Capítulo 18
Passava os dias sem absolutamente nada para fazer. Mesmo que não tivesse quebrado o violão na maldita tentativa de fuga não poderia tocar enquanto estivesse machucado. Não era mais a mesma pessoa que chegou ali, não tinha mais ânimo nem mesmo para fazer os planos de fuga mirabolantes de antes.
— Traidora — falou para presidiária quando ela se cansou de ficar na cama com ele e foi deitar no chão.
Se mexeu como pode, exausto daquela posição. Por vezes Maurício sentia pena dele e trocava a algema na mão por uma no pé, permitindo assim que ele sentasse, mas sabia que isso só aconteceria depois do café. Ah sim, o café. Muita coisa havia mudado entre eles depois da declaração de Maurício, inclusive a forma de dar o café de Rick.
Ele já havia terminado o uso do anti-inflamatório e estava fazendo fisioterapia no ombro, o que tirava dele suor e por vezes lágrimas também. Maurício não acreditava em ir devagar por causa da dor e tão pouco era a favor do uso de analgésicos – assim ele dizia – mas Rick via em seus olhos o real motivo da recusa em aliviar a dor após cada sessão, era um castigo por não aceitar as investidas dele.
Sem conseguir mais suportar as surras diárias, o jejum forçado e principalmente a sede infligida como castigo por ser, supostamente, um mentiroso, Rick admitiu uma mentira deslavada: Assumiu uma falsa homossexualidade, mas deixou claro que não queria nada com alguém que o mantinha prisioneiro. Era uma grande ironia ter que mentir para deixar de ser agredido por ser mentiroso.
— Pronto pro café? — Maurício perguntou ao entrar no quarto.
— Claro, mas primeiro eu queria poder sentar. — Era um pedido que fazia diariamente, mesmo sabendo que não seria atendido.
— Primeiro eu quero que você veja uma coisa. — Maurício sentou na cama e abriu um vídeo no smartphone.
Era outro show dos The Guys, eles estavam em plena turnê. Ver que a banda seguia com os shows como se ele não passasse de um membro descartável sempre doía em Rick, que se sentia completamente inútil. "A minha saída da banda, voluntária ou não, certamente foi um alívio pra eles".
Desviou os olhos do aparelho, pois não tinha interesse em ver aquilo. Era preferível continuar entediado.
— Veja.
Rick voltou a assistir à apresentação não por insistência de Maurício, mas por ouvir a voz de Fael anunciando que cantaria uma nova música de sua autoria, chamada Sonhos perdidos.
— Você vendeu pra ele — sussurrou.
— Pra você ver que seu amiguinho não é tão santo assim. — O sorriso de Maurício era de escárnio. — Mas fique feliz, a sua música é tão boa que eles gravaram imediatamente e o Fael não hesitou em assumir a autoria. Esse show foi há alguns dias.
Rick estava decepcionado por Fael ter assumido a autoria de algo que não é dele, mas também estava rezando para que a música de alguma forma chegasse aos ouvidos do seu pai e ele passasse as pistas à polícia, nada mais justo do que ajudá-lo a sair do pesadelo em que o colocou.
O solo final chamou a atenção dos dois homens. Cada um à sua maneira.
— Eu não gostei desse solo horrível que ele fez. Porque ele fez isso?! Esse idiota estragou o final de uma música tão boa.
— É verdade, esse solo é muito feio. Ele deve ter feito isso porque é egocêntrico demais pra não ter nada realmente dele na música. — Maurício o olhou satisfeito com o comentário negativo sobre Fael.
— Eu vou buscar o seu café agora.
Minutos depois Rick estava recostado à cama, mas ainda algemado enquanto tomava o café. Após ele assumir a falsa homossexualidade Maurício permitia que ele se banhasse sozinho, mas insistia em lhe dar o café na boca. Era perceptível que o homem tentava conquistá-lo, mas ao menos respeitava os limites e não o espancava mais.
— Se você se comportar bem não vai mais precisar ficar preso. — Maurício falava enquanto lhe oferecia suco de uva e Rick se perguntava o que exatamente ele queria dizer com "se comportar bem".
Enquanto bebia o suco Rick deixou escapar algumas gotas, que escorreram pela lateral do queixo. Maurício engoliu em seco e antes que Rick pudesse se manifestar, o beijou.
Ao sentir os lábios nos seus Rick não hesitou em abrir a boca e afundar os dentes na carne macia. Maurício gritou e tentou se livrar, mas ele não soltou até ter o ombro lesionado apertado com tanta força que o fez gritar também, liberando Maurício da mordida.
Com o lábio sangrando Maurício saiu do quarto e a partir daquele dia as coisas pioraram novamente para Rick.
***
O ronco alto do estômago acordou tanto Rick quanto presidiária, que pulou da cama, assustada. Rick desejava dormir o dia todo, mas não tinha essa sorte. Sempre era acordado pela dor, pela fome, ou pela sede e quando estava acordado pensava o tempo todo na música, já não conseguia esperar.
— Bom dia, dormiu bem? — Maurício entrou no quarto, fazendo Presidiária se esconder debaixo da cama. "Eu faria o mesmo se pudesse". Rick pensou.
— Dormi muito bem.
— Fico feliz. — O homem sentou na cama e começou a comer uma maçã, mas o que atraía mesmo a atenção de Rick era o copo de água nas mãos dele. — Você quer a água?
— A que preço?
— Ser bonzinho, só isso. — Maurício molhou um dedo e passou pelos lábios de Rick, que desviou o rosto.
— Você prometeu não me forçar a nada, lembra?
— Eu não estou te forçando a nada. Só acho que não é justo não receber nada em retorno aos cuidados que eu tenho com você. — Maurício bebeu a água, deixando de propósito algumas gotas escorrerem pelo queixo.
Depois de torturar o rapaz exibindo água e comida, Maurício substituiu a algema no pulso por uma no tornozelo e o ajudou a sentar. A nova posição fez o lençol escorregar até a cintura, exibindo o tórax cheio de hematomas, que Rick cobriu novamente. Se sentiria mais confortável usando uma camiseta, mas a dificuldade em passá-la pelo ombro machucado fizera Maurício proibir o uso dela.
Os movimentos começaram lentos e a dor era suportável, cada dia conseguia maior amplitude de movimentos. A tração era a pior parte, às vezes tinha a impressão de que seu ombro iria se deslocar novamente.
— Aguenta aí. Eu vou ter que puxar um pouquinho mais aqui. — Maurício forçou o braço de Rick para trás até ver seus olhos se encherem de lágrimas. Aquele era o sinal que ele usava para saber a hora de parar e Rick desejava poder forjá-lo para encerrar a tortura mais cedo, apesar de saber que a fisioterapia era necessária se quisesse recuperar todos os movimentos.
Maurício ficou de pé e observou Rick, que mantinha a cabeça baixa. Ele podia ouvir o estômago do rapaz reclamando do jejum forçado.
— Você poderia ter qualquer coisa que quisesse — O homem disse, passando a mão pelo cabelo de Rick, que se afastou o quanto pode. — O que você iria querer primeiro? Água, eu imagino e depois o quê? Um café da manhã com ovos e bacon? Um analgésico, talvez?
Sem receber resposta Maurício se afastou, recolheu as tigelas de presidiária e voltou para a cozinha. Poucos minutos depois retornou com um pote derramando água e o outro exalando cheiro de atum, o que fez presidiária sair do esconderijo e o estômago de Rick roncar furiosamente.
Quando ele saiu e trancou a porta Rick deitou de bruços, tomando cuidado com o ombro, e se esticou o quanto pode até o pote de água. Seus dedos triscaram o pote, ele se esticou um pouco mais, machucando o tornozelo algemado, mas conseguiu inserir um dedo na tigela e lentamente arrastá-la para mais perto da cama.
Ao levá-la até os lábios não se importou com os pelos que flutuavam na água e se havia ali saliva de gato. Tudo o que importava era matar a sede que sentia.
Tentou fazer o mesmo com a tigela de atum, ainda pela metade, mas não conseguiu. Ao menos o estômago cheio de água parou de roncar temporariamente.
— Me desculpe por beber toda a sua água, presidiária, mas eu sei que ele não vai te deixar com sede o dia inteiro. Mais tarde ele vai colocar mais pra você porque você é uma boa menina, ao contrário de mim.
Rick tirou os pelos da boca e fez o possível para esquecer o quanto se rebaixara, ou melhor, o quanto Maurício conseguira rebaixá-lo.
***
Aquele era um bom dia, Rick não estava com fome, com sede, nem preso pelo pulso, então resolveu tentar compor. Não tinha mais o violão, mas ao menos ainda tinha papel e caneta.
Não sentia realmente vontade de fazer isso. Na verdade há muitos dias ele não sentia vontade de fazer mais nada, nem mesmo de acordar todo dia, mas era tentar isso ou enlouquecer enclausurado ali, só imaginando qual seria o próximo castigo infligido por Maurício.
— O que você fez, Ricardo?! — Maurício entrou tempestuosamente no calabouço.
— Como assim o que eu fiz? — Rick ficou apreensivo, pois imaginava o que viria de tamanha raiva.
— Só pode ter sido você?! Olha o que fizeram?! — Maurício jogou sobre a cama uma folha A4. Rick arregalou os olhos ao ver uma foto do homem com a palavra "procurado" logo abaixo. — Eu não posso ir trabalhar! — Maurício gritou e desferiu um soco na mandíbula de Rick.
— Eu não tenho culpa, Maurício. — Rick tentou se defender. — O que eu posso ter feito algemado aqui?
— Eu sei lá! Se não foi você então foi aquele seu amiguinho. — Maurício desferiu outro soco, que Rick tentou revidar antes de ser facilmente imobilizado. — Agora nós vamos ter que nos mudar, eu vou ter que encontrar outro lugar e logo, mas que inferno! — Maurício continuava socando o rosto do rapaz, enquanto o segurava pelo cabelo.
Depois ele deixou o quarto e voltou com um comprido cipó de árvore, que usou para surrar Rick até não deixar um pedaço de pele sem marcas. Rick não gritava mais, nem tentava evitar os golpes. Aprendera que era melhor permitir a surra sem tentar se esquivar do que inflamar ainda mais a ira de Maurício.
Após extravasar a raiva Maurício saiu dizendo que precisava planejar a mudança deles e deixou Rick sozinho, com o rosto sangrando e o corpo em chamas.
Ele se encolheu na cama e falou entre soluços abafados: — Eu entendi a resposta do meu pai no seu solo, Fael, mas se vocês não mandarem logo alguém, não vai restar nada pra salvar.
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