2 - Você vai namorar comigo!

Há exatos dois anos, Henrique Moura interrompeu a aula de história e mudou o rumo da minha vida para sempre quando se declarou...

Para outra garota.

"Quando eu te vejo, sinto como se o mundo parasse e só existisse você nele..."

Não escutei o resto, pois enfiei os fones nos ouvidos, abafando o som da voz dele e do meu próprio coração que ficou do tamanho de uma ervilha, como se tivesse sido pego desprevenido. Não sei o que eu esperava exatamente, e nem queria descobrir. Eu não estava apaixonada nem nada parecido, mas tudo teria sido mais fácil se tivéssemos nos conhecido de outra forma.

💭

2 anos antes.

Era domingo quando a minha família resolveu ir à praia. O clima era de pura animação, mas meu humor estava péssimo, lembrando da mensagem que recebi do Diego dizendo que ia parar de ficar comigo porque, pasmem, falei mal de um cantor de índole questionável de quem ele gostava. Mas o que me pegou foi o "e você beija mal!" no final da mensagem.

Fiquei deitada na areia com um livro enfiado na cara o dia todo, o sol ameno. Eu não beijo mal! Eu só havia beijado duas vezes antes de Diego e tenho certeza de que eles gostariam de repetir. Aquilo abalou a minha cabeça de 16 anos, mas tentei não pensar muito. Uma hora parei de me lamentar e, com ódio, andei distraída em direção ao mar dar um mergulho. Então senti o impacto de uma bolada que quase arrancou a minha perna fora.

Fui de cara na areia.

Diante da segunda humilhação do dia, me levantei pronta para arrancar os cabelos de quem quer que fosse.

Todavia, engoli em seco quando vi o garoto se aproximando todo preocupado. As coisas ao redor devem ter paralisado por um segundo, que nem acontece naqueles episódios de k-drama quando o casal protagonista se vê pela primeira vez e flores e corações explodem no fundo da cena. No meu caso, eu estava tão arrasada que só gritei:

— Tá ficando doido? Você poderia ter me deixado paraplégica!!

Então, Henrique Moura fez a presepada de sorrir sem jeito mediante a acusação do óbvio. Pra quê?

Fiz uma inspeção rapidinha no clássico: boné com a aba virada pra trás, mochila nas costas, vestia apenas um shorts preto e havaianas. Ele é do tipo magro, mas com tudo no lugar, como se apenas tivesse sido agraciado com uma boa genética. Eu quis me enterrar quando percebi que Henrique notara o raio x de cinco segundos que fiz nele. Quando ele começou a se desculpar pela bolada corri pra água na velocidade da luz, pronta pra ser carregada pelas ondas. Que mico, Kelly, que mico! Não queria encontrar com ele nunca mais.

Depois de um longo mergulho, saí da água me sentindo revigorada e dei de cara com Henrique sentado na areia, devorando uma casquinha de sorvete na maior tranquilidade. E pelo visto estava me esperando, "não é possível que fosse tão desocupado", pensei.

— O que pensa que tá fazendo? — botei as mãos na cintura e o olhei de cima.

Henrique me encarou e sorriu quadrado:

— Fiquei aqui contando os minutos pra você sair do mar — disse, fingindo olhar pro relógio imaginário no braço. Pelo visto ele era desocupado mesmo.

Meu queixo foi no chão.

— V-você... Não me diga que você está achando que eu tava me escondendo de você. Dentro do mar?! — Ok, odiei gaguejar na frente dele. Me dei dois tapinhas mentais, pois não estava preparada pra lidar com este garoto no meu momento de maior fragilidade pós mensagem "você beija mal".

— Você que está supondo, eu nem pensei nisso. — respondeu, ficando em pé. "Hmm, ele é alto, teria que se curvar se fosse me..." espantei tais pensamentos.

— Por que está me esperando então? Cadê seus amigos? — questionei olhando ao redor, constatando que ele estava sozinho.

— Foram embora. Queria conversar contigo, te chamar pra ir tomar um sorvete ali — apontou em qualquer direção atrás de si —, ou sei lá, comer o que você gosta de comer. Vamos comer o que você quiser comer.

— Você acabou de tomar um sorvete — apontei.

— Ora bolas, eu tomo mais outros dez sorvetes com você. — Henrique decretou como se não fosse um grande problema. De fato não era. O problema é que EU não estava preparada para tomar sorvete com esse cara bonitinho demais pro meu gosto. Geralmente eu não era o foco de tanta atenção de alguém.

— Minha família deve tá me esperando. — falei sem muita convicção.

— Tudo bem, eu só queria te pedir desculpas adequadamente. Esse sou eu pedindo desculpas pela bolada, tá? Fiquei me sentindo um vacilão. Doeu muito? Eu juro que não...

— Ei! — fiz um sinal de stop, fazendo um sacrifício pra não dar risada de sua preocupação. — Relaxa, minha perna tá inteirinha aqui — fiz até um movimento de chute pra ele vê que estava tudo bem. — E eu aceito as suas desculpas se me pagar uma limonada.

Henrique simplesmente agarrou a minha mão com um cuidado cavalheiresco, e me levou até a barraca mais próxima. Meu coração bobinho esfarelou-se de felicidade repentina.

Passamos a próxima hora conversando sobre tudo e nada, sobre nossos sonhos, números das linhas de ônibus, memes que viralizaram no twitter, comidas e sei lá mais quantas coisas. Chegou um momento em que eu apenas soube que ia demorar a esquecer o sorriso dele. Provavelmente não nos veríamos novamente, mas nem cogitei pedir seu número de telefone. Não era como se aquela conversa casual fosse dar em alguma coisa.

Eu estava pronta pra me despedir e seguir com a minha vida quando Henrique perguntou se poderia me beijar, fiquei tão sem reação que apenas assenti. Meu sorriso foi um sim. Ele me puxou para si de um jeito que pareceu tão certo, obviamente queria muito me beijar, e eu, claro, queria que ele gostasse muito do meu beijo. Foi um beijo demorado, com gosto efêmero, de coisas que não precisavam ser ditas, mas sentidas.

Foi a paixão de praia mais rápida que tive na vida. Durou até o dia seguinte quando descobri que ele era o novo aluno transferido de outra escola, e seríamos colegas de turma.

💭

— KELLY??! — Henrique exclamou meu nome todo sonso. — Foi mal, não te vi parada aí.

— Eu tenho certeza que um dia eu vou morrer de um infarto e espero que você carregue essa culpa pelo resto da sua vida miserável! — Esbravejo chorosa, espremendo a água da minha blusa inutilmente.

Me encontro em estado de encharcada, minha dignidade sete palmos abaixo da terra, a chapinha que terminei de fazer às duas horas da madrugada destruída.

Seu Aristóteles havia deixado a lanchonete sob nossa responsabilidade pra ir resolver pendências no banco, mas o que era para ser uma tarde de faxina na santa paz de Deus, transformou-se no próprio apocalipse quando tiramos no pedra papel e tesoura quem limparia o quê. Em algum momento apontei a mangueira d'água na direção Henrique e deu no que deu.

— Agora estamos quites, meu amor.

— Que quites o quê, Henrique? Como é que eu vou pra casa toda molhada desse jeito?

— Taí um problema que não é meu, Kelly. — E simplesmente virou-se, me deixando plantada na calçada.

Pisei duro atrás dele até a salinha que funciona como um mini escritório.

— Eu ja falei mil vezes que te molhei sem querer e olha só o que você fez comigo. Isso foi tão baixo da sua parte.

— Tá esquecendo de ontem não? — Indagou ele, virando-se abruptamente,  quase colando o corpo ao meu.

— Não acredito que você levou pro coração eu ter dito que aquela blusa listrada horrorosa que você estava usando te deixa parecendo a zebra do Madagascar.

— Isso aí foi o de menos, ta bom? Ou a senhorita já esqueceu que eu fiquei os últimos 2 dias acampando no banheiro por causa daquele salgado envenenado que tu me deu pra merendar?

— Aí você tá indo longe demais, vá reclamar com o seu Aristóteles que faz os salgados. E você devia agradecer que foi você quem passou mal e não os clientes.

Henrique deu uma gargalhada.

— Ahhh claro! Você só pode ser o meu carma mesmo, kelly. Devo ter jogado um enxame de abelhas em cima da mesa dos discípulos na santa ceia.

— Ah, deixa de drama. Vai, me dá a tua camisa. — Peço, fazendo um gesto pra ele se apressar.

— Nem morto.

— Cuida, Henrique, não tenho o dia todo — lhe aperreio mais ainda.

— E eu vou ficar pelado?

— Bom que chama a atenção das clientes, do jeitinho que você gosta.

— Se você quer me ver sem camisa é só pedir, precisa desse malabarismo todo não, meu amor. — Disse ele tirando-a num movimento, me ajudando a vesti-la em seguida. Fácil como arrancar doce de criança. Henrique vestiu uma blusa reserva que guardava na mochila pra alguma urgência, e me acompanhou pra terminarmos a limpeza na frente da lanchonete.

Nossa história sempre foi um elefante no meio da sala. O beijo na praia ficou na praia. Sabe quando simplesmente não é o timing pras coisas acontecerem? Na escola, Henrique fez amigos rapidamente, até tínhamos alguns em comum, vez ou outra nos encontrávamos na biblioteca pra estudar, nós não éramos melhores amigos, mas parecia haver uma certa concordância silenciosa entre nós sempre que nos beijávamos escondido entre as estantes de livros, do tipo "pode ser que um dia dê certo, mas não vamos criar muitas expectativas". Trocávamos mensagens todos os dias. "Imagina se um dia a gente namorasse", escrevera ele certo dia. "Acho que ninguém ia ficar surpreso" respondi.

O tempo foi passando e agora eu tenho 18 anos e Henrique, 19, mas no fundo eu sempre soube a verdade. Tenho muito medo de tentar e escutar a resposta que eu não quero, então engavetei qualquer sentimento há muito tempo e tento me convencer de que está tudo bem assim, afinal Henrique nunca fora apaixonado por mim de qualquer forma.

Começamos a ajudar o seu Aristóteles durante as férias da faculdade, pois ele é um senhor barrigudo muito legal e amigo de ambas as nossas famílias, minha e a de Henrique, e a vantagem é que podemos merendar salgado e refri de graça todos os dias, o que é ótimo.

E cá estamos.

Henrique e eu terminamos de limpar tudo rapidinho e sentamos numa mesa próxima a entrada pra jogar conversa fora, quando de repente a ideia mais absurda passa pela minha cabeça como uma luz no fim do túnel. Não havia outra alternativa, a gincana da limonada estava chegando, preciso engolir o meu orgulho, pois pro meu azar, ou minha sorte, Henrique se garante fazendo vitaminas, especialmente limonada. E o pior: ele é bonito demais. Nossa foto vai ficar linda nas redes sociais do evento.

Então minha boca trabalha mais rápido que o cérebro e as palavras saem:

— Henrique, você vai namorar comigo.

1808 palavras

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top