Capítulo 10 - A Possessiva (PARTE 1)
— Uau, que desenho lindo! — Peter deu um pulo assustado com a minha aparição repentina, fazendo o lápis que usava rolar pelo tampo da mesa e cair no chão. — Desculpe, eu não quis te assustar.
Tirei a mochila das costas e a apoiei na mesa ao seu lado, abaixando-me para pegar seu lápis. A nossa sala de aula ainda estava vazia, de modo que Peter e eu éramos os únicos ali. Coloquei o lápis em cima de sua mesa e me sentei ao seu lado.
— Tudo bem, eu estava distraído mesmo. — Suas bochechas coraram ao me encarar. Me inclinei em sua direção para observar o desenho que Peter fazia. Ele desenhava uma paisagem composta por ramos de flores e árvores. Era um desenho tão bonito e tão realístico que não pude deixar de encará-lo de modo admirado.
— Você tem um talento nato. Queria desenhar como você.
— Obrigado. Eu tenho um pouco de vergonha de mostrar os meus desenhos porque as pessoas parecem não ligar muito pra isso. Meu pai diz que desenhar é coisa de gente careta. — Reparei que Peter se sentiu um pouco constrangido ao me revelar aquilo pela risadinha constrangida que ele soltou. Era nítido que ele tinha vergonha de dizer às pessoas que gostava de desenhar, o que eu achava meio bobo, mas entendia.
Ele enfiou o desenho incompleto dentro de uma pasta preta de plástico que estava abarrotada de desenhos. Porém, uma folha ficou com a metade para fora da pasta e eu a segurei antes que ela caísse. Me surpreendi ao ver o rosto de Emily. Era o mesmo desenho que eu vira quando Peter e eu nos conhecemos.
— A Emily é uma garota muito bonita. Já mostrou isso para ela? — indaguei, devolvendo o desenho para Peter, que estava mais vermelho do que antes, se é que isso ainda era possível.
— Eu não sei se ela vai gostar... — Ele coçou a cabeça e guardou o desenho na pasta. Suas bochechas redondinhas pareciam pintadas de vermelho.
— Por que acha isso?
— Ah, não sei... A Emily não é do tipo que gosta de caras que desenham.
Eu sei que já estava claro como a água, mas se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre os sentimentos de Peter pela Emily, elas caíram por terra neste exato momento. Acho que Peter não percebeu o que tinha dito, pois depois de alguns segundos, seus olhos se arregalaram.
— Eu tenho certeza de que ela vai gostar muito de ver a forma que você a enxerga. Sério, a Emily não parece ser uma garota que liga para os hobbys de alguém, ao menos que seu hobby seja assassinar pessoas.
Peter gargalhou com vontade da minha piadinha. Eu nunca tinha visto esse menino tão à vontade na escola. Era a primeira vez que eu o via gargalhando daquele jeito. Seus olhos brilhavam e eu tenho certeza de que minhas palavras tinham lhe encorajado, pois ele encarou o desenho dentro da pasta com um olhar bastante sonhador.
Todo o mundo via o que os dois sentiam um pelo outro, menos eles mesmos. Por sorte, eu estava ali disposta a ajuda-los a se entregarem aos seus sentimentos.
Um falatório nos alertou da presença dos alunos, que já se encaminhavam para as suas respectivas salas de aula. O assunto morreu, mas percebi que Peter se encontrava pensativo ao meu lado. Emily e Maurício apareceram de braços dados e aos risos.
— E aí, gente bonita. — Emily se abaixou para me dar um beijo na bochecha e fez o mesmo com Peter. No momento em que os dois se olharam, ambos ficaram com o rosto avermelhado antes de desistirem do cumprimento. Maurício e eu trocamos um olhar cheio de significados antes de ele se sentar atrás de mim.
Emily praticamente correu para se sentar do lado de Maurício.
Eu precisava bolar um plano para juntar esses dois.
A professora entrou na sala nos saudando com um bom dia animado. Ela colocou alguns livros e as bolsas que carregava em cima da mesa antes de se sentar. Pediu que abríssemos o livro na página 20 e fizéssemos o exercício 2 e 5.
Mesmo sabendo que eu só estava ali por causa de uma missão e que eu não deveria dar tanta importância assim a escola, eu abri o livro. Não fiz isso só para que os outros não desconfiassem de nada, mas sim porque uma parte de mim gostaria muito de pertencer de verdade a esse mundo.
Emily não parava de sorrir para a tela do celular. Durante o intervalo, tudo o que ela fazia era digitar e digitar. Peter parecia incomodado com aquilo, e Maurício não ligava, pois estava trocando carícias com Rayane ao lado de Emily. Seja lá o que tinha acontecido no jantar de negócios, o problema já tinha sido solucionado. A nossa mesa era a mais silenciosa, já que cada um permanecia absorto em seu próprio mundo. O casal só estava comportado nas carícias porque um inspetor rondava o local com olhos de águia.
Pensei em mandar uma mensagem para Anlyn, mas a reclamação de Peter fez com que eu desistisse de pegar meu celular no bolso.
— Isso é sério, Emily? — Demorei um bom tempo para entender porque Peter se mostrava tão indignado. Olhei para minha amiga, que chamava alguém com a mão. Um garoto muito bonito veio se sentar conosco.
— Lyra, esse é o Eduardo. — disse ela, ignorando os protestos de Peter.
Eduardo, que se sentou ao lado de Peter e de frente para Emily, se debruçou sobre a mesa para beijar meu rosto. Senti sua barba rala tocar meu rosto e um cheiro de loção masculina agradável em minhas narinas. Até mesmo Maurício e Rayane cessaram a sessão de carícias para observar o desenrolar da cena.
Como eu estava sentada de frente para Peter, eu pude ver com exclusividade o quão transtornado ele se sentia. Suas mãos estavam fechadas em punho e seu rosto completamente vermelho.
Carlos, que se encontrava há algumas mesas de distância, nos encarava com um semblante de quem se divertia muito. Era como se ele soubesse que tinha algo errado ali.
— Gostei do visual. — Eduardo apontou para o meu rosto, referindo-se as minhas sobrancelhas e cílios brancos. Notei que ele não estava sendo completamente sincero.
— Obrigada. — Acrescentei um tom irônico ao agradecimento, deixando claro que tinha percebido que seu elogio não fora real.
Ao olhar para o lado, reparei que Maurício se encontrava com o maxilar trincado, o que indicava que ele também não ia muito com a cara de Eduardo, o que era estranho, já que aparentemente fora ele que tinha dado o telefone de Emily para Eduardo poder conversar com ela.
Os humanos são muito estranhos!
— O que faz aqui? — Maurício perguntou, entredentes.
Eduardo abriu um sorriso malicioso que acrescentou uma nota de charme ao seu rosto. Ele era moreno e parecia exercer um tipo de magnetismo natural.
— A Emily me chamou. Os meus amigos foram jogar bola durante o intervalo, mas eu não quis ir.
— Nós vamos naquele pub que inaugurou nesse fim de semana. — Emily disse, animada. Se meu olhar falasse, certamente diria: "Que merda é essa? E o Peter?"
— Estou ansioso por isso. — Ele a encarou firmemente nos olhos.
— Eu também. — Emily o encarou de volta. Eles flertavam com o olhar.
— Esse pub não é tão legal como vocês pensam. Ele não é nada sofisticado! — Rayane se meteu na conversa. Acho que era a primeira vez que ela entrava em algum assunto nosso. Ela lixava suas unhas com um semblante entediado.
— Pub não é para ser sofisticado. Pelo menos não da forma que você quer que ele seja. — Emily revirou os olhos e Rayane a olhou como se fosse socar o rosto de minha amiga a qualquer instante.
— Eu esqueço que os seus gostos não são tão sofisticados como os meus. Você se contenta com qualquer espelunca.
— Rayane, vai tomar no cu. Não tenho culpa de você ser tão chata e fresca!
— Gente, chega, por favor. — pediu Maurício, segurando o braço de Rayane. O coitado estava bem no meio do fogo cruzado. Eduardo se divertia com a discussão e Peter escolheu aquele momento para se levantar.
— Eu vou nessa. — Ele pegou sua bandeja vazia e a colocou no lugar adequado antes de sair do refeitório pisando firme.
— Calma aí, gatinhas. Não precisam brigar. — Eduardo disse, recostado de um jeito sexy em sua cadeira. Apesar de toda a beleza e charme, eu não tinha ido com a cara dele e não era só porque ele representava um obstáculo que comprometia a minha missão, mas também porque ele não me inspirava confiança. Eduardo parecia ser um falso e a minha intuição dificilmente se enganava.
Me levantei também, decidindo que eu iria atrás do Peter. Ele estava transtornado demais, e aquilo me preocupou.
— Vou atrás do Peter. — avisei, sentindo os olhares da mesa toda em cima de mim.
— Que gracinha, não sabia que você estava interessada no Peter. Isso é uma novidade aqui no nosso colégio. — Eduardo pegou um punhado de batatas fritas de sua bandeja e colocou na boca, dando uma risadinha.
— Eu não estou interessada nele, somos apenas amigos. Não que isso seja da sua conta. — retruquei de forma irritada e me afastei sem deixar que ele me respondesse.
Não consegui dar mais que três passos pelo corredor depois de ter saído do refeitório, pois Rayane segurou meu braço e me impediu de continuar andando.
— O Maurício tem uma namorada maravilhosa ao seu lado. — Olhei para a cara dela de forma confusa, já que ela estava falando de si mesma na terceira pessoa.
— Tá, e daí?
— Só o Maurício que ainda não percebeu a forma que você olha para ele. — Rayane continuou segurando meu braço. Eu estava entediada com a conversa e fiz questão de demonstrar isso somente pelo jeito em que eu a olhava.
— Eu olho pra ele do mesmo jeito que olho pra todo o mundo!
— Não faz a egípcia comigo, garota!
O QUÊ? Fiquei confusa na hora. Que raios ela quis dizer com aquilo?
— Você tá afim do meu namorado e eu não vou permitir que vocês saiam juntos! — Sua voz ficou aguda e estridente. Se ela abrisse a boca mais uma vez, tenho certeza de que meus ouvidos sangrariam.
— Ficou maluca?
— Não, eu só não quero ter que me preocupar com mais uma piranha querendo roubar o meu namorado.
— A última coisa que eu penso é em roubar o seu namorado, Rayane! Nós somos amigos! Eu não quero e não vou ser obrigada a ter que lidar com as suas inseguranças. Você precisa de terapia. — esbravejei, me soltando bruscamente de seu aperto.
O sinal tocou e eu me dirigi até a sala de aula de forma apressada. Por causa da Rayane, eu não teria muito tempo para conversar com o Peter antes que os outros chegassem. Torci para que ele já estivesse na sala.
Suspirei aliviada quando cheguei e vi que Peter estava com a cabeça apoiada no tampo da mesa. Me sentei ao seu lado e toquei levemente seu ombro.
— Você está bem?
— Isso não faz diferença. — Ele levantou a cabeça somente para me olhar com um semblante abatido.
— Claro que faz, Peter. Seu bem estar é importante para mim.
Peter abriu a boca como se fosse me confessar alguma coisa, mas lhe faltava a coragem necessária. Percebi que ele não falaria nada no momento em que a porta da sala se abriu e os alunos começaram a entrar fazendo algazarra. Emily e Maurício estavam entre eles.
— Deixa pra lá.
Por sorte, Eduardo e Rayane eram de outra turma. Se eles pertencessem a mesma sala que nós, seria difícil aturar os dois.
Com o canto do olho, fiquei observando meu amigo. Ele rabiscava algo em seu caderno. Enquanto eu o observava, eu concluí que Peter é um menino muito tímido e retraído. Ele tem uma grande dificuldade em se abrir e fazer amizades. Sua maior forma de expressão são seus desenhos, geralmente eles falam por si só.
Emily cutucou meu ombro.
— Me desculpe pelo Eduardo.
Me virei para trás e dei um sorriso.
— Relaxa, tá tudo bem.
— Preciso falar com você depois. — Senti urgência no olhar de Emily. Ela parecia tensa e aquilo me alarmou.
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