— Mas eu quebrei o rótulo da garrafa — sussurrou para si mesmo.
— Você não é muito inteligente, é? — O homem se aproximou de Rick como se fosse lhe contar um segredo. — Eu não abri a garrafa, mas não foi difícil injetar um sedativo nela através de uma agulha intradérmica. Elas são bem fininhas e o vazamento é imperceptível quando a garrafa está molhada. — Finalizou com uma piscadela.
A raiva fez Rick contrair o maxilar. A ideia de arremessar o suco na cara do sequestrador era tentadora. "E depois eu faço o quê? Torço para ele morrer afogado e ter um celular ou as chaves das algemas nos bolsos? Ou talvez eu devesse tentar causar um traumatismo craniano com um copo ou uma bandeja plástica". Zombou de si mesmo.
— Eu não faria nenhuma besteira se fosse você. A minha paciência é um pouco curta e você não vai gostar de me ver irritado. — O homem parecia ser capaz de ler os pensamentos de Rick. — Eu sei que você está bravo pela forma como eu te trouxe até aqui, mas foi o melhor para você. Eu não queria te machucar.
— Como você é gentil.
— Eu sou, né? Eu já sabia, mas agradeço o elogio. — O sorriso gozador nunca abandonava os lábios do homem.
— Quanto você pediu?
— Do que você está falando? — indagou, confuso.
— Do pedido de resgate, é claro! Você já ligou para eles?
— Você acha que eu sou algum tipo de mercenário? — inquiriu o homem, fechando a cara imediatamente.
A mudança de humor repentina fez Rick pensar nos dias quentes de verão em São Paulo, quando ao final da tarde o céu azul se torna cinza em um piscar de olhos e uma tempestade assustadora surge do nada, juntamente com raios e trovões tão estrondosos que o fazem querer se esconder debaixo da cama apesar de ser um adulto.
— O que você quer que eu pense de alguém que me drogou e sequestrou?! — Rick gritou, descontrolado.
Como se não tivesse pensado em algo tão óbvio, e tivesse uma chave para mudar o humor, o homem novamente colocou um amplo sorriso no rosto.
— Eu não quero o seu dinheiro. Eu te trouxe aqui porque gosto de você e percebi que você precisava de ajuda. Da minha ajuda.
— Como é? Não me diga que você é um fã desorientado!
— Ah sim, eu sou seu fã, mas outra coisa me faz ter empatia por você. Eu vejo muito de mim em você e sempre quis alguém para me ajudar.
— E porque eu precisaria da sua ajuda? A minha vida andava bem legal até você me arrastar pra cá!
O homem olhou para Rick com uma expressão condescendente. Ele parecia enxergar muito mais do que o roqueiro em uma carreira ascendente.
— Tem certeza? Quer dizer que você não tá insatisfeito com a sua banda? Com o seu pai? Com a sua carreira e a sua vida em geral? Que você já superou a mágoa causada pelo chifre que aquela vadia colocou em você? Que você não tá extrapolando no álcool por causa das frustrações e sentimento de inferioridade que esconde de todos, até mesmo do Fael?
Rick arquejou e desviou o olhar. Não sabia o que era pior: ter um dedo cutucando suas feridas ou saber que aquele estranho sabia tanto sobre ele.
— Quem é você, afinal?
— Já disse, sou alguém que quer te ajudar porque se enxerga em você. Eu sei como é se sentir inferior aos outros, como é sentir que não tem talento e como é ter um pai que não valoriza nada do que você faz e que não se importa se suas palavras e ações vão te machucar. Apesar de que, ao contrário de você, eu não me entreguei a nenhum vício, simplesmente dei a volta por cima. É uma pena que o meu pai não tenha vivido o bastante para ver.
O homem subitamente parou de falar. Seu olhar se tornou distante quando sua mente se perdeu em lembranças antigas. A expressão era vazia até se deformar e compor uma careta ao mesmo tempo em que o corpo grande estremecia. Talvez as memórias não fossem felizes.
Em um rompante ele se aproximou de Rick, fazendo-o desejar poder se afastar.
— O meu pai me ensinou como transformar um menino em um homem e eu vou fazer o mesmo com você. Talvez você não goste muito dos meus métodos, mas vai me agradecer um dia.
A frase dita ostentando uma expressão severa preocupou Rick. Embora não tanto como a nova mudança de humor, que ocorreu em um abrir e fechar das pálpebras.
— Não tive tempo de me apresentar ontem. O meu nome é Maurício. — Rick recusou a mão estendida em sua direção. — Você bem que podia ser um pouquinho mais educado — Maurício resmungou enquanto recolhia a bandeja e colocava uma jarra de água no chão, ao lado direito da cama. — Não adianta fazer birra, isso não cola comigo. Use isso caso precise... — falou enquanto colocava o objeto ao lado esquerdo da cama. — Bom, você sabe pra quê serve isso. — Sem outra palavra Maurício deixou o quarto, trancando a porta atrás de si.
Rick estava atônito, era evidente que Maurício não batia bem da cabeça. Ansioso por fugir do carrasco da barba perfeita pos-se a avaliar o cômodo.
Tinha aproximadamente 16m2 e estava pobremente mobiliado com a cama de casal e a mesa ao lado da porta. Não havia janelas e a única iluminação vinha de uma lâmpada fraca no teto. Perto da lâmpada havia uma argola de metal pendente. Por estar mais interessado em algo que pudesse usar para escapar, naquele momento Rick não deu atenção a ela.
Percebeu, desapontado, que não havia nada que pudesse usar como arma ou que o ajudasse a abrir as algemas. Ignorando o aviso de Maurício, Rick forçou a cabeceira até machucar os pulsos nelas. A madeira não deu o menor sinal de que cederia aos seus esforços. "Onde está o prato de espinafre quando precisamos dele?"
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