Capítulo 12 - Daniel

22/03

Danielle não entendeu o motivo do pai querer contar "tudo" agora. De repente. Algo deveria ter acontecido.

— Você vai me contar o que esconde de mim de uma vez por todas? Tudo mesmo? Tudo? — quis saber, encarando Robert fixamente, que assentiu:

— Sim, eu vou.

Então esperou que ele começasse, o que não aconteceu.

— Você já pode começar — incentivou, tentando um sorriso.

— Está bem — Robert suspirou. Não era nada confortável finalmente contar a verdade — Daniel... fugiu.

A garota pensou nesse nome. Era um nome comum, mas algo parecia familiar.

— Quem é Daniel? — perguntou, se questionando do porquê de ele não ter dito antes que o preso que vigiava levava esse nome. Daniel. Isso significava que seu pai teria que voltar a trabalhar lá? Que ele teria que ir embora de novo?

— Imaginei que você não lembraria — ele respondeu. Parecia exausto por ter dito poucas palavras — Mas ainda tinha esperanças de que não seria necessário contar tudo, fazendo-o reviver essas coisas.

— Quem é Daniel? — perguntou Danielle de novo, mais fria dessa vez. Se ele a havia chamado ali para "contar tudo", que então falasse.

— Bem, Daniel é... — Robert pigarreou, visivelmente incomodado com as palavras presas na garganta, prestes a sair — Ele é seu irmão. Seu irmão gêmeo.

De imediato, ela pensou que o desespero de seu pai era tão grande para que ela o deixasse em paz que resolvera inventar qualquer coisa que a acalmasse. Segurou o riso pela ridícula mentira enquanto se erguia do sofá, querendo sair de perto do maior e pior mentiroso que já conhecera.

Porém, ela parou e voltou a se afundar nas almofadas quando os sonhos e lembranças a invadiram, ocupando cada milímetro de sua mente.

Um garoto de cabelos negros e olhos azuis que a acompanhava em passeios pelo parque, viagens à casa da avó e até em um jogo de beisebol. Como tais lembranças não estavam ali antes?

Lembranças de noites chuvosas em que ela ia dormir com ele por causa do medo das trovoadas e relâmpagos. Em que parte da mente dela tudo isso estava guardado?

E os sonhos que tivera e vinha tendo? Tudo estava começando a fazer sentido. Tinha realmente sonhado com seu irmão gêmeo. O aniversário no mesmo dia, 15 anos também... Ele havia fugido na noite anterior? O prisioneiro solitário banhando apenas pela luz do farol... Seria ele? Daniel... Danielle.

A voz de seu pai a trouxe de volta para o presente:

— Achei que você estava saindo da sala, acreditando que eu tinha inventado tudo isso. O que te fez ficar?

Ela apenas conseguiu olhar para ele espantada com tudo que somente agora lembrava e acabara percebendo, ligando pontos e tapando arestas de todas aquelas histórias mal contadas.

— Danielle? — ele estava preocupado com as expressões ilegíveis no rosto da filha que parecia em transe, muito longe dali.

— E-ele fugiu quando? — Danielle perguntou, puxando o ar que queria fugir de seus pulmões. As lembranças haviam chegado tão rápido que era difícil se recompor. Era como se tivesse apanhado e agora precisava se lembrar de como respirar.

— Na madrugada de hoje —ele tocou a mão da filha de maneira gentil – Você consegue acreditar em mim, no que eu estou te contando?

— Eu não ia acreditar, mas... —suspirou, balançando a cabeça como se, assim, fosse organizar tudo que estava lá dentro — Eu falo sobre isso depois. Mas ele fugiu de onde? De um reformatório? Ele é um delinquente?

— Ele fugiu de uma prisão — respondeu Robert ainda sem entender a repentina aceitação da filha que sempre demorava para aceitar qualquer que fosse a história.

— E estava preso por qual crime?

— Homicídio — respondeu receoso, esperava da filha uma explosão, como todas as vezes em que tentara conversar com ela, mas Danielle apenas abriu a boca surpresa.

Ela lembrou-se dos sonhos. Sabia que isso poderia ter acontecido. Ele matara aquele homem.

— Quem ele matou? — perguntou ela querendo descobrir quem seria aquele homem o qual presenciara o assassinato.

— Nunca soubemos direito o que aconteceu — foi a resposta vazia de Robert — Tudo que sabemos é que você seria a próxima.

Um homem alto de olhos cianos me ergue.

Danielle sentiu um medo crescer dentro de si. Sabia, pelos sonhos, o quão perigoso e lunático era Daniel, mas como ele poderia ter pensado em matá-la? Eles pareciam tão unidos nas estranhas lembranças que brotaram. Que tipo de pessoa pode querer matar sua própria irmã? Sua irmã gêmea? Por que acreditavam que ela seria a próxima?

— Quem o levou embora?

— Eu o levei antes que o pior acontecesse — Robert parou e a encarou por alguns segundos — Você está realmente acreditando em mim?

Ela apenas assentiu, querendo que ele continuasse a história.

— O que eu fiz para ele querer me... Matar? Eu não o conheço, mal me lembro dele. O que eu poderia ter feito?

— Danielle, me desculpe... — seu pai voltou a segurar a mão dela — Me desculpe por ter mentindo para você.

Danielle não respondeu que o desculparia, estava com muitos pensamentos para apenas desculpar por desculpar, ela não era assim. Ele deveria saber que ela não era assim.

— Você não respondeu a minha pergunta — rebateu a garota — Você só mentia para me proteger dele?

Era a única explicação plausível que ela encontrou no momento para todos aqueles anos de mentira. Teria sido esse o motivo para ele fingir a própria morte e desparecer?

— Sim, foi por causa dele que mentimos e omitimos coisas importantes de você.

— Mas havia mesmo a necessidade de mentir? — levantou-se do sofá, indignada, a explosão que o pai esperava — Eu era pequena, mas... Eu não entenderia? A melhor solução que vocês encontraram foi fazer com que eu me sentisse órfã todos esses anos, jurando que meu pai havia morrido?

— Estava nos nossos planos contar tudo a você, mas então ele foi preso e... Achávamos que ele nunca seria capaz de fugir, que não incomodaria mais e que algum dia se recuperaria. Por isso, não falei isso quando cheguei... Pensávamos que não havia a necessidade — Robert falou de um jeito tão calmo que a incomodou.

— Mas por que me matar? — lágrimas de medo caíram de seus olhos. Medo e um amor que sabia que sentia pelo irmão — Qual foi o motivo?

Acreditava que o pai ainda escondia mais coisas, pois se ele estava vivo e agora ela tinha um irmão, toda a sua vida poderia ter sido ser uma grande mentira e não seria surpresa alguma se agora aparecesse outro parente cuja existência ela nem fazia ideia.

— Danielle, você deve não estar entendendo nada e nem tem como — ele esperou com que a filha voltasse a sentar, mais calma — Na época, acreditávamos que todos os Haunt haviam nascido com o mesmo poder que nós dois possuímos, porém, percebemos que havia uma exceção, apenas uma... Daniel... — ele sussurrou a última palavra, mesmo que não fosse necessário, ela já sabia quem era a tal exceção.

Então todas as coisas começaram a se encaixar para Danielle: seu irmão deveria ter se sentido diferente da família, se sentindo inferior, sozinho sem os poderes.

Mas o porquê de ter pensado em matá-la ainda não tinha explicação. Se é que teria...

— Mas se sentir inferior ao outros não é motivo suficiente para querer me matar, é? Eu não tinha culpa se ele não possuía os mesmos poderes...

— Raiva... — respondeu seu pai de maneira tão fria que fez com que também sentisse raiva do irmão.

Sinto uma raiva intensa e inexplicável por alguém.

— Raiva? — sussurrou ela.

— Não sei exatamente o porquê de ele desejar matar você, isso é uma coisa que nunca teremos certeza, só ele sabe o que se passa na cabeça dele. O mais provável é que o fato de não ser como nós foi o que o impulsionou a raiva e a inveja que sentia de você, por ter tudo aquilo que ele não tinha e nem nunca teria.

— Mas como você descobriu tão cedo que ele não possuía poderes?

— Você quer ouvir a história inteira? — Robert relaxou no sofá, aquele assunto era mais fácil de contar — Sei que você vai querer saber de tudo mesmo

— Acho que agora não tem mais como fugir, não é?

Seu pai pensou um tempo por onde começaria a história, havia tanta brecha que precisava preencher e encobrir...

—Sabe aquele jogo de beisebol o qual você tem a foto?

— Sim — ela respondeu animada, afinal, essa parte ela conhecia — O mesmo que eu ganhei a bola?

— Esse mesmo. Naquele jogo, fomos nós quatro: eu, você, sua mãe e o Daniel...

...E ao lado direito de meu pai, um garotinho de cabelos negros de sete anos acompanhados pelos seus pais. Ele era sorridente.

Foi impossível não lembrar desse sonho. Sonho não, era uma lembrança. Lembrança de uma tarde, em que se divertiam. Essa lembrança havia aparecido mais cedo que as demais.

— Danielle, você está me ouvindo?

Mergulhada em suas lembranças, esqueceu que alguém estava falando com ela.

— Desculpe, prometo prestar atenção agora — disse sorrindo timidamente, feliz por ele não ter perguntado no que estava pensando.

— Então a bola lançada veio em nossa direção e Daniel conseguiu pegá-la...

— Nossa! — interrompeu com um ar debochado — Até isso vocês mentiram para mim?

— Você não ficou muito feliz com isso — olhou meio ressentido — Pois tinha levantado os braços para tentar pegar, mas sem sucesso. Quando chegamos em casa, você ainda estava emburrada com o que aconteceu, e, naquele dia, consegui te detectar, pela primeira vez — nesse momento nostálgico, ele sorriu — E o Daniel perguntou por que eu me enverguei tanto depois de um simples arrepio. Achou eu estava passando mal.

— O que você disse a ele? — quis saber — E espera, desde quando eu posso causar arrepios em você? Eu não sou forte nem nada...

— A primeira vez que um fantasma é detectado sempre provoca arrepios fortes nos fantasmas mais próximos. E eu contei a verdade para ele, toda a verdade sobre os Haunt.

— Mas ele não era ainda muito pequeno? — Danielle imaginou o que uma criança conseguiria absorver da conversa.

— Era, mas eu acreditava que, mesmo aos seis anos, ele entenderia. Ele até chegou a entender, mas eu queria saber se Daniel também poderia fazer tudo o que você seria capaz de fazer algum dia.

— E o que você disse a ele?

— Disse que talvez fosse demorar mais um pouco. Expliquei que até os sete anos talvez, ou, no máximo, uns oito anos, saberíamos se ele desenvolveria os poderes ou não.

— E isso aconteceu?

— Bem... Todo dia ele perguntava se eu era capaz de detectá-lo, mas nunca consegui — tristeza o dominava.

Danielle pode sentir a dor dele em saber que um dos seus filhos não herdaria os poderes da família.

— Como ele ficou?

— A cada semana e a cada mês que passava, — ele fez uma pausa, para pegar fôlego — Ele ficava mais e mais triste.

— Por quanto tempo durou isso? — começou a ficar comovida com a história de seu possível assassino.

— Até vocês completarem nove anos, mas eu tinha consciência de que, se até essa a idade, eu não consegui detectá-lo, era impossível ele ter poderes ou desenvolvê-los mais tarde.

Como aguentar três anos nessa tortura? Sabendo que ela era superior a ele, que não tinha nenhum poder, nada igual aos dos parentes.

Danielle percebeu como seu pai havia sido precipitado em contar o que era para o filho e tudo que ele poderia ter.

Mas nunca teve.

— E depois?

— Resolvi fazer algo que seria melhor para nós quatro: separar vocês. Sua mãe cuidaria de você, e eu, do Daniel. Ela aceitou.

— Como assim? Você ficou todo esse tempo com ele?

Não era uma crise de ciúmes que ela sentia, mas achava injusto a forma como tudo aquilo aconteceu. Por que separá-los?

— Sim, fiquei — ele quis parecer ter razão, mesmo sabendo que não tinha.

— Mas onde? Onde vocês viveram esse tempo todo?

— Nós não vivemos nada — seu pai ria de nervoso — Eu não passei esse tempo todo ao lado dele.

— Como assim? — perguntou de novo.

— Daniel passou esse tempo todo em um colégio interno. Foi o que decidimos para ele e que seria muito melhor, pois o ajudaria a nos esquecer.

— Quantos anos eu tinha quando vocês foram embora?

Essa peça que não estava encaixando na mente de Danielle. Sua memória não era incrível, mas não lembrar do irmão era demais para ela. E queria saber que onda de lembranças foi aquela que veio quando Robert dissera que Daniel era seu irmão. De onde veio aquilo?

— Nove anos — seu pai respondeu — Com nove anos, fomos para Inglaterra e Daniel estudou lá.

Isso não fazia sentido. Nove anos, ela então deveria se lembrar de tudo.

— Você não acha que eu deveria lembrar de alguma coisa?

"Não lembrar era o que esperávamos. Estranho seria se lembrasse perfeitamente de tudo", pensou Robert.

— Não sei, faz tanto tempo... — respondeu ele como se essa pergunta não tivesse nenhuma importância a ele — A memória funciona de maneira diferente para cada pessoa e você sofreu o trauma da separação do irmão gêmeo. Talvez por isso não se lembre.

Podia até fazer sentido, ela pensou, mas não encaixava perfeitamente. Seu pai prometera contar tudo, mas ainda estava muito longe de toda a verdade.

— Ele ainda não tem poderes, tem?

Seu pai ficou ainda mais sério do que antes.

— Ele agora tem sim e esse é o problema. É bem provável que sejam semelhantes aos nossos.

— Mas como? Você disse que ele nasceu sem, como é possível ele os ter agora?

— Na verdade, os poderes de Daniel eram muito fracos para que eu conseguisse detectar, estavam lá esse tempo todo, mas adormecidos. Eu deveria ter esperado um pouco mais, ter sido mais paciente com o meu filho.

— Então ele tinha esses poderes o tempo todo?

— Sim, ele tinha. Fracos, mas tinha.

— Entendi. Continue.

— Um dia ele matou uma pessoa e por isso foi preso. No interrogatório, isso foi confirmado. Desconfiamos que talvez ele tenha cometido esse mesmo crime mais de uma vez, matado mais de uma pessoa, mas não conseguimos descobrir de quem se trata.

— Mas por que você que eu seria a próxima?

— Ele acreditava que você havia roubado os poderes dele e que era fraco por sua causa.

— Mas agora ele é forte?

— Sim — um leve arrepio na espinha a atingiu apenas com a lembrança do poder do filho — Principalmente para alguém que tinha poderes tão adormecidos a ponto de serem indetectáveis. Ele acabou nos dando muito trabalho quando fomos imobilizá-lo e colocá-lo na cadeia.

Não quero ser preso. Não quero ficar naquele lugar.

Outro sonho ecoou pela sua mente.

Conseguiu prestar atenção no que ele dizia, evitando ter a atenção chamada novamente.

— Por que ele demorou tanto para fugir? Não era só ele atravessar as paredes? E onde ele estava preso?

— Lá não é bem assim — Robert sorriu como se a pergunta da filha fosse muito idiota. — Não conseguimos atravessar as paredes e nem as portas da prisão Wraith.

Sim, Danielle teve certeza que sonhara com Daniel e começou a pensar novamente, chamando a atenção de seu pai pela expressão vazia:

— Danielle, o que aconteceu? Já é a segunda vez que, de uma hora para a outra, você parece que nem está aqui. Se quiser, eu paro de falar — tinha ficado bravo. Odiava estar falando depois de tanta insistência dela sem que ela prestasse a devida atenção.

— Não, eu... — pensou bem no que falar, porque tinha certeza que Robert não acreditaria nela. Não queria mentir, pois odiava quando ele fazia isso, então pensou no que poderia falar.

— Eu acho que sonhei com ele... — continuou então — Ontem e em outros dias.

— Como assim? — ele a imitou, ficando nervoso. Não imaginava que ela poderia sonhar com ele. — É impossível você ter sonhado com ele. Você não disse que nem se lembrava dele?

— Sonhei com ele sim! Ontem sonhei que estava no corpo de um garoto em uma cadeia e lá ele não conseguia atravessar nada: nem paredes e nem a porta

— Como... Como ele estava?

— Ele estava abatido, cansado... — nem precisava de esforço para se lembrar daquele sonho. Foi intenso o suficiente para não esquecer.

— Isso é sério, Danielle? — ele não poderia acreditar que a filha também sonhava com seu irmão gêmeo.

— É sim. Não acredita em mim?

— Acredito, mas isso é muito estranho. Recentemente, quando eu ia visitá-lo, ele sempre estava assim, encolhido em um canto, abatido, sem comer...

Danielle começou a ligar os pontos, percebendo que os sonhos foram acontecimentos, todos do seu irmão gêmeo. As coisas se encaixavam perfeitamente com o que Robert falava e com o que sonhou. Entendeu por que tudo pareceu tão real: porque havia sido real. Esses sonhos eram ricos em detalhes e pareciam estranhamente verdadeiros. Conseguia lembrar-se tão perfeitamente dos olhos do irmão, avermelhados e hipnotizantes.

— Será mesmo que ele irá retornar? — perguntou, mas para ninguém em particular, apenas falando em voz alta.

A mente dela já doía com tanta informação nova recém-adquirida. Precisava descansar um pouco.

Robert compreendeu o cansaço da filha, não fazendo mais perguntas e não respondendo a dela. Entendeu que ela precisava de um tempo sozinha, para pôr as ideias no lugar e fazer com que toda a história recém descoberta se aconchegasse em suas memórias.

Danielle se ajeitou no sofá, praticamente dormindo. Tão, tão cansada...

— E... Acho que ouvi... A voz dele... Ontem... Hoje...

Antes de efetivamente pegar no sono, uma pergunta brilhou em sua mente: como Daniel seria fisicamente, além dos olhos rubros e hipnotizantes? 


Boa noite meus fantasmas! 

Capítulo revisadinho para vocês! 

E agora, o que acharam da verdade? Daniel...

Se gostou, de seu voto e comente! Adoro saber suas opiniões!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top