Capítulo 5 - A Viagem (PARTE 1)

Acordei bem cedinho naquela manhã para observar o riacho que fica próximo à casa em que eu moro. O sol emitia um brilho fraco e reconfortante sobre as águas, e a visão que eu tinha era tão bonita que meus olhos chegaram a doer. Eu sempre fico sentada em frente ao riacho quando me sinto triste, e isso é algo que eu faço com frequência. A minha casa e esse riacho são meu porto seguro.

Naquele dia eu só queria coragem para seguir em frente com aquela viagem, pois depois de tanto fracassar, eu já tinha perdido a esperança de que conseguiria reverter a sentença que me aguardava no final do ano. De alguma forma eu esperava que a água me trouxesse algum tipo de conforto, mesmo sabendo que nada seria capaz de me confortar da forma que eu queria.

Ao longe, avistei uma borboleta que eu nunca tinha visto. Ela era de um vermelho vivo neon e brilhava contra os raios de sol. Corri até a beira do riacho na esperança de que pudesse alcança-la, mas quando eu me aproximei, ela não estava mais lá.

Voltei para dentro de casa sentindo algo estranho no peito enquanto a imagem daquela borboleta não saía da minha mente. Fiquei absorta em pensamentos enquanto observava cada canto do meu lar, ciente de que talvez nunca mais fosse colocar os pés ali dentro. Depois, guardei os cinco mantos de Dellyn que Hahue tinha me emprestado em uma caixa, junto com duas cartas que eu tinha escrito para meus dois amigos da Área Sombria. Tive a ideia de redigir aquelas cartas após ler pela décima vez o arquivo completo da provável última missão que eu faria.

Talvez eu nunca mais visse Slahath e Hahue, e de certa forma aquilo me entristeceu. Acho que eles são as únicas pessoas que posso chamar de amigos. Uma pontada de tristeza tomou conta de mim quando me dei conta disso. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, mas eu tratei de limpa-la na mesma hora. Eu preciso ser forte. Não há espaço para meus sentimentos nesse trabalho.

Me dirigi até a Barreira Mágica com a caixa em mãos. Eu sabia que Hahue e Slahath estariam ali por perto, pois eles gostavam de ir até o limite da Barreira para observar a pouca luz do sol que os aguardavam do outro lado. Era o mais próximo que eles conseguiam chegar da claridade.

Os dois dividiam uma garrafa de rum quando eu cheguei. Ambos me olharam de modo preocupado, principalmente quando notaram a minha cara de choro.

— Eu partirei hoje para a Terra.

Contei rapidamente para eles como foi à audiência, e sobre como seria a minha última missão. Meus amigos escutaram tudo com atenção, e quando eu terminei de falar, Slahath me abraçou. Eu não percebi o momento em que comecei a chorar, só sei que eu sentia muita coisa reprimida dentro de mim, eram tantos sentimentos misturados que era difícil saber qual deles predominava.

— Vai dar tudo certo, Lyra. Você vai conseguir. — disse Slahath, afagando meu ombro.

— Nós sentiremos sua falta. — Hahue tinha os olhos tão marejados quanto os meus. Me abaixei e o abracei.

Slahath estendeu em minha direção um pequeno objeto preto arredondado com uma antena.

— Eu fiz isso aqui para nos comunicarmos. Configurei para quando você fosse para a Terra novamente. Quando quiser falar conosco, é só apertar o botão vermelho que um holograma nosso vai aparecer. Só não use isso na frente dos humanos, eles podem estranhar.

— Vocês são os melhores! — exclamei, encarando aquele objeto como se minha vida dependesse dele. Pelo menos eu não me sentiria sozinha quando estivesse na Terra. Eu ainda iria poder conversar com meus amigos, mesmo que fosse à distância.

Entreguei a eles a caixa com os mantos de Dellyn e as cartas. Hahue encarou a caixa, retirando de dentro dela um manto branco. Aquele fora o primeiro manto que usei, lembro que Hahue quase me matou por causa dele.

— Tome, é seu.

— Não precisa, Hahue. — recusei, segurando o pequeno pulso do coala em minha frente.

— Claro que precisa! Esse manto ficou bem em você. Além do mais, se você vier nos visitar de novo um dia, vai precisar dele.

Segurei o manto com cuidado, sentindo sua maciez. Abri um sorriso agradecido e emocionado, sentindo que a vontade de chorar ainda não tinha ido embora por completo.

— Obrigada. Por tudo. — enfatizei, olhando para meus dois melhores e únicos amigos — Vou ligar para vocês todos os dias, vão até enjoar de ver a minha cara em holograma.

— Eu duvido muito. Assim como Dellyn, te consideramos uma grande amiga. — Slahath disse, abraçando-me novamente.

— Amiga... Tá aí uma palavra que eu gosto de usar.

Abracei meus dois amigos mais uma vez com a promessa de que nos veríamos novamente — não só por holograma — e segui com o manto e meu comunicador em mãos de volta para a minha casa.

Acrescentei dentro de uma das minhas malas meu manto novo e o comunicador. Perto da hora de ir, me reuni com as minhas malas novamente na frente do riacho enquanto refletia sobre a missão.

Um holograma apareceu e foi ali que depositei as minhas malas. Assumi a minha forma viajante enquanto deixava um rastro de poeira cósmica para trás.

Anlyn dirigia o carro que seria o nosso meio de transporte pelo próximo ano pelas ruas movimentadas do Rio de Janeiro. Uma música pop tocava no rádio, e eu abri a janela para poder sentir o vento no meu rosto. Os cabelos curtos e platinados de minha nova companheira balançavam de um lado para o outro. Enquanto dirigia, a garota parecia em paz.

Nós não tínhamos trocado muitas palavras durante o percurso, acho que ambas estávamos insatisfeitas com as nossas missões e com os últimos acontecimentos que nos levaram até ali.

O trânsito naquele dia estava intenso. Pelo GPS eu tinha uma ideia de que nós não estávamos tão longe assim de nosso destino. Nós já tínhamos chegado no centro de Porto Detroy, a cidade em que viveríamos. Anlyn conduzia o carro para o bairro Dourado, na região oceânica do Rio de Janeiro.

O clima tropical da cidade fazia com que eu me sentisse um pouco mais alegre e empolgada. Eu via a movimentação de pessoas na calçada segurando cadeiras dobráveis de alumínio e se encaminhando para a praia, também via os surfistas carregando suas respectivas pranchas, prontos para realizarem manobras perigosas na água. Eu conseguia ver a orla e um pedaço da imensidão azul do mar me chamando, e fazendo meu coração acelerar.

Chegamos ao bairro Dourado e o que pude observar pelo trajeto foi que parecia ser um bairro bem calmo. As pessoas transitavam de um lado para o outro com shorts curtos e com a parte de cima do biquíni com naturalidade, enquanto outras trafegavam segurando sacolas de mercado e de outros estabelecimentos.

— Gosta da Ariana Grande? — Anlyn perguntou, me olhando de soslaio.

Enruguei a testa, tentando entender de quem ela estava falando.

— Quem?

— Vai dizer que você não conhece a Ariana? — Anlyn parecia espantada com a minha confusão, o que só me fez ficar ainda mais confusa.

— Eu deveria conhecê-la? Ela é algum membro novo do Conselho ou algo assim?

Anlyn explodiu em uma exagerada gargalhada enquanto eu tentava entender o que eu tinha dito de tão engraçado. O acesso de riso que ela teve foi tão grande que ela quase bateu na traseira de um carro que tinha parado por conta do sinal vermelho. A freada brusca que a garota deu só não fez com que voássemos pelo capô do carro porque estávamos com o cinto de segurança.

Irritada, eu perguntei:

— Posso saber qual é a graça?

— Você passa o maior tempão na Terra com os humanos e não é capaz de reconhecer uma cantora pop mundialmente conhecida. — respondeu, se recompondo. Com uma mão ela segurava o volante e com a outra limpava as lágrimas do canto dos olhos.

— Em minha defesa, eu não presto muita atenção no que os humanos fazem ou escutam...

— Pois deveria, agora que iremos conviver com eles, teremos que nos enturmar com a galera, e isso inclui escutar as mesmas músicas que eles.

— Você parece conhecer bastante os humanos...

Anlyn olhou rapidamente para mim, como se soubesse exatamente o que eu queria dizer. Durante a audiência, ela foi duramente criticada por se deixar ser visível para os humanos e se misturar com eles.

— Sim, a minha experiência em socialização é melhor do que a sua, pelo que posso ver.

Tentei não me deixar abater pela sua pequena alfinetada a minha falta de jeito, afinal, se eu me comportasse como Anlyn já teria sido exilada há muito tempo.

O GPS apitou informando que o nosso destino estava próximo.

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