Capítulo 14




A dor excruciante nos ombros e nos pulsos foi o que o fez despertar. Era impossível ignorá-la, então seu cérebro, apesar de confuso, forçou as pernas moles a sustentarem o peso do corpo e aliviar os membros superiores.

A cabeça pendia frouxa e pesada. O espírito se abateu logo que abriu os olhos e se descobriu novamente preso no calabouço, dessa vez em pior situação.

Rick podia ver os próprios pés descalços, assim como todo o corpo nu, o que explicava o frio que sentia. A tremedeira piorava a dor nos ombros e... em todos os lugares. Com certeza até seu cabelo doía! Estava enganado, os braços não doíam, eles pareciam ter se apartado do corpo, tal era a sensação de dormência. Rick só sabia que estavam ali porque os pulsos doíam. Ah sim, esses pareciam estar pegando fogo. A mão direita também latejava e o polegar recém-deslocado gritava por um analgésico. 

Elevou a cabeça até o teto e viu o gancho, o maldito gancho ao qual nunca dera atenção, e se perguntou se Maurício já pendurara alguém ali antes. O calafrio aumentou ao pensar nele. Sentiu-se como a hiena que estremecia cada vez que ouvia o nome de Mufasa.

Piscou para conter as lágrimas que teimaram em surgir ao saber o que teria que enfrentar em breve.

Segurou a pequena corrente pendente com a mão esquerda pra aliviar a pressão nos pulsos esfacelados e se ergueu na ponta dos pés para abaixar um pouco os ombros doloridos.

— Até que enfim acordou, eu estava ansioso. Odeio esperar. — A voz de Maurício soou como agulhas em chamas penetrando os ouvidos.

Rick preferiu não olhar para ele, pois tinha medo do que veria em suas mãos e em seus olhos. – Maurício costumava ser criativo ao castigá-lo quando estava nos dias maus e nesses dias suas pupilas se dilatavam e escondiam totalmente a íris cinza, tornando os olhos negros e assustadores. – Ao invés disso, continuou admirando o gancho com grande interesse e agradeceu por poder fingir que tremia apenas de frio.

— Vejo que está fascinado pelo gancho. Sabia que essa casa foi construída quando as pessoas salgavam e armazenavam a própria carne? Com certeza pertencia a uma família abastada o bastante para ter uma grande carcaça pendurada aí, por isso ele é tão forte.

Ah sim, uma carcaça. Com certeza Rick se sentia uma carcaça pendurada em exposição. Lembrando da caixa de anti-psicótico fechada ele rezou para Maurício não decidir pegar uma peixeira e começar a cortar partes dessa carcaça.

— Vejo também que quer trocar de profissão. — Ergueu uma sobrancelha ao olhar para os pés elevados. — Talvez ser um bailarino? — lançou ao corpo de Rick um olhar um tanto constrangedor. — Devo dizer que você tem um bom corpo pra isso.

Ignorando o comentário lascivo Rick sentiu satisfação invadi-lo ao ver o rosto destruído do outro homem. O cabelo molhado mostrava que ele teve tempo para um banho, isso o livrara do sangue seco que tinha sobre a face, mas não do tamanho extra que os socos incorporaram ao nariz, nem do inchaço nas pálpebras, algo que tentava diminuir com uma bolsa de gelo. "Você deveria ter trazido uma pra mim também". Pensou, pois as pálpebras estavam igualmente semi-cerradas devido ao edema, mas a audácia ficou apenas em pensamento, afinal, coragem é diferente de estupidez.

— Veja o estrago que você fez. — Retirou a bolsa do rosto para mostrar a extensão dos hematomas. — Você sabe com o quê eu trabalho? Com a minha imagem!

O homem recolocou a bolsa sobre o rosto. Um segundo depois a retirou novamente e lançou sobre a mesa com raiva. A bofetada que veio em seguida não foi totalmente inesperada, Rick já estava acostumado com os ataques de fúria.  

— Esses hematomas vão demorar a desaparecer! Por sorte ser modelo não é o meu único ganha-pão. Ser dono de uma agência não exige que a minha aparência seja perfeita, mas aparecer lá desse jeito desencadearia perguntas inconvenientes.   

O homem andava de um lado para o outro murmurando sobre o que faria para justificar a sua ausência. Decidiu que mais tarde ligaria e diria estar doente.

Rick o observou desaparecer pela porta que agora sabia dar na cozinha e as batidas do coração começaram a soar altas nos ouvidos, pois sabia o que estava por vir. Só torcia para que a arma da vez lhe permitisse manter alguma dignidade. 

O objeto com o qual Maurício retornou ao calabouço fez Rick engolir em seco e gemer em silêncio.

— Eu sempre tento ser bom pra você, mas você sempre ferra com tudo.

— Você não pode me culpar por tentar recuperar o que você roubou de mim!

— Eu estou cansado das suas reclamações. — Maurício saiu novamente e voltou com um rolo de fita adesiva. — Não quero ouvir sua voz agora. Muitos menos seus gritos porque a minha cabeça está doendo.

Rick desviou o rosto e com isso ganhou um puxão no cabelo que o impediu de mover a cabeça, mas continuou falando, impedindo a colocação da fita.

— A cada minuto de espera eu vou acrescentar um minuto à surra.

Sabendo que ele não estava blefando Rick se deixou amordaçar. Se iria mesmo levar uma surra, faria isso ser mais fácil.

— Sempre funcionava quando o meu pai falava isso.

Maurício pegou a vara, o local onde ele segurava estava enrolado por um tecido para proteger suas mãos. Se posicionou às costas de Rick, que fechou os olhos e respirou fundo.

O ar fugiu dos seus pulmões ao sentir o primeiro golpe da vara. Os espinhos eram curvos e a saída doía tanto ou mais do que a entrada. Teria gritado se pudesse.

— Agora dá trabalho achar essa planta, mas o meu pai tinha no quintal e sempre usava quando eu aprontava demais — Maurício explicava enquanto batia. — Ele a chamava de abaixa a crista. Você deve imaginar por quê.

Algumas partes do corpo, como as coxas e nádegas, suportavam melhor. Já as costas e tórax eram mais sensíveis e levaram por água abaixo a determinação de Rick em manter a dignidade. As lágrimas escorriam abundantemente e como não podia gritar ele gemia baixinho de cabeça baixa, como um bom menino.

— Daqui a pouco vai ficar mais fácil aguentar porque os espinhos vão saindo. Depois eu vou ter que catar um por um de você com uma pinça.

A força da vara atrás dos joelhos fez as pernas se dobrarem e Rick teria gritado bem alto quando os espinhos entraram ainda mais fundo após serem pressionados entre as coxas e as panturrilhas. A dor no ombro esquerdo – que sustentou todo o peso – competiu à altura com a dos espinhos.

Rick esticou novamente as pernas e gemeu aos sentir alguns espinhos saindo da pele.

— Ops, desculpe. Vou pegar a pinça agora.

Enquanto sentia cada um deles sendo arrancado sem nenhum cuidado Rick se perguntava se o castigo estava acabado. A pergunta silenciosa foi respondida quando Maurício retornou ao calabouço carregando uma corda de sisal. Por essa Rick já tinha passado antes, mas depois da surra de espinhos a aspereza do material causava muito mais dor e Rick se contorcia a cada novo golpe. 

Após vários minutos sendo surrado Rick suava abundantemente. Ele sentiu falta do frio anterior, pois o sal presente no suor fazia a pele arder. Entretanto, o suor não se comparava à limpeza posterior com álcool. 

— Só tem mais uma etapa. — Maurício ergueu a cabeça de Rick, cujos olhos suplicavam para que o castigo fosse encerrado. — Não me olhe assim, foi você quem fez besteira. Não vai fazer de novo, certo?

Rick balançou a cabeça freneticamente, indicando que não faria novamente. Naquele momento ele afirmaria qualquer coisa que Maurício quisesse.

— Ótimo, eu vou me assegurar que não faça mesmo.

Quando Maurício saiu do quarto Rick voltou a chorar silenciosamente, com medo do que mais o homem havia preparado para ele.

— Rick, agora você tem que prestar atenção. — Maurício ergueu novamente a cabeça do rapaz e esperou que ele se acalmasse e ouvisse as instruções. — Você tem que usar as pernas pra não sofrer danos que eu não posso consertar. — O tremor recomeçou com mais intensidade e não por causa do frio. — Vai ficar tudo bem se você ficar em pé, mas se deixar o peso nos braços vai ter problemas graves.

Ao ver o taco de beisebol Rick se contorceu desesperadamente e tentou pedir para que Maurício não batesse nele com aquilo, mas somente ruídos abafados saíam de sua boca amordaçada.

— Não se preocupe, é forrado com borracha e eu sei como bater sem quebrar os ossos.

A frase não foi suficiente para confortar Rick, que girava o corpo até onde a corrente permitia, contornando Maurício e tentando não ficar de costas para ele. 

— Eu estou te avisando que se você não mantiver o peso sobre as pernas vai ser muito pior quando o ombro estiver deslocado.

As palavras aumentaram o desespero e a angústia. Estava entre a cruz e a espada, podia continuar se debatendo e piorar a própria situação ou abaixar a cabeça e aceitar como um cordeirinho o seu destino. Escolheu a segunda opção ao lembrar das palavras "danos permanentes".

Maurício se posicionou atrás de Rick, que plantou firmemente os pés no chão a espera do golpe.

O impacto o empurrou para a frente e ele precisou dar um passo para não ficar pendurado pelos pulsos.

As facadas de dor no ombro luxado causaram soluços abafados e mais lágrimas. 

Em meio à dor ouvia vagamente as instruções de Maurício, que o soltava da corrente e tentava manter o seu braço na mesma posição. Não percebeu os passos que deu até a cama e como conseguiu sentar nela, mas percebeu quando Maurício apoiou o pé em suas costelas e começou a puxar lentamente o braço. A sensação era a de ser brutalmente rasgado e nem mesmo podia gritar.

Apertou os olhos e tentou agarrar o lençol com os dedos inchados. Toda a dor que sentia antes foi esquecida mediante aquela nova. Quando a cabeça do úmero encaixou novamente na glenóide o alívio foi imediato, mas a sensação ainda passava  muito longe do conforto.

Enquanto Maurício fazia uma tipóia usando um lençol fino Rick permanecia de cabeça baixa, evitando o olhar do outro homem. A fita foi bruscamente retirava no rosto, arrancando alguns pelos da barba junto e, apesar de já poder gritar, Rick se manteve apenas choramingando, por medo de irritá-lo.

Maurício ofereceu a Rick um analgésico, que ele engoliu com avidez, o ajudou a deitar cuidadosamente, cobriu sua nudez, colocou gelo sobre o ombro lesionado e limpou as feridas nos pulsos. Todo o cuidado que tinha com os danos causados por ele mesmo era doentio.

Após enfaixar o pulso direito o levou até a cabeceira, aonde seria novamente algemado.

— Por favor, não faça isso. Meu braço está doendo demais depois de ficar tanto tempo naquela posição — Rick pediu de forma extremamente humilde, àquela altura já não dava importância ao orgulho. — Eu não apresento nenhuma ameaça a você agora.

— Tudo bem, mas só por hoje.

Maurício enrolou a mão com o polegar machucado em um pano também contendo gelo e olhou a face de Rick, que estava virada para o outro lado, como uma criança emburrada. Com um suspiro se ergueu da cama e começou a recolher os instrumentos usados como corretivo.

— Eu imagino que você esteja zangado comigo agora, mas quando a dor passar você vai entender. Eu sempre entendi que aquele era o jeito do meu pai cuidar de mim e olha que ele não tinha o mesmo cuidado comigo, mesmo que eu ainda fosse um menino.

Rick não tinha vontade de conversar. Ele estava muito ocupado sentindo dor e raiva, então ignorou as justificativas que Maurício dava a si mesmo cada vez que o espancava. 

— Talvez o seu pai também só estivesse cuidando de você — continuou.

— O meu pai nunca bateu em mim! — Rick gritou e olhou Maurício com raiva, mas se arrependeu por abrir a boca quando o viu se aproximar da cama.

— Mas te machucou emocionalmente, certo? Nunca ficou feliz pelas suas conquistas. Virou as costas para você quando decidiu que iria seguir os seus sonhos e não os dele. O seu pai não é melhor do que o meu. 

Rick se calou, pois não estava em condições físicas nem emocionais para discutir com Maurício e se encolheu ao sentir o toque dele no rosto. 

— Eu sinto muito por ter te machucado desse jeito. — Rick podia ver a íris cinza outra vez. A tempestade passara, por enquanto. — Às vezes eu não consigo evitar. Eu acho que sou como Hulk, não consigo me controlar quando estou com raiva.

— Se você consegue trabalhar, é porque consegue se controlar.

— No trabalho eu não tenho as pessoas sob controle, é mais fácil lá.

— E porque eu dei o azar de parar aqui? Porque você me escolheu, Maurício! — gritou de novo, esquecendo de tentar esconder a raiva que sentia.

— As drogas sempre te liberam para falar o que pensa, sabia? Daqui a pouco elas te levarão a um sono tranquilo. Se você quiser eu te conto tudo quando acordar. Por hora basta saber que apesar de eu não querer te machucar, isso de certa forma foi justo. — Maurício o encarou com uma expressão glacial. — Sabe aquele idiota que destruiu os meus sonhos? Foi o seu doce papai, então nada mais justo do que descontar no seu doce filhinho, não é mesmo? Bons sonhos, Rick.

Com um beijo na bochecha Maurício se despediu de Rick, que estava chocado com a notícia.

Antes que fosse levado a um sono profundo Rick sentiu raiva de seu pai por ter lhe deixado um maluco obsessivo de presente.

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