Capítulo 19 - Estrelas

— Rayane, por favor. Desce daí. — Estiquei minha mão em sua direção, com medo de me aproximar muito e assusta-la. Ela ignorou a minha mão e com os olhos cheios d'agua, olhou para as águas escuras do rio.

— A minha vida acabou! ACABOU!

— Você não pode deixar de viver por causa de ninguém, Rayane. Eu não consigo nem imaginar pelo que está passando, mas eu quero que saiba que você tem todo o meu apoio. Me dê sua mão, nós vamos enfrentar isso.

Ela me olhou como se não acreditasse em nada do que eu dizia.

— E porque alguém como você me ajudaria sabendo que foi eu que espalhei aqueles boatos? Você deveria ser a primeira pessoa a me querer morta.

— E que tipo de pessoa eu seria desejando a morte de alguém com um feed tão impecável quanto o seu? Acho que preto não combina bem com o feed organizado do seu Instagram. — Rayane deu um sorriso mínimo para mim e meu coração ficou aliviado. Eu estava conseguindo distrai-la. — Me dê a sua mão, Rayane. Eu estou aqui com você e tenho certeza de que suas amigas querem o seu bem também. Tem muitas pessoas que torcem pela sua felicidade e eu sou uma delas. Por favor, me deixe te ajudar.

— Eu não sei se consigo... — Rayane começou a soluçar e chorar de forma descontrolada. As lágrimas caíam em uma velocidade absurda e meus olhos também ficaram marejados ao ver a tristeza que a dominava. Engoli o choro e com uma expressão firme, estendi a minha mão vagarosamente para ela.

— Você consegue sim, Rayane. Eu sei que consegue.

Um silêncio cheio de expectativas se formou com as minhas palavras. Esperei que Rayane optasse por segurar a minha mão do que se jogar no rio. Ela ficou me encarando pelo que pareceu uma eternidade. Depois, olhou novamente para o rio como se a dúvida lhe atormentasse. Lágrimas grossas caíam de seu rosto bonito. Com a mão trêmula, ela se virou para mim e pegou a minha mão. A puxei para longe da ponte.

Aliviada, deixei que ela me abraçasse e despejasse em mim todo o choro que estava entalado em sua garganta. Eu afaguei suas costas com carinho e lhe disse que tudo ficaria bem. Rayane se agarrou a mim com uma força indescritível, era quase como se me apertando ela fosse ter forças para enfrentar o que estava por vir.

Nós ficamos assim por alguns minutos. Quando ela enfim se acalmou, chamamos um Uber e mandamos uma mensagem para suas amigas e para seus pais. Quando chegamos em sua casa, todos estavam reunidos na sala com preocupação. Rayane se jogou no colo dos pais e começou a chorar. Expliquei de forma resumida o que tinha acontecido e ninguém a julgou ou a repreendeu. Eles conversaram com ela de uma forma que me emocionou e disseram que amanhã mesmo vão levar Rayane para ver um psicólogo.

Os pais de Rayane chamaram um Uber para me levar em casa e enquanto esperávamos, eles me deram um abraço e me agradeceram por tudo.

— Muito obrigada, Lyra. Me desculpe por tudo que eu te fiz. Você é meu anjo. — Rayane abriu um sorriso e eu percebi que suas feições estavam mais serenas do que quando a encontrei, prestes a se jogar no rio. Eu sabia que seu peito ainda doía, mas agora tinha algo diferente.

O Uber chegou naquele momento. Eu abri um sorriso para ela.

— Não precisa agradecer. Eu estou aqui para te ajudar. Você vai ficar bem. — Nós nos abraçamos e eu entrei no carro. Enquanto me distanciava dali, eu me lembrei do meu perseguidor. Ele sumira no momento em que achei Rayane.

Peter e Emily assumiram seu namoro oficialmente depois que as provas acabaram. Não era segredo para ninguém que os dois estavam juntos, mas eles ainda não tinham contado para seus respectivos pais.

Nós pegamos o resultado de nossas provas e até mesmo eu tive um desempenho mais do que satisfatório. Meus amigos também ficaram com notas excelentes, o que os motivou a comemorar isso indo passar um fim de semana inteiro em Arraial do Cabo.

Por um momento eu pensei em recusar afinal, como eu poderia me divertir sem poder levar meu comunicador e sem saber o paradeiro de Hahue e Slahat? Meu amigo não entrou mais em contato comigo, e eu ainda tinha um perseguidor a solta por aí.

Anlyn ficara aflita quando soube que eu fui seguida e que a única coisa que me impediu de ter sido capturada foi a própria Rayane. Ela tinha medo de ser a próxima, mas desde aquele dia eu já não me sentia mais observada. Claro que aquilo me aterrorizava mais do que tranquilizava, porque isso só pode significar que meu perseguidor quer que eu esqueça o que aconteceu para poder me pegar desprevenida da próxima vez.

Anlyn e eu não temos teoria nenhuma sobre o que essa pessoa quer, a única coisa que eu sei é que meu perseguidor é de Klímpf, e se ele veio de tão longe para me perseguir, é porque ele está determinado em me pegar. O único mistério nessa história toda era porque ele me queria.

De qualquer forma, Anlyn e o resto dos meus amigos conseguiram me convencer a ir para Arraial do Cabo. Os pais de Peter tem uma casa de veraneio lá e nos levariam de carro. O modelo do carro era bem parecido com uma van, de modo que caberia a todos sem problemas.

Enquanto eu terminava de arrumar a minha bolsa, eu encarava o comunicador.

— Pode deixar que eu vigio para você. — Ela disse, apontando com a cabeça para o comunicador — Se o seu amigo fizer contato, eu te aviso.

— Obrigada, Anlyn. Eu volto domingo à noite de qualquer forma.

— Relaxa, vai curtir que você tá precisando mais do que eu! — Ela me ajudou a dobrar o resto das coisas que faltavam dentro da mochila.

— Você é a melhor

Nós duas nos abraçamos.

— E o que você vai fazer em relação ao cara do Tinder?

Anlyn saiu com Rogerio uma vez após se interessar por ele. Além de trabalharem na mesma empresa, ela resolveu dar match nele nesse aplicativo. Desde então, Rogerio tenta conquista-la de todas as formas possíveis. Apesar de Anlyn não demonstrar muito, eu sei que ela se sente balançada por ele. Percebi que ela se encontra mais focada em sua missão, mas é difícil para ela ignora-lo.

— Não sei ainda. Depois de Rewick, meu entusiasmo em me envolver amorosamente com alguém é zero.

— Você se esquece de que não podemos nos envolver com humanos.

— É, tem isso também. — Anlyn deu de ombros enquanto guardava meu creme de cabelo na mochila já pesada.

A buzina do carro dos pais de Peter me fez sobressaltar. Anlyn me ajudou a carregar a mochila pesada para o carro. Meus amigos já estavam devidamente instalados no veículo e a animação deles rapidamente me contagiou.

— Bora conhecer um dos lugares mais paradisíacos do Rio de Janeiro, gata. — disse Emily assim que me acomodei no carro. Eu me sentei ao lado de Maurício enquanto todo o mundo dava tchau para Anlyn.

Observei minha irmã provisória entrar na casa e pedi silenciosamente para que nada de mal lhe acontecesse.

— Você vai gostar muito de conhecer Arraial, Lyra. — Peter dobrou o corpo de lado para poder falar comigo. Ele estava sentado na outra ponta ao lado de Emily.

— Já me tirou o fôlego as fotos que eu vi na internet. — Eu disse, me lembrando de como fiquei apaixonada pelas águas cristalinas que apareceram no meu feed de pesquisa.

— Então se prepare, porque ao vivo é ainda mais lindo.

— Não falem mais nada, assim vocês vão estragar a experiência da menina. — disse Maurício. Meu braço estava encostado no dele e seu cheirinho era tão gostoso que eu tinha vontade de respirar bem fundo só para senti-lo melhor.

— É isso que eu ia falar agora, Maurício. — O pai de Peter nos olhou pelo espelho retrovisor por um momento. Ele parecia animado. Todos pareciam animados.

Os hematomas no rosto de Peter já estavam sumindo, e ele parecia recuperado do trauma. Como ele mesmo dissera há um tempo, Peter estava se consultando com uma psicóloga e eu via nitidamente como ele estava menos retraído e ansioso.

— Ah, eu garanto que nada do que falemos vá estragar isso, mas tudo bem.

Maurício estendeu para mim o outro fone para eu ouvir música com ele. Coloquei o fone no ouvido e o som de o solo de uma guitarra preencheu meus ouvidos.

— Espero que você goste de System Of A Down. — Foi o que ele disse depois de aumentar o volume da música.

Adormeci durante a viagem sem perceber e despertei assustada com a cabeça apoiada no ombro de Maurício.

— Fica tranquila, acabamos de chegar em Arraial do Cabo. — Ele afagou meu ombro enquanto eu ficava gélida de vergonha.

— Me desculpe por adormecer no seu ombro.

— Relaxa, você dorme tão suave que meu ombro nem reclamou.

— Olha isso, Lyra. — Emily chamou a minha atenção apontando para a janela e a visão que eu tive foi de tirar o fôlego. O mar azul cristalino brilhava com esplendor. O sol do entardecer coloria a água e criava um contraste fenomenal com o oceano. Eu ofeguei, impressionada com aquele visual paradisíaco. — É lindo, não é? — Fiz que sim com a cabeça.

Devido ao emprego que eu tenho, eu já estive em muitos países diferentes, em lugares bonitos e exóticos, mas nunca tinha visto nada parecido com aquilo.

O pai de Peter entrou em uma rua estreita e seguiu por mais alguns minutos até parar em frente a uma casa muito bonita. A mãe de Peter saiu do carro para abrir a porta da garagem, onde o carro foi estacionado. Saí do automóvel esticando as pernas, pois a viagem tinha sido longa.

Retiramos as nossas bagagens do veículo e Peter nos guiou pela casa. O local era tão grande que tinha um banheiro em cada um dos três quartos da casa. Eu e Emily ficamos em um quarto e Maurício e Peter no outro, para decepção deste último, que claramente queria ficar com minha amiga.

Emily e eu colocamos as bagagens de qualquer jeito em cima da cama.

— Olha o biquíni que eu trouxe — Emily tirou da bolsa uma peça toda vermelha muito bonita — O Peter vai subir pelas paredes quando me vir amanhã.

— Vocês já...

O constrangimento que aquele assunto me trazia era desconfortável até mesmo para mim. O olhar malicioso e animado de Emily foi substituído pela frustração. Ela jogou o biquíni na cama e fez um biquinho.

— Não, ainda não. Eu até queria, mas Peter sempre se esquiva de um contato mais íntimo.

— Talvez ele não esteja preparado ainda. — comentei, lembrando da timidez de Peter.

— É, talvez... — Ela abaixou a cabeça e ficou brincando com os retalhos da colcha que forrava a nossa cama.

— Meninas, vocês vão querer pizza de que? — Maurício perguntou, enfiando a cabeça para dentro de nosso quarto depois de dar três batidas na porta.

— Portuguesa! — Eu e Emily respondemos juntas e gargalhamos com isso.

Mandei uma mensagem para Anlyn avisando que cheguei, ao que ela respondeu com um joinha. Ela tirou uma selfie de si mesma assistindo Greys Anatomy com uma taça de vinho e um pedaço de pizza. O comunicador estava na mesa a sua frente.

Anlyn:

"Ta tudo sobre controle, sis"

Lyra:

"Estou vendo"

Anlyn:

"Arraial do Cabo é tão romântico que eu tenho certeza de que você vai agarrar o Maurício na primeira oportunidade"

Engoli em seco quando Anlyn dissera aquilo porque eu não parava de pensar nele. Toda a vez que Maurício aparecia, algo dentro do meu estômago se agitava.

Lyra:

"Para com isso, sua doida. Vai assistir sua série, vai."

Anlyn:

"É isso mesmo que eu vou fazer. Fui."

Descemos as escadas da casa assim que nos avisaram que a pizza chegou. Ajudamos a trazer para a mesa copos, talheres, pratos, e o refrigerante. Duas pizzas grandes de portuguesa e frango com catupiry nos esperavam e o cheirinho estava maravilhoso.

Nós comemos envoltos por uma conversa muito animada. De vez em quando, os pais de Peter perguntavam coisas sobre a minha família. Eu respondia de forma evasiva quando dava, mas os pais dele eram muito curiosos. Notei que as minhas esquivas de responder perguntas pessoais fez meus amigos ficarem um pouco incomodados.

Depois que comemos, vimos um filme na sala e fomos todos nos deitar com a promessa de que amanhã bem cedo iríamos conhecer a Prainha e depois a Praia do Forno, cujo acesso é feito por uma trilha.

Emily já dormia ao meu lado enquanto eu fitava o teto escuro. Eu estava tão preocupada com tudo que vem acontecendo que por vezes acabo me sentindo culpada por estar me divertindo aqui. Eu não vim à terra por diversão, eu vim para salvar o meu pescoço.

Hahue e Slahat estavam em apuros e eu não podia fazer nada. Emily e Peter pareciam bem, mas eu tinha medo de que alguma coisa ruim acontecesse. Tem um perseguidor me observando com olhos de águia por aí.

Era muita coisa para a minha cabeça.

Me levantei da cama com cuidado e saí do quarto. Talvez se eu respirar um pouco de ar puro eu me sinta melhor.

Caminhei devagar para não fazer barulho e desci as escadas me direcionando para a lateral da casa. A vista dali era ótima, eu conseguia ver parte da cidade sentada nas espreguiçadeiras. Além do mais, tinha uma piscina e algumas luzes coloridas que pintavam a água e lhe davam um certo charme.

Me sentei em uma das espreguiçadeiras e apoiei a minha cabeça na bancada de vidro, torcendo para que o contato da minha testa com o frio do ferro me fizesse relaxar.

— Parece que eu não sou o único que não consegue dormir. — Dei um pulo assustado e levantei a cabeça a tempo de ver Maurício se sentar ao meu lado. A sua espreguiçadeira estava perto demais da minha e eu já senti minha pulsação acelerar.

Por que as Almas também tem que ter hormônios? Nós não precisamos deles para absolutamente nada!

— Está preocupado com alguma coisa ou só não consegue dormir?

Ele coçou os olhos, pensativo.

— Sei lá, eu fiquei meio surpreso quando soube da Rayane. Disseram que você foi brilhante lá.

— Eu só queria evitar uma tragédia.

Nós nos deitamos lado a lado na espreguiçadeira e eu olhei para o céu estrelado. Ele estava tão lindo naquela noite que eu só fiquei ali em silêncio apreciando aquela beleza. Em meu planeta não tinha noites assim, então eu sempre aproveitava para olhar aquele espetáculo natural que quase ninguém parecia notar.

— Você sabia que cada estrela que vemos no céu são maiores e mais brilhantes do que o sol, que também é uma estrela? — Maurício indagou, colocando os braços atrás da cabeça e me encarando. Meu coração acelerou mais uma vez e por um instante eu pensei que fosse ter uma síncope.

Hormônios idiotas!

— Sério? Eu não imaginava que as estrelas fossem grandes desse jeito. — Maurício se aproximou mais de mim, o que deixou todo meu corpo em alerta máximo. — Quer dizer, olhando daqui elas parecem tão pequenas... Tudo bem, eu sei que estamos bem distantes do céu, mas... Você me entendeu.

Alguém cala a minha boca?

— As vezes, quando eu fico nervosa eu tagarelo, então pode me mandar calar a boca quando quiser.

Meus nervos dançavam quadrilha dentro de mim.

— E porque você está nervosa? — Ele perguntou, me encarando como se soubesse porque eu me sentia acelerada daquele jeito.

Quando me virei para encara-lo, notei que nossos rostos estavam muito próximos. Não pareceu ser proposital da parte dele, pois quando notou a proximidade, Maurício também ficou um pouco sem reação.

— Tem mais alguma curiosidade sobre as estrelas que você queira compartilhar? — Me esquivei de sua pergunta e engoli em seco quando percebi que Maurício encarava a minha boca. Ele ficou em silêncio por um momento, mas logo retomou a fala.

— Sabia que as estrelas possuem uma grande quantidade de combustível? Quando este se acaba, é consumido o hidrogênio e depois o hélio, fazendo com que a estrela reduza de tamanho, mude de cor e se torne uma anã branca. Após o esfriamento e a mudança de cor, ela se torna uma anã preta e vira uma estrela extinta.

— Isso é interessante. — Eu disse, com a voz fraca e os pensamentos longe. Eu só conseguia focar na proximidade de nossos corpos. Meu braço roçava no dele e eu via seus olhos escuros brilharem em minha direção.

— Você é tão linda quanto uma dessas estrelas, Lyra. — Suas palavras fizeram meu interior formigar. Maurício aproximou mais o rosto do meu, de modo que agora conseguia sentir sua respiração quente em meu rosto. Ele segurou minha nuca e eu fechei meus olhos quando nossas bocas finalmente se uniram. Naquele momento, eu não pensava em minha missão, era como se todas as minhas preocupações tivessem sumido.

Segurei sua nuca com minhas mãos inexperientes e lhe beijei com toda a vontade guardada dentro de mim.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top