Capítulo 01 - Pesadelos

27/07

Está escuro. Eu tateio a parede fria. Tomo cuidado para não pisar em falso. Alguém me alerta que pode ser perigoso e que talvez haja degraus ali. Estou prestes a responder que o chão é firme sob meus pés.

Meu pé não alcança o degrau que lá havia um minuto antes. Sinto meu corpo cair e rolar o que parece ser uma quantidade infinita de degraus, até colidir com força numa estante que também parece surgida do nada. Alguns recipientes de vidro caem sobre mim.

Tento me erguer, mas não tenho forças. Firmo as mãos no chão para tentar levantar, porém os cacos de vidros afiados cravam em minhas mãos, me fazendo perder o equilíbrio. Bato novamente as costas na estante e mais um recipiente de vidro me acerta.

Danielle acordou enrolada em seus lençóis. Mesmo com o ar-condicionado ligado ao máximo por causa da onda de calor que estacionara na cidade, ela suava, e, estranhamente, sua pele estava fria. Seu suor era frio. Tremia de frio.

Acabou caindo no chão na tentativa de desligar o ar-condicionado, permanecendo ali até conseguir dormir de novo. Não conseguiu e se viu de pé às sete horas da manhã, algo fora do comum para ela, ainda mais em época de férias.

Observando-se no espelho constatou que as olheiras e sua pele pálida a deixavam com aparência cansada, apenas externando como se sentia.

Sua mãe, Victoria, estranhou esse comportamento vindo dela.

— Bom dia, Danielle. Caiu da cama? — brincou dando um beijo no topo de sua cabeça e começando a tomar café.

— É... Eu tive um sonho estranho — Danielle sentou-se ao seu lado para tomar um café com leite.

— Sonhou com o quê? — indagou a mãe oferecendo uma torrada com geleia, ritual de todas as manhãs.

— Eu... — recusando a torrada, suspirou antes de contar. Precisava fazer certo esforço para colocar em palavras tudo que sentira no sonho — Sonhei que estava num lugar escuro... Caí numa escadaria. Bati as costas num armário... Vários recipientes de vidro caíram sobre mim. E...

— E o quê? — perguntou a mãe, agora demonstrando preocupação com a garota.

— Foi algo real demais — disse por fim — Não parecia ser eu. Parecia que eu estava no corpo de outra pessoa. Foi estranho.

— Você parece tão cansada, filha, tão pálida. Volte para o quarto e tente dormir mais um pouco. Eu sei que você ficou até tarde ontem lendo — a mãe insistiu mais um pouco em fazer a filha comer a torrada.

— Fiquei sim — admitiu Danielle sorrindo — Vou mesmo tentar dormir — terminou o café sem nem tocar na torrada, estava realmente sem fome.

Antes que voltasse para o quarto, foi envolvida por um forte abraço de sua mãe.

— Vê se come alguma coisa mais tarde — tentou mais uma vez.

Danielle sorriu de novo e foi deitar-se, mesmo sabendo que não conseguiria dormir tão cedo e passou o dia com um cansaço estranho.

Era a primeira vez que algo assim acontecia com ela, que sempre dormia assim que deitava.

Ingenuamente Danielle pensou que aquela seria a primeira e última vez.

01/09

Estou numa floresta e, logo que tomo consciência disso um soco acerta em cheio meu rosto. O agressor é um homem de olhos cor de folha que continua e me dá uma série de socos e chutes em mim. Ele é muito forte e parece nunca cansar.

Vou para um lugar escuro. Um espelho se trinca, mas ainda sou capaz de me ver do outro lado.

Vejo novamente aquele homem e aquelas árvores. Depois de muitos golpes, eu consigo. Eu o venço. Eu o mato. Eu ganho dele. Mas estou exausto. Caio sobre umas folhas secas com minhas roupas e face cobertas pelo nosso sangue.

Olho ao redor na floresta. Há duas pessoas mortas e ensanguentadas perto dali.

Eu as conheço.

Eram meus amigos.

Danielle acordou sentando-se rapidamente, suando frio e tremendo. Seu corpo estava gelado, seus olhos molhados e algumas lágrimas ainda escorriam pelo seu rosto e travesseiro.

Era três da tarde e ela só estava deitada por causa de uma forte dor de cabeça, que milagrosamente passara depois do pesadelo. A dor poderia ter se ido, porém a garota continuava angustiada, sem saber se tremia mais de frio ou de medo.

— Danielle — sua mãe bateu na porta do quarto — Se tiver me ouvindo, a Taylor está aqui. Sua dor de cabeça já passou?

Secou as lágrimas. Desejava conversar com Taylor sobre seus sonhos, por isso, tentou parar de tremer, mas sem sucesso. Ainda estava com muito frio e tinha certeza que seu ar-condicionado estava desligado.

— Mãe... — sua voz não saiu alta o suficiente para que sua mãe fosse capaz de ouvir. — Pode entrar — tentou falar mais alto, porém não conseguiu; a voz parecia vir de muito longe.

A porta se abriu e sua melhor amiga entrou. Amigas há quase cinco anos, acreditavam se conhecer a muito mais tempo do que desde que Taylor se mudara para a cidade, tamanha sua ligação. Não existiam segredos entre as duas e sempre se deram muito bem por serem parecidas, gostarem das mesmas coisas, ouvirem as mesmas bandas e lerem os mesmos livros. Além disso, compartilhavam de uma visão parecida do mundo.

Vivia uma na casa da outra por sua proximidade: eram quase vizinhas de frente, e, desde que se conheceram, iam juntas para a escola. Era inevitável que fossem amigas.

Entretanto, as semelhanças acabavam nas preferências e ideologias; enquanto Danielle tinha cabelos lisos e negros e olhos de um azul claro, fazendo dela uma garota muito bonita, Taylor, por sua vez, chegava a arrancar suspiros dos garotos do colégio por ser loira e ter brilhantes olhos verdes. Só não era a mais popular porque não gostava de usar as roupas curtas, colantes e de grandes decotes como as heroínas dos animes que eles tanto assistiam e dos jogos que tanto jogavam. Era uma garota real demais para eles.

— Posso acender a luz? — Taylor pediu assim que entrou no quarto, incomodada com a escuridão do lugar. Os raros casos de dores de cabeça de Danielle costumavam passar com algumas horinhas de sono em um quarto escuro e silencioso como aquele. Mesmo que não houvesse sempre as horas de sono, pelo menos, a dor passava

— Pode. A dor já passou — respondeu Danielle em um sussurro.

Taylor acendeu a luz e os olhos da amiga não se adaptaram muito bem à nova claridade; teve que cobrir o rosto rapidamente com o lençol.

— Acho melhor abrir a janela então, já que está bem nublado e não vai irritar muito seus olhos — Taylor apagou a luz e abriu a janela antes de sentar-se ao lado de Danielle que descobriu o rosto quando sentiu que a segurança da escuridão voltara.

— Sua dor de cabeça passou? Você tá branca — ela disse fitando a amiga.

— A dor sim — Danielle respondeu ainda enrolada na coberta, com apenas o rosto de fora. — Mas tô com frio e não consigo parar de tremer. Não sei o que tá acontecendo comigo.

A amiga estreitou as sobrancelhas com preocupação:

— Mesmo estando fresquinho, não tá frio o suficiente para você sentir frio e tremer desse jeito. Aconteceu mais alguma coisa? — Taylor colocou o braço ao redor da amiga. Ela estava gelada.

— Eu... Eu tive um sonho estranho. Na verdade, já é a segunda vez que tenho esse tipo de sonho — algumas lágrimas caíram de seu rosto. Não sabia de onde estava vindo todo esse desespero.

— Como assim um sonho estranho? — a abraçou mais forte — E por que você não falou do outro antes?

— Eu... — as lágrimas continuavam a cair sem que impedisse — Foi um mês atrás.

— Como foi? Sobre o quê?

Então Danielle contou à amiga sobre os sonhos, cada detalhe vívido que resplandecia em sua mente toda vez que fechava os olhos. A sensação na pele de ser outra pessoa e, mesmo assim, sentir cada soco, cada chute. O cheiro da floresta. Do sangue.

— Danny... — Taylor a olhava de um jeito estranho, preocupado, mas receoso também. Danielle se encolheu e puxou ainda mais as cobertas.

— Você acha que eu tô meio louca, não é? — brincou, mas sem sorrir. Ela não precisava fingir para Taylor que estava tudo bem.

— Não acho que você esteja louca — a amiga sacudiu a cabeça com veemência — Mas pode ser que você...

— Precise de um psicólogo? — continuou a brincar Danielle.

— Eu não sei... Talvez... — suspirou — Sabe, talvez seja estresse. A nova escola, novas pessoas.... E... Tem a morte de seu pai ainda... — como se também estivesse cansada dos sonhos, escorou-se na cabeceira na cama ao lado da amiga.

— Vai fazer seis anos daqui a pouco — comentou Danny, quase em tom de defensa, porém sem descartar a opinião da outra garota.

Seu pai, Robert, morrera quando ela tinha oito anos de uma doença fatal que provocara a sua morte em poucas semanas. Fora tudo muito rápido para uma garotinha assimilar.

Ela nunca nem pode visitar seu túmulo ou chorar sua morte em outro lugar que não em casa, já que sua mãe contara que ele sempre desejara ser cremado e que suas cinzas fossem jogadas de um penhasco, para que ele pudesse ir embora com o vento e repousar no oceano. Algo poético do tipo. Ele adorava esse tipo de coisa, porém, não deixara muito no que ela pudesse se agarrar em momentos difíceis.

Essa era a história que contaram a ela a vida toda. Mas seu pai poderia não estar no mar, pensou em seu íntimo, uma sensação que nunca compartilhara com ninguém porque parecia apenas o luto de uma filha que não conseguia superar.

Para distraí-la desses pensamentos, Taylor começou a falar sobre a escola nova, Rhodes High School, uma escola de Ensino Médio que ficava a algumas quadras de distância de suas casas e era formada por todo um conjunto de pavilhões; em um prédio maior ficava a administração, com seus tijolos vermelhos à vista muito bem cuidados, e blocos menores que separavam as salas de acordo com o tipo de aula. Atrás do pavilhão principal, encontrava-se a quadra de esportes, superequipada, tendo até uma piscina amada pelos alunos nos dias mais quentes de agosto. E, mais ao fundo, havia ainda o refeitório, cheio de mesas metálicas e cadeiras de mesmo material, com acento preto.

— Você viu quantos garotos bonitos têm nessa escola? — comentou Taylor já sorrindo sonhadora.

Danielle sorriu também. Era claro que a amiga viria pessoalmente falar com ela sobre isso.

— Claro que sim — rebateu — Tô meio louca, mas não cega.

— Quem te chamou mais atenção? — perguntou a garota empolgada.

Danielle começou a rir com a empolgação:

— Nolan — respondeu depois de certo charme — Ele se apresentou na aula de Inglês, lembra? É novo lá também.

Nolan parecia ser um garoto simpático. Seus olhos eram castanhos escuros e os cabelos em um tom mais claro. Era alto. Danielle reparara também nas duas pintas que ele trazia em uma bochecha e uma outra pinta perto da orelha. Seu sorriso era encantador. Ainda era estiloso quando aparecera essa manhã, com calça de um jeans escuro, tênis, a camiseta do uniforme, munhequeira em um dos pulsos e uma jaqueta verde escuro.

A melhor parte sobre o garoto era que ele se sentara ao lado de Danielle nas aulas que tiveram juntos.

— Lembro! — Taylor deu um gritinho — Ah, Danny, muito lindo ele, mas eu prefiro aquele outro, o Elliot.

Danielle precisou forçar a memória para lembrar de quem a amiga estava falando.

— Aquele de cachos?

— Sim, ele mesmo — a amiga suspirou dramática, fazendo as duas rirem.

Elliot fazia aula de História com Danielle. Tinha os cabelos castanhos em cachos, olhos verdes e um belo sorriso. Ele não chamara muita a sua atenção, ao contrário de Nolan. Ambos eram bonitos, não tinha como negar, mas as duas tinham gostos diferentes quando o assunto era garotos. Ainda bem, assim, não havia brigas.

— Será que conseguiremos alguém até o Dia dos Namorados?

— Por que não? — indagou Danielle rindo e passaram o restante da tarde imaginando cenas em que os referidos garotos as chamavam para sair, se apaixonavam por elas e as levavam no Baile de Inverno.

O frio e o medo tinham ido embora com a presença da amiga sem que Danielle percebesse.

Nem parecia que ela tivera um sonho estranho e assustador naquele mesmo dia.

10/09

Abro os olhos, ainda estou daquela floresta. Meu corpo dói. Não consigo me levantar. Alguém faz isso por mim, um homem alto de olhos cianos me ergue, perguntando que merda eu havia feito para estar naquele estado.

Sedaram-me e agora estou preso no meio do nada. Só consigo ver um mar muito azul por entre as grades da minúscula janela.

E ainda terei que responder algumas perguntas.

Danielle acordou assustada, como sempre. Fazia mais de uma semana que não tinha esse tipo de sonho.

Sentia-se fraca, mas não suava ou tremia dessa vez. Só estava com um frio intenso e sua pele estava gelada.

"Eu sonhei com quem? Quem está preso", se perguntava.

"Mas isso não existe! Premonições... Ou será que existe? Ok, pode até existir, mas eu não sou nenhuma vidente. Pelo menos nunca fui. Sou? O que tá acontecendo comigo?!".

Muitas dúvidas pairavam em sua mente, impedindo-a de dormir, o que ela agradecia.

Desejava como nunca contar tudo isso para a psicóloga que já visita antes do conselho de Taylor. Chegava a imaginar o que ela acharia de tudo isso.

Só queria que a confortassem que tudo ficaria bem.

11/09

Não consigo parar de gritar. Uma raiva explode em mim. Não quero ser preso. Não quero mais ficar naquele lugar. Eles vão me sedar de novo.

Mas eu não desisto.

Nunca vou desistir.

Ela abriu os olhos. Aquela era a primeira vez que sonhara com aquelas coisas duas noites seguidas.

A raiva que ela sentia no sonho sumira assim que abriu os olhos. Tremia de frio mais uma vez. Os sonhos a estavam deixando cada vez mais fraca.

Mas Danielle não conseguia falar sobre eles com ninguém, somente para sua psicóloga. Não queria ver aquele olhar preocupado no rosto de Taylor novamente.

A psicóloga ficou surpresa em ver sua paciente depois de tanto tempo.

Tranquilizou a garota dizendo que, no caso de Danielle, os sonhos eram normais, sintoma de sua ansiedade que aflorava com os conflitos da idade, da nova escola, a chegada do aniversário de morte do seu pai e com a possibilidade de estar apaixonada por alguém. Sim, até a parte amorosa acabara contando à médica. Ah, é claro, a adolescência é mesmo um período difícil.

Tudo isso poderia ser apenas uma cortesia dos 14 anos de Danielle.

12/09

Eles me sedaram e eu acordo só agora

Saio correndo na esperança de poder gritar de novo, mesmo sob o efeito das drogas que me injetaram. Coloco as mãos nas grades da porta, para puxar e tentar abrir. Quero sair dali. Algo que parece um choque me atinge. Meu corpo é arremessado para longe, e, ao cair no chão, tudo fica escuro.

Danielle acordou como se tivesse levado mesmo um choque. Seu coração estava acelerado e tremia de frio, mais uma vez. Não suava. Mas estava começando a ficar com medo disso. Ela teria que dizer tudo isso para a psicóloga.

"Com sorte talvez eu não seja internada" pensou.

O que amenizou seu dia foi a visita que fez a Taylor. Ela inventou de fazer um piquenique no quintal de sua casa, e é claro que Danielle amou a ideia, precisava se distrair, sair daquele quarto cheio de pesadelos. Quase passaram mal de tanto comer bolo de maracujá com cobertura de chocolate. Não tinha como ela não se alegrar.

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